Cientistas cearenses investigam surgimento de novas 'caixas misteriosas' no mar e apontam pirataria

Novos materiais foram encontrados em praias nordestinas com estanho, metal de alto valor comercial para a produção de eletrônicos

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Caixas
Legenda: Carregamentos estavam em navios naufragados e suspeita indica tentativa de extrair metal valioso
Foto: Cláudio Sampaio

Pesquisadores cearenses identificaram novas aparições de “caixas misteriosas” nas praias da Bahia, Sergipe e Alagoas, em agosto deste ano, com carregamento de borracha e de estanho - metal de alto valor. O detalhamento da investigação, que deve compor um artigo científico, foi divulgado nesta quinta-feira (14). A suspeita é de que piratas tenham extraído os malotes de naufrágio com material japonês.

Os cientistas do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), descobriram que os malotes não têm a mesma origem daqueles avistados em 2018. O novo material é atribuído ao Navio Alemão MW Weserland.

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“O Navio saiu do Japão durante a Segunda Guerra Mundial, foi abastecido no sudeste asiático e saiu em direção a Alemanha com borracha e estanho”, explica o professor do Labomar, Luís Ernesto Bezerra. O naufrágio está na altura da costa baiana, mas em águas internacionais - ou seja, não fica sob responsabilidade de nenhum governo.

A localização foi definida por meio de cálculos de modelagem, que simulam a ação dos ventos e das correntes marítimas, coincidindo com os pontos onde foram encontrados os novos fardos de borracha e estanho. “Foram recolhidos mais de 200 fardos em Alagoas, que apresentam ideogramas em japonês, e a gente descobriu ser o kanji, linguagem muito usada no tempo da Guerra”, detalha.

Caixas
Legenda: Inscrições identificam os carregamentos como pertencentes ao Japão
Foto: Cláudio Sampaio

O Navio MV Weserland foi naufragado pelo modelo de guerra, destróier USS Sommers, da Marinha dos Estados Unidos, em janeiro de 1944. O episódio aconteceu poucos dias depois do naufrágio do Navio SS Rio Grande onde estavam os primeiros malotes encontrados. As cargas de borracha eram utilizadas nas estratégias de guerra.

O artigo científico sobre os achados, produzido com apoio do Labomar, será assinado pelos professores doutores Luis Ernesto Arruda Bezerra, Carlos Eduardo Peres Teixeira, Marcelo de Oliveira Soares, Rivelino Martins Cavalcante e Claudio Sampaio.

SUSPEITA DE PIRATARIA

Os pesquisadores levantam a hipótese de intervenção humana, pelos chamados piratas, no aparecimento dos malotes. A suspeita é de que pessoas tenham tentado retirar o estanho do naufrágio devido ao alto valor comercial.

“No primeiro semestre de 2021 o preço mundial do estanho triplicou, porque o metal é utilizado em produtos eletrônicos e, na pandemia, houve uma demanda muito alta por celulares, tablets e computadores”. O grupo avaliou o crescimento de 13 mil para 34 mil dólares.

Um estudioso internacional foi acionado para auxiliar no processo de investigação feito pelos pesquisadores, que corrobora com a linha de raciocínio. “Em contato com o pesquisador britânico David Mearns, soubemos que realmente andaram mexendo nesse naufrágio para tentar recuperar essa carga de estanho”, destaca.

DANOS AMBIENTAIS

Existe prejuízo ambiental com o aparecimento das cargas, como explica Luís Ernesto, com possibilidade de interação dos poluentes com espécies marinhas. “Além da poluição visual, esse látex pode se soltar e ir se decompondo em pequenos pedaços, que podem ser ingeridos por organismos marinhos", frisa. O pesquisador também lembra do caso em que um condutor de buggy colidiu com um fardo de borracha, no Rio Grande do Norte, causando a morte de duas pessoas.

O professor encontrou documentos históricos sobre cargas de borrachas trazidas em 1944 no Ceará e explica que os muitos naufrágios da costa guardam materiais desconhecidos. Com a deteriorização, as substâncias e poluentes podem vazar sem o controle de especialistas. "A importância disso é mostrar como a gente precisa conhecer melhor esses naufrágios do nosso litoral, porque a gente conhece muito pouco e eles podem representar riscos", conclui.

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