Cearense está há três meses sem receber medicamento para doença rara; Instituto cita falta nacional

Pelo menos 700 brasileiros com as mais variadas doenças raras estão no aguardo de medicações do Ministério da Saúde (MS), de acordo com Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras (IVR)

Escrito por Redação ,
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Foto: Shutterstock

Natural de Marco, interior do Ceará, a artesã Paula Riana Rios, de 30 anos, aguarda pela medicação Metreleptina para tratar a Síndrome de Berardinelli-Seip há três meses. A patologia está entre as doenças consideradas raras e pode causar alterações aparentes, além colesterol e triglicerídeos elevados, resistência à insulina e diabetes e problemas no coração.

“O remédio ajuda a controlar a insulina e o colesterol, por exemplo. Sem ele, chega a bater 200 de glicemia, mesmo eu tomando a insulina diária. Com isso, eu corro vários riscos, inclusive de cegueira por causa da diabetes, e o meu tratamento tem um grande retrocesso”, detalha Paula, que aguarda a medicação para conseguir uma reestabilização e, assim, realizar uma cirurgia eletiva.  

Na mesma situação da cearense estão, pelo menos, 700 brasileiros com as mais variadas doenças raras, à espera de medicações do Ministério da Saúde (MS), de acordo com Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras (IVR). “Existem casos de pacientes que estão sem tratamento há quase dois anos - mesmo com ações judiciais deferidas em favor deles”, diz.

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Segundo a vice-presidente, pacientes diagnosticados com as doenças de Fabry, raquitismo hipofosfatêmico ligado ao cromossomo X (XLH), tirosinemia, hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), síndrome hemolítica urêmica atípica (SHUa), mucopolissacaridose tipo VII e imunodeficiência primária estão entre as pessoas no aguardo dos insumos.

Cenário no Estado

O Diário do Nordeste conversou com o presidente da Associação Cearense dos Portadores de Doenças Raras, Emanoel Nasareno Menezes Costa, que falou um pouco sobre o cenário dos pacientes diagnosticados com doenças raras no Ceará. Confira:

Quantos pacientes do Ceará estão nessa situação atualmente?

Infelizmente, não há um levantamento específico e detalhado que possa unificar esses dados no Estado do Ceará, muito se deve em função da dificuldade em estabelecer um diagnóstico prévio e preciso de algumas patologias, o que leva a sua descoberta tardia, além da própria falta de iniciativa pública em fazer um processamento desses dados. No entanto, segundo algumas fontes de pesquisas independentes, chegaram a um resultado de que no Brasil existem aproximadamente 13 milhões de pessoas acometidas por Doenças Raras.

Como está o cenário aqui do Ceará enfrentado por esses pacientes? Quais os principais problemas enfrentados por eles?

Esse questionamento, precisa ser avaliado conjuntamente com a operacionalização das Políticas Públicas aplicadas pelo Estado no âmbito da Saúde. Nós temos a rede de saúde pública (SUS), que faz a dispensação e fornecimento dos medicamentos, com base em uma Relação Nacional de Medicamentos (RENAME), que são inseridos mediante aprovação prévia dos estudos de eficácia e vantagem econômica, realizados pelo Conselho Nacional de Incorporações de Tecnologias no SUS (CONITEC), desse modo, somente os medicamentos que integram a Relação Nacional de Medicamentos, que são fornecidos pelo SUS.

Ocorre, que em função do alto custo, inúmeros medicamentos destinados ao tratamento das doenças raras, embora tenham sua eficácia devidamente comprovada pela Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, não integram a lista acima mencionada, inviabilizando assim, o acesso ao tratamento pelo paciente.

Este cenário vem se agravando exponencialmente em nosso Estado, visto que os medicamentos de doenças raras, embora eficazes, não integram a relação para efetiva dispensação do fármaco na rede pública, obstando assim, o principal acesso ao tratamento de inúmeras famílias, refletindo em outra importante questão, o diagnóstico, pois junto com a falta de incentivos ao tratamento, nos deparamos com a falta de mecanismos para realização do diagnóstico de inúmeras doenças raras, que poderiam ser descobertas, logo após o nascimento da criança, permitindo um tratamento precoce e certamente mais eficaz e menos oneroso.

Quantos desses pacientes estão sem receber medicação no Estado? Há uma estimativa realizada pela Associação?

Diante da insuficiência de dados, não temos como quantificar com exatidão quantos pacientes temos no Estado do Ceará sem receber a medicação, isso se deve, principalmente, ao ponto acima respondido, acerca da inexistência de dados estatísticos de pessoas diagnosticadas.

Sobretudo, com base nos dados coletados pela Associação, dos 50 pacientes que nós acolhemos somente no Estado do Ceará, todos eles, sem exceção, tiveram o seu pedido de fornecimento do fármaco negado pelo Ente Estatal, obrigando-nos a recorrer ao Judiciário, para satisfação do direito de nossos afiliados.

Ademais, é possível obter, mediante compulsa das notícias veiculadas pela imprensa, inúmeras denúncias de pacientes que sofrem com atrasos consideráveis na entrega do fármaco pelo Estado do Ceará, o que em verdade dos fatos, fazem com que esse grupo, também se insere nesse rol de pessoas que não recebem a medicação, corroborando assim, com a dificuldade em parametrizar um quantitativo de pessoas que estão sem receber por sua medicação.

Tentativas com o Ministério da Saúde

Segundo a vice-presidente Amira, o IVR já vinha tendo dificuldades de conversar sobre medicações com o Ministério da Saúde, enviando e-mails, ofícios, solicitando reuniões, mas não tem tido retorno.

“Com a pandemia, a gente entendeu que a pasta precisava se organizar e não temos uma previsão de entrega dos medicamentos. Contudo, por causa dessa incerteza e desabastecimento, agora os pacientes estão tendo um deterioramento dos pacientes. Estamos tentando uma reunião com o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga”.

Na terça-feira, o Diário do Nordeste também noticiou que o medicamento Tocilizumabe também passa por um possível desabastecimento e alguns pacientes em remissão de doenças reumatológicas precisaram interromper o tratamento com o remédio. Sobre o assunto, o MS afirmou, em nota, que o tocilizumabe é fornecido trimestralmente às Secretarias Estaduais de Saúde dos estados e do Distrito Federal, conforme demanda. 

“Todo o quantitativo aprovado do medicamento tocilizumabe 20mg/ml – frasco 4ml para atendimento do 1º trimestre/2021 (janeiro, fevereiro e março) e 2º trimestre/2021 (abril, maio e junho) foi atendido em sua totalidade”, pontua a nota.

Já sobre a medicação Metreleptina, a reportagem entrou em contato novamente com a pasta federal, mas não obteve resposta. 

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