Cardiopatia congênita: cirurgias de casos graves não param durante pandemia

Dificuldades no tratamento são sentidas por famílias que cuidam de crianças com a patologia. Cuidado redobrado no isolamento é tomado para não expor os pacientes ao vírus

Escrito por Redação ,
Anna Lívia vive o momento de recuperação pós-cirurgia
Legenda: Anna Lívia vive o momento de recuperação pós-cirurgia

Hoje, Dia Nacional de Conscientização da Cardiopatia Congênita, mesmo com a pandemia do novo coronavírus, o bem cuidar de pessoas nesta condição não pode parar. Devido às implicações que a doença poderia trazer caso o tempo de espera fosse mais longo, crianças com casos graves de cardiopatias congênitas continuaram sendo atendidas e passando por cirurgias durante a pandemia. Já os procedimentos eletivos foram suspensos, seguindo medidas de segurança da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). O Hospital do Coração de Messejana, centro de referência nesse tipo de tratamento, realizou 82 cirurgias em pacientes desse grupo de janeiro a maio, enquanto em 2019 o número foi de 112. A redução de cirurgias e a incerteza de quando os atendimentos podem voltar ao normal gera acumulo de crianças no aguardo dos procedimentos e apreensão nas famílias.

“Nenhuma criança que nos procurou precisando de cirurgia o procedimento deixou de ser feito”, diz Klébia Castelo Branco, cardiologista pediátrica e coordenadora da pediatria do Hospital de Messejana. O ambulatório externo da unidade também segue funcionando para receber novos pacientes e fazer diagnósticos, já que descobrir a doença precocemente aumenta as chances de recuperação. Para evitar transmissão do coronavírus, a maior parte do contato com as famílias de crianças atendidas é feito por telefone. Nesse momento, elas são orientadas sobre a necessidade de exames, cirurgias ou consultas.

Em alguns casos, segundo Klébia, mesmo com necessidade de ir até o hospital, as mães decidiram não sair de casa, seja por medo de infecção por Covid-19 ou impossibilitadas devido a problemas de transporte causados pelo isolamento. A médica projeta que a readaptação será um processo gradativo, principalmente devido a insegurança que as famílias sentem ao possivelmente expor a criança cardiopata ao vírus. O Hospital ainda não tem um plano de retomada, que deve seguir recomendações da Sesa.

Para Anna Lívia, 3, o período do início da pandemia foi de recuperação. Ela recebeu alta de sua terceira cirurgia pouco antes dos primeiros casos de coronavírus chegarem ao Ceará. Das poucas vezes que precisou sair de casa para ir a um hospital particular de Fortaleza, o clima foi de aflição, segundo sua mãe, Marcelle Firmino de Carvalho, 30. “É muito tenso e os hospitais não ajudam. Eles não tem aquele cuidado que a gente tem, ninguém nunca vai ter”, reclama. Ela aponta a falta de isolamento de pessoas com doenças graves que, assim como Lívia, precisaram visitar as unidades de saúde. Os esforços desse hospital para garantir a segurança desses grupos começou a ser feito no último mês, segundo ela.

Valdester Cavalcante, diretor técnico e cirurgião cardiovascular pediátrico do Instituto do Coração da Criança e do Adolescente (InCor), explica que entre casos mais graves não há fila de espera. Em um dos casos mais comuns de cardiopatia, quando a criança nasce com um coração univentricular, as intervenções têm de serem feitas ainda nos primeiros dias de vida. É com casos de repercussão moderada e leve que deve haver acúmulo, pois as cirurgias para essas crianças não foram realizadas. Crianças tanto da rede pública como da privada foram afetadas de forma semelhante, segundo ele.

Cuidados com o coronavírus

Durante a pandemia, respeitar o isolamento, manter a higiene frequente e restringir o contato da criança apenas para pessoas da casa são algumas orientações dadas às famílias dos pacientes. A preocupação com as possíveis complicações que uma criança cardiopata pode ter ao entrar em contato com o coronavírus é o que motiva o cuidado redobrado. “De uma certa forma, temos doenças que levam à insuficiência cardíaca, deixam o pulmão mais úmido, com mais sangue, propensos a infecções. Com a infecção por coronavírus, quando já há capacidade abaixo do normal, o grau de gravidade se torna mais crítico”, diz Valdester.

Marcelle conta que precisou diminuir o fluxo de pessoas em casa para proteger Anna Lívia da exposição. Até o número de técnicas em enfermagem que ficam cuidando da criança 24 horas diminuiu. Antes eram quatro profissionais à disposição, agora apenas duas fazem o trabalho. As sessões de terapia ocupacional e fonoaudiologia também estão suspensas. “A gente tá com medo. O cuidado é extremo, ficamos de máscara 24 horas por dia e evitamos tirar ela de casa. [A Covid-19] é uma doença que ninguém sabe como funciona, muito disse me disse”.

Ainda não há estudos suficientes que falem sobre o coronavírus na população infantil, segundo o médico. Apesar da prevalência ser menor e a doença parecer menos grave neste grupo, ele acredita que a evolução do vírus no organismo de crianças com cardiopatias congênitas não deve acontecer da mesma forma. Por isso, é importante que os pacientes façam check-ups antes de voltar a participar de atividades sociais com aglomeração, como ir a escola.

Apesar de Lívia estar estável e se recuperando bem, não há data para que a criança comece a frequentar a escola. O processo, que já foi adiado devido suas condições graves de saúde, pode demorar ainda mais caso o vírus continue sem vacina. Marcelle teme que a demora e falta das terapias influencie no desenvolvimento da filha. “Quando essas crianças estão bem, temos que aproveitar o máximo possível para interagir com elas. A gente, a família, o pai dela, compra tudo que pode para estimular, mas não é igual a eles [profissionais]”.

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