Cai pela metade número de idosos e pessoas com deficiência que recebem o BPC em Fortaleza

Concessão do Benefício de Prestação Continuada foi prejudicada pela pandemia e por imposição de regras que burocratizam o acesso, dizem especialistas

Escrito por Lígia Costa , ligia.costa@svm.com.br
Agência do INSS
Legenda: De acordo com os dados mais atualizados do INSS, referentes a dezembro do ano passado, o Ceará conta com 281.784 beneficiários ativos do BPC. Do total, 174.676 (62%) estão enquadrados na categoria de Pessoas Portadoras de Deficiência, e 107.108 (38%) na categoria de Amparo Social ao Idoso
Foto: José Leomar

O número de novas concessões do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a idosos e pessoas com deficiência em Fortaleza caiu 49,47% em 2020, ante 2019. Dados disponibilizados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ao Diário do Nordeste revelam que, em 2019, foram concedidos 3.875 novos benefícios na Capital, sendo 1.962 a pessoas com deficiência e 1.913 a idosos. Já em 2020, o total de novos benefícios concedidos em Fortaleza caiu praticamente pela metade e chegou a 1.958, sendo 1.081 destinados a idosos e 877, a pessoas com deficiência.

Entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, foram concedidos, ao todo, 2.839 novos BPCs somente a pessoas com deficiência em Fortaleza. Destes, 1.962 foram concedidos em 2019 e 877 durante o ano de 2020. De um ano para o outro, portanto, houve uma queda de 55,30% nos novos benefícios concedidos a esse público.

Já para idosos da capital cearense, foram concedidos 2.994 novos benefícios entre 2019 e 2020. Destes, 1.913 foram concedidos em 2019 e apenas 1.081, no ano passado, o que representou uma queda de 43,49% nos benefícios destinados a idosos em Fortaleza.

Dados no Estado 

O Ceará, por sua vez, registrou um aumento de 0,74% ou 115 novos BPCs concedidos em 2020. Ao todo, foram 15.394 benefícios direcionados a idosos e pessoas com deficiência no Estado em 2019, ante 15.509 registrados em 2020.   

Ainda de acordo com os dados mais atualizados do INSS, referentes a dezembro do ano passado, o Ceará conta com 281.784 beneficiários ativos do BPC. Do total, 174.676 (62%) estão enquadrados na categoria de Pessoas Portadoras de Deficiência, e 107.108 (38%) na categoria de Amparo Social ao Idoso. 

Acesso prejudicado 

Professora do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Adinari Moreira de Sousa avalia que a diminuição no acesso ao BPC, tanto por idosos quanto por pessoas com deficiência, se deve ao próprio contexto da pandemia de Covid-19.  

Para evitar a proliferação da doença, o atendimento presencial nas agências do INSS foi suspenso por vários meses. Logo, muitas pessoas não conseguiram solicitar o benefício.  

Além disso, elenca a professora, idosos beneficiários morreram em decorrência do coronavírus. Consequentemente, concessões do BPC foram anuladas.  

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Por se tratar de um benefício assistencial, cujo objetivo central é amparar pessoas de baixa renda, o BPC não exige que o beneficiário tenha contribuído para o INSS para ter direito a ele. Por outro lado, não paga 13º salário e não deixa pensão por morte. Logo, é descontinuado tão logo o beneficiário morre.  

Antes de solicitar o BPC, é necessário realizar o cadastramento do beneficiário e de sua família no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal, o CadÚnico, administrado pelos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) de cada cidade.

Devido à pandemia, os Centros de Referência em Fortaleza passaram a receber boa parte das demandas por e-mail e telefone. Mas “o acesso a essas tecnologias é muito difícil para o usuário, principalmente para o idoso”, justifica a professora.  

Segundo ela, a queda no acesso ao BPC, sobretudo a pessoas com deficiência, também está relacionada à burocracia que envolve o processo de concessão do benefício.  

“Não basta ter um atestado médico. A pessoa com deficiência tem que passar pelo crivo de uma perícia médica do INSS. Agora, também há a necessidade de um parecer emitido pela assistente social” do Instituto, afirma Adinari. “Esses elementos dificultaram muito o acesso a esse benefício super necessário às famílias de baixa renda”, arremata. 

Legenda: Antônia Mendes, 60, é beneficiária do BPC há cerca de cinco anos devido a uma doença crônica nos olhos
Foto: Arquivo Pessoal

Ajuda insuficiente    

Justamente por não ter condições financeiras para comprar medicamentos que amenizem os incômodos de uma doença ocular crônica, a recicladora Antônia Mendes de Souza, 60, se tornou beneficiária do BPC há quase cinco anos.   

Devido ao problema de saúde, diagnosticado como doença crônica somente em 2001, sempre enfrentou dificuldades para trabalhar.   

Por isso, ainda hoje, não consegue garantir uma renda mensal fixa para manter a casa onde vive com os dois netos menores de idade, no Bairro Parque São Vicente, em Fortaleza.  

A recicladora gasta cerca de R$ 370 por mês - mais de 30% do benefício - apenas com colírios e remédio para pressão alta.

"(O BPC) foi uma bênção que Deus me deu. Sem ele, eu estaria com muitas dificuldades porque tem períodos que meus olhos incham muito e eu não posso trabalhar. Espero que o Governo (Federal) não corte”. 

Apesar de “ajudar demais”, o valor do BPC ainda é insuficiente para cobrir todos os gastos de Dona Antônia. “Ajuda, mas nunca sobra e sempre fico devendo. Quando compro alguma coisa pra complementar em casa, na mercearia, compro fiado. E quando pago a mercearia, falta pro remédio”, queixa-se.  

Redução da vulnerabilidade 

De acordo com o pesquisador e coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) do curso de Pós-Graduação em Economia (CAEN) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vitor Hugo Miro, há evidências na literatura científica que indicam efeitos positivos do BPC na redução da vulnerabilidade de famílias.   

Segundo ele, devido a novas exigências de acesso ao BPC, como a comprovação de renda, a quantidade de beneficiários vem reduzindo, desde 2017.  

Ao mesmo tempo em que essas exigências acabam “impondo restrições exatamente para as pessoas mais vulneráveis e que possuem menor acesso à informação”, elas se tornam necessárias.  

“Também pode ser positivo, no sentido de melhorar a focalização da política e evitar ‘vazamentos’, permitindo que alguém não elegível receba o benefício”, pondera.  

Hoje, para solicitar o benefício assistencial, o requerente deve declarar ter renda bruta mensal percapita (por pessoa da família) de até 1/4 ou 25% do salário mínimo vigente. O que corresponde hoje a R$ 275,00. O BPC pode ser concedido por tempo indeterminado.

BPC: Mais de 98% dos beneficiários do CE vivem em áreas urbanas 

Dados mais recentes disponibilizados pelo INSS, referentes a dezembro de 2020, apontam que o Ceará reúne 281.784 concessões do BPC ativas no Estado, sendo 174.676 direcionadas a pessoas com deficiência e 107.108 a idosos. Dos mais de 281 mil BPCs concedidos no Estado, 278.241, ou 98,7%, são destinados a moradores das áreas urbanas.  

Dentre os beneficiários idosos, 97,62% vivem em áreas urbanas e 2,38% nas zonas rurais do Ceará. Já entre os beneficiários com deficiência, 99,43% vivem em áreas urbanas e apenas 0,56% nas zonas rurais. Em valores, são pagos em BPC no Estado R$ 183.314.385,00, sendo R$ 76.092.466,00 em Fortaleza.  

De acordo com a professora do curso de Serviço Social da Uece, Adinari Moreira de Sousa, o BPC praticamente não existe na área rural porque nessas regiões a população já recebe outro benefício. "Na área rural, existe outro benefício da Previdência Social, que é a Aposentadoria Rural para os trabalhadores rurais”.  

Adinari ressalta que o Benefício de Prestação Continuada também pode ser solicitado nessas regiões, desde que o beneficiário não seja trabalhador rural. “O BPC não pode acumular com outro tipo de pensão, com aposentadoria. Só no caso do idoso”, diz, exemplificando que um casal de idosos pode receber, cada um, o BPC.  

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