Apenas 4% dos docentes da rede estadual são licenciados em Artes

O número de professores de artes, 522, é menor que o de escolas públicas do Estado, 725. Outro ponto crítico é que a carga-horária dedicada a essa matéria corresponde a 50 minutos por semana

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br
Legenda: Algumas das obras produzidas pelos estudantes da escola DHC no projeto "Arte Sustentável"
Foto: Foto: JL Rosa

A sequência 'um, dois, três' pode ser rapidamente relacionada à matemática, mas também é usada para contar os passos de dança. Essa relação entre a Arte e outras disciplinas se reflete além dos muros de um colégio. Porém, trabalhar as nuances do ensino de artes nas escolas públicas do Ceará esbarra em alguns contratempos: a carga horária dedicada a essa matéria e a quantidade de professores licenciados aptos a ministrá-las.

A rede estadual de ensino conta, atualmente, com 522 professores (aproximadamente 4% de todos os docentes do Ceará) efetivos lotados em Artes - para 725 escolas (principalmente dedicadas ao Ensino Médio). De acordo com a Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), ainda há o apoio de professores substitutos, mas a quantidade exata destes profissionais não foi precisada. A discrepância entre o número de professores e de escolas tenta ser resolvida com a distribuição de um profissional que atua em várias instituições.

"Eles são contratados pela carga horária. Quando um professor entra como efetivo, ele trabalha 40 horas semanais. Desse total, um terço, que corresponde a 13 horas, é de 'hora-atividade' que é o que a gente chama de planejamento. As outras 27 horas, eles têm que estar em sala de aula", explica Iane Nobre, coordenadora de gestão pedagógica da Seduc. Atualmente, uma 'hora-aula' corresponde a 50 minutos.

"Na maior parte das escolas, é uma hora-aula de artes por turma. E às vezes nem tem em todas as séries, depende do mapa de cada escola. A escola pode oferecer em só uma, duas, ou nas três séries do Ensino Médio", complementa a coordenadora. Essa carga-horária permite que o professor de Artes trabalhe com várias instituições e turmas - mas essa variedade cria uma problemática pertinente: a falta de tempo hábil para um ensino produtivo de Artes.

"Você não consegue criar um vínculo com a turma. Imagine um professor que trabalha com 20 turmas ou 30 turmas por semana, cada uma com 30 alunos. É um total de 600 a 900 alunos que o professor tem contato em uma semana. Como você consegue, em um espaço de 50 minutos, criar um vínculo com uma quantidade tão grande de estudantes?", questiona Gerardo Viana, coordenador do curso de Música da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Problema estrutural

De acordo com o entendimento da Seduc, "o ensino de Artes propicia a formação estética e o desenvolvimento cultural, por meio das diversas linguagens: artes visuais, cênicas, música, dança e outros, contribuindo para a construção de conhecimentos, de expressão e comunicação".

No entanto, atualmente, a arte entra in voga em épocas de tragédia e/ou polêmica, seja com incêndios em museus, catedrais internacionais ou exposições onde confundem nudez com pedofilia.

Além desses momentos, a discussão sobre o patrimônio artístico do mundo fica em segundo plano, concorrendo com a preocupação em aprender o "bê-a-bá" e o "um mais um". "A arte acaba tendo um espaço muito pequeno porque as pessoas acham que não é muito importante, que não é útil, ou não enxergam essa questão da formação como uma possibilidade de a arte contribuir com outras disciplinas. Elas têm que entender que através da arte a pessoa pode desenvolver outras habilidades, como memória, capacidade de raciocínio, abstração, que são extremamente úteis em outras áreas", destaca Gerardo Viana, doutor em Educação Brasileira.

O especialista ainda comenta que outro problema é que as pessoas ainda ligam a educação a uma visão "muito utilitarista". "Pensa-se muito a educação como apenas uma maneira de conseguir uma formação profissional, um emprego. Não que isso não seja importante, pelo contrário, é muito importante. Mas a gente deve entender que a educação deve preparar as pessoas para viver em sociedade", complementa Gerardo Viana.

Legenda: Alunos se dedicam à prática artística com a reutilização de materiais descartados no lixo.
Foto: Foto: JL Rosa

A Seduc revela que "o programa pedagógico da disciplina de Artes é elaborado a partir de uma Proposta de Organização curricular para o Ensino Médio do Estado do Ceará, pautada nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM), e cada escola define o que vai estudar. A disciplina de Artes é obrigatória, mas não ficou determinada a carga horária".

Apesar das críticas ao atual cenário, Gerardo vê com otimismo alguns projetos que se pintam como resistência dentro de escolas públicas do estado. "Mesmo com as dificuldades, a gente tem encontrado nas escolas um material muito rico para se trabalhar com artes, e alunos muito interessados também".

Desenhando alternativa

Um dos projetos que se apresentam como caminho para um contato maior de alunos com as possibilidades artísticas é o "Arte Sustentável", construído na Escola de Ensino Fundamental e Médio Dom Hélder Câmara, popularmente chamada de 'DHC'.

O projeto tem como palco o laboratório de ciências da escola, e nasceu do reaproveitamento de sobras do material utilizado pelo laboratório de robótica (que trabalha com o reúso de recicláveis descartados pela comunidade).

"Eles (os alunos) observaram que mesmo depois da produção do material da robótica, ainda havia muita sobra, principalmente de papelão, de madeira, algumas peças grandes de carcaça de computador, impressoras", explica o diretor da escola, David Pereira.

"Alguns alunos começaram a pegar os materiais e trabalhá-los de forma artística. Pegaram chapas de metais e pintavam, escreviam, desenhavam; pegaram papelão e começaram a fazer quadros. Vendo esse potencial, eu comecei a investir na parte artística", conta o professor André Cardoso, à frente do laboratório de artes e de ciências.

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