Especialista tira dúvidas sobre Covid-19 e gravidez

Flávio Ibiapina, chefe de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital César Cals, esclarece os principais questionamentos sobre o tema

Objeto de estudo em diversas partes do mundo, a relação entre a Covid-19 e a gravidez ainda não está totalmente clara. Em artigo publicado em janeiro deste ano no American Journal of Obstetrics and Gynecology, pesquisadores apontaram indícios de que há maior taxa de hospitalização e de necessidade de ventilação mecânica em pacientes grávidas. 

Flávio Ibiapina, chefe de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital César Cals, comenta que a gestação por si só não é um fator que aumenta o risco de contágio da Covid-19. Outro aviso é que, com a presença da nova cepa do novo coronavírus (Sars-CoV-2), há uma probabilidade maior de eventos tromboembólicos, como embolia pulmonar e formação de microtrombos.

Confira outras dúvidas esclarecidas por Flávio Ibiapina.

  • Há alguma diferença de impacto em relação ao estágio da gravidez? 

Existe uma discussão teórica de se haveria um maior risco de abortamento ou de malformações fetais nas pacientes acometidas por Covid-19 no primeiro trimestre da gravidez, mas isso nunca foi comprovado. Então, de fato, esses riscos maiores estão mais relacionados a idades gestacionais mais avançadas.

  • Em relação a transmissão vertical, ela pode ocorrer? (Transmissão da Covid-19 para o bebê ainda no útero) 

Embora tenha poucos relatos de casos de bebês que, aparentemente, nasceram já com a infecção Covid-19, na maior parte das vezes o que se comprova é que essa se deu no período neonatal, ou seja, após o nascimento dos bebês, em contato com uma mãe que estava ou assintomática, ou com poucos sintomas, como a gente chama, oligossintomática, e que nos cuidado cotidianos com o bebê acabou realmente transmitindo mesmo nas primeiras horas de vida. Então, a transmissão vertical ainda não é um evento totalmente esclarecido e comprovado.

  • É verdade que a infecção pode ocasionar em partos prematuros? 

A infecção não estaria relacionada diretamente como causa de prematuridade. Mas como as pacientes, por exemplo, podem evoluir com insuficiência respiratória, com o agravamento do quadro clínico, muitas vezes se indica a interrupção prematura da gestação em função da piora do quadro clínico materno e essa piora do quadro levar a uma diminuição da oxigenação fetal, uma hipóxia fetal levando a sofrimento fetal agudo. Então, na verdade, a prematuridade é consequência de uma indicação médica, seja pelo agravamento do quadro clínico materno, seja por uma intercorrência de sofrimento fetal que possa ocorrer diante de um agravamento. Muitas vezes existe prematuridade associada a pré-eclâmpsia porque houve uma descompensação materna, houve um sofrimento fetal e há indicação de interrupção prematura da gestação se dá para o melhor controle da doença, tanto neste caso da pré-eclâmpsia como, eventualmente, no caso de uma paciente acometida pela infecção por Covid-19.

  • No Hospital César Cals, como é feita a segurança dos recém-nascidos e das gestantes contra a infecção pelo novo coronavírus? 

Todos os hospitais organizaram seus serviços de uma forma a separar aquelas pacientes que têm sintomas respiratórios, gestantes que chegam na maternidade com sintomas respiratórios independente de ter alguma causa obstétrica, ou seja, de estarem em trabalho de parto, de estarem perdendo líquido, de terem qualquer situação relacionada a gravidez. Então, a gente cria um fluxo respiratório, um fluxo não respiratório, ou seja, qualquer pessoa que chega na emergência do hospital, um profissional de enfermagem aplica um checklist com perguntas sobre aparecimento de febre, tosse, dispneia, falta de ar, perda de olfato e paladar, diarreia, sinais ou sintomas que estão relacionados a infecção por Covid-19. 

Se houver pontuação em qualquer um desses itens, ela já é desviada para um atendimento separado, consultórios isolados, com equipes também próprias para atendimento desses pacientes com algum tipo de sintomatologia respiratória. Caso ela esteja em trabalho de parto, ela é encaminhada realmente para uma sala para um pré-parto e parto, separados, específicos para pacientes suspeitas ou confirmadas, e também para uma enfermaria em que, caso não esteja em trabalho de parto, ela possa ficar também em isolamento. 

Então existem alas do hospital separadas para essas pacientes e, uma vez realizado o parto, seja vaginal ou cesariano, e aqui é importante dizer que nem toda paciente com infecção por Covid precisa fazer uma cesariana, ela pode evoluir idealmente para um parto vaginal. Depois disso, esses recém-nascidos também são colocados numa unidade neonatal, em separado, para que sejam isolados dos demais e feitos os exames e testes para comprovar se eles eventualmente têm ou não a infecção. 

  • Em relação a prevenção, quais sugestões dá a uma paciente gestante? 

A gestante deve redobrar os cuidados que a gente orienta para a população em geral. Redobrar porque existem duas vidas envolvidas aí e tem essa questão realmente de alguma possibilidade maior de necessitar de suporte ventilatório, de admissão em UTI e de prematuridade por conta das questões que nós já relatamos aqui de alguma complicação na gravidez. Então a gente redobra a orientação dessas gestantes para que elas realmente possam ter um maior distanciamento social. Se possível, nos seus domicílios ficar um pouco mais afastadas desse convívio familiar que seja de maior risco, o uso de máscaras quando em contato com outras pessoas e as questões de higiene pessoal, usar o álcool em gel. 

É muito importante que ela não deixe de ir às consultas de pré-natal. A gente observa que muitas gestantes ficam com receio de comparecer às consultas. Isso pode trazer algumas condições durante a gravidez que não são detectadas pelo pré-natalista. Então, ela pode estar desenvolvendo uma diabetes gestacional, pode estar desenvolvendo uma hipertensão durante a gestação, por exemplo, que pela falta do acompanhamento pré-natal são tão perigosos ou trazem tanto risco para a gravidez quanto a própria infecção pela Covid-19. Nós observamos na primeira onda que muitas gestantes que abandonaram seus pré-natais tiveram um índice maior de complicações obstétricas. Não pela Covid, mas por essas outras situações que coloquei. E onde houver condições que ele (pré-natal) possa ocorrer utilizando um pouco a virtualização, diminuindo as visitas presenciais, como, por exemplo, se a paciente vai voltar para uma consulta pré-natal apenas para apresentar exames, que isso pudesse ser feito de forma virtual, de forma que a frequência pudesse ser alternada entre virtual e presencial. 

  • E quanto aos recém-nascidos, há algum cuidado específico?

Quanto aos recém-nascidos não há contra indicação à amamentação com uma paciente que é Covid positiva. Não há evidência científica de que a Covid esteja biologicamente viável para provocar uma transmissão através da amamentação. Então não se desaconselha, ao contrário, aconselha-se a amamentação, mas com cuidados redobrados. A mãe sempre de máscara, sempre com muitos cuidados com relação a lavagem das mãos. E se houver a possibilidade de alguém que ajude nesse manuseio, principalmente na hora de dar o banho do bebê, trocar as fraldas etc, diminui a exposição desse bebê a uma mãe eventualmente contaminada ou infectada.