“Aceitei namorar sem nunca ter beijado”: como a pandemia afetou relações na era do distanciamento
Dia dos Namorados de 2021 marca mudanças entre casais que se formaram – ou se fortaleceram – num contexto em que a proximidade física oferece riscos
Primeiro 12 de junho juntos, primeiro morando sob o mesmo teto, primeiro vivido em cidades diferentes. Num tempo em que evitar os abraços e beijos se tornou real prova de amor, o Dia dos Namorados de 2021 é de novidade para muitos casais – que iniciaram ou tiveram a relação virada ao avesso pela pandemia.
Nesse tempo regado a distâncias, porém, ainda é possível colher encontros. É essa palavra, aliás, que a jornalista Evelyn Barreto, 26, elege para definir a relação que cultiva há dois meses com a arquiteta e urbanista Beatriz Fontenele, 30, desde que se conheceram pela internet em meio aos medos e incertezas atuais.
“Eu ficava conversando no aplicativo com pessoas de outros países sobre a pandemia, sobre como estava a vacinação. Era uma forma de conhecer gente sem precisar viajar. Aí encontrei a Bia”, relembra Evelyn.
Entre as trocas típicas sobre signos, gostos e rotina, porém, foi inserida, de forma inevitável, uma preocupação: “será que ela tá se cuidando?”
Para Beatriz, a realidade pandêmica impôs uma condição que, no fim das contas, aprofundou a conexão do casal. “Essa limitação de se ver permite que você desacelere um pouco as coisas, conheça muito mais a outra pessoa”, avalia a arquiteta. “E tenha conversas mais profundas”, emenda Evelyn.
O primeiro encontro presencial, então, aconteceu duas semanas depois do “match” virtual – um jantar em casa, livre de possíveis aglomerações, mas ainda assim atravessado pela preocupação com a Covid-19.
Teve o nervosismo do contato físico pela pandemia. É muito um tiro no escuro, a pessoa fala que tá se cuidando, mas você não sabe.
“A gente se abraçou, mas eu senti um certo receio. Foi um abraço bem mirrado, e pensei logo ‘pronto, se peguei Covid, peguei agora!’”, relembra Beatriz, hoje num tom mais leve, diferente da tensão anterior.
O respeito ao isolamento social e o regime de home office – além da conexão singular que as duas tiveram – fez o relacionamento evoluir rápido: o lazer se tornou frequentar a casa uma da outra. E o Dia das Namoradas, “milimetricamente planejado”, deve seguir o mesmo padrão: em casa, do café ao jantar romântico.
“Aceitei namorar sem ter beijado”
Para Catiane Ferreira, 23, a pandemia e os quase 70km entre os municípios de Amontada e Itarema, no interior do Ceará, foram condição para uma experiência inédita: começar a namorar sem sequer ter dado o primeiro beijo em João Batista, 30.
Conhecidos há anos e melhores amigos desde 2019, os cearenses perceberam o sentimento virar no início de 2020, justamente quando o coronavírus desembarcou no Estado e impôs mudanças infinitas na rotina e nas relações sociais.
Ano passado, ele me desejou feliz Dia dos Namorados, mas só na ‘brincadeira séria’. E eu caí. Um mês depois, dia 10 de julho, ele me pediu em namoro. Eu estava morando em Fortaleza, ele em Amontada. Aceitei sem nunca ter beijado.
A resposta tátil ao pedido só foi dada duas semanas depois, quando as viagens intermunicipais no Ceará foram liberadas e a jovem rompeu os meses de distância para encontrar João como namorado pela primeira vez.
Contudo, a mesma pandemia que impediu o contato físico do casal por meses gerou também o efeito contrário: diante da crise sanitária e econômica, Catiane perdeu o emprego, e hoje vive na cidade de João, “ensaiando” para a convivência pós-casamento.
“Espero que as coisas melhorem logo, pra nós conquistarmos nosso sonho de nossa casa feita e nossa família constituída. Se Deus nos permitir, a gente se casa em maio de 2022”, comemora.
“A pandemia foi um empurrão pra gente”
Os meses de distância em 2020 para proteção dos pais também mudaram os planos dos engenheiros civis Amanda Sampaio, 28, e Thibério Leitão, 30. Juntos desde abril de 2016, os dois tiveram o “contato zerado” com a chegada do coronavírus.
“Em geral, a gente se via uma vez na semana. Mas quando começou a pandemia, parou de se ver total, porque os pais dele estavam em isolamento rígido, e estão até hoje. Então, a gente não podia se encontrar, todo mundo ficou com muito medo”, relembra Amanda.
Foram dois meses de trocas de mensagens e conversas entre telas, até que, em maio, o casal decidiu antecipar os planos de morar junto.
A pandemia foi um dos principais fatores, porque vimos que ia demorar muito pra normalizar. A gente tinha que dar um jeito de ficar juntos.
E deram um jeito. Desde o segundo semestre do ano passado, Amanda e Thibério dividem não só o teto e a aversão por lavar louças, como a rotina de trabalho: os dois atuam na mesma empresa, no mesmo setor. No mesmo home office.
“Nos primeiros meses, foi mais complicado, cada um com as suas manias, eu querendo as coisas do meu jeito. Ele ficou meio emburrado, mas sempre fomos muito tranquilos. Nunca brigamos, somos muito compreensivos”, brinca Amanda.
É como se a principal lição aprendida pelos cearenses todos os dias, desde março de 2020, fosse uma em comum: o caos bagunçou agendas, planos, relações, levou pessoas queridas, amores, famílias. Mas mostrou que, por mais isolados, não estamos sós.
A pandemia foi um empurrão pra gente tomar coragem de ir viver juntos. Por enquanto, só vejo pontos positivos. Nós somos muito sintonizados, muito parceiros. E fortalecemos isso todo dia.