8,5% das pessoas em situação de rua cadastradas nos Centros POP foram vacinadas em Fortaleza

Entidades de apoio apontam que falta de documentação e dispersão territorial são impasses para maior cobertura

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
pessoas em situação de rua
Legenda: Quase 14 mil pessoas estão registradas nos Centros POP da Capital cearense.
Foto: José Leomar

Até 29 de junho, 1.183 pessoas em situação de rua foram vacinadas em Fortaleza, de acordo com Comitê Estadual de Políticas Públicas para a População em Situação de Rua (Cepop). O total equivale a 8,5% das 13.858 pessoas cadastradas nos dois Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centros POP) da Capital, segundo a mesma entidade.

O Centro POP do bairro Centro contava com 8.500 registrados até maio de 2021, segundo o Cepop. Já na unidade Benfica, 5.358 pessoas estavam cadastradas. Só naquele mês, foram realizados 9.291 atendimentos diversos nesses locais. Os mesmos usuários podem buscar auxílio nos dois Centros.

Conforme os dados, 1.165 pessoas foram vacinadas em ações itinerantes - a maioria na Praça do Ferreira (144) e em bairros como Parangaba/Serrinha (196) e Jangurussu (127) -, e apenas 18 receberam imunizantes em pontos de vacinação. Na base estadual, há 1.073 cadastros desse grupo prioritário, conforme a plataforma Saúde Digital.

A Secretaria Estadual da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) e a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) foram acionadas pelo Diário do Nordeste, na sexta-feira (2), para comentar sobre o andamento da campanha de vacinação do grupo prioritário, mas as pastas não deram um retorno até a publicação desta matéria.

Documentação é impasse

Conforme relata o coordenador do Cepop, Frei Nailson Neo da Silva, a maior dificuldade para alcançar a vacinação nessa parcela populacional é a exigência de documentos, como o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) exigido pelo Ministério da Saúde.

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“Só nos cadastros dos Centros POP - que são os equipamentos da Prefeitura que atendem a essas pessoas - nós temos mais de 8 mil, então muita gente ainda está de fora por não conseguir acessar o documento necessário pra se cadastrar e, assim, poder ter a vacina liberada”, explica.

Apesar de estarmos conseguindo articular a vacinação para as pessoas em situação de rua, outro percentual dessas pessoas, infelizmente, não consegue tirar o CPF porque não tem o título de eleitor e por aí vai.”
Frei Nailson Neo da Silva
Coordenador do CEPOP

Risco elevado

Além disso, Frei Nailson destaca que a população em situação de rua enfrenta outras dificuldades, como realizar o isolamento social de forma adequada e ter acesso à alimentação e às demais medidas de proteção contra o Sars-Cov-2.

No período de lockdown, quando todas as pessoas tiveram que se isolar em suas residências, a população em situação de rua ficou isolada do restante da sociedade. Há dificuldade de ter o mínimo de proteção, de acessar álcool em gel, o uso de máscaras.”
Frei Nailson Neo da Silva
Coordenador do CEPOP

Neste sentido, a vacinação tem englobado um fator de relevância maior para essas pessoas, que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social. “É a possibilidade de proteção da vida diante de um vírus que mata”, pontua o coordenador do Cepop.

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Caminhão do Cidadão

No fim do mês de maio, uma parceria da Secretaria Estadual da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos e da Secretaria Municipal da Saúde organizou o Caminhão do Cidadão, que realizou uma busca ativa para emitir documentação básica a pessoas em situação de rua em pontos estratégicos da Capital e vacinou a população já cadastrada no Saúde Digital.

De acordo com a coordenadora da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de Fortaleza, Fernanda de Sousa, houve, de fato, um esforço conjunto muito grande para a vacinação chegar à população em situação de rua. “E o melhor: considerando a especificidade desse grupo especial, tanto que a vacinação foi feita in loco”, diz.

Para o articulador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) no Ceará, Arlindo Ferreira, as ações ainda precisam atingir uma parcela maior do grupo.

“Eu acho louvável [o trabalho realizado até agora], levando o Caminhão, disponibilizando os equipamentos... Mas a gente sabe que para o enfrentamento real, tem que ter ações bem mais em campo mesmo”.

Precisa mais é o trabalho pessoal, agentes sociais, juntamente com agentes de saúde, buscando mesmo, ativamente, em campo, as pessoas e esclarecendo da necessidade da vacinação. Até por desconhecimento ou falta de informação, muitas vezes, elas não querem se vacinar”
Arlindo Ferreira
Articulador do MNPR no Ceará

Negacionismo

Nestas circunstâncias, o coordenador do Cepop, Frei Nailson Neo da Silva, esclarece que, “num mundo cheio de fake news e de tanta informação distorcida, nós encontramos também um número pequeno de pessoas em situação de rua que estavam resistentes à vacinação por uma série de boatos, que a gente vê que circulam aí a nível nacional”.

Fernanda de Sousa, da Pastoral do Povo da Rua, reitera que “como a população de rua está na cidade e escuta noticiários, escuta várias vozes e está presente em outros grupos, é possível que tenha escutado essas posições feitas por grupos dos negacionistas, inclusive contra a ciência”.

Dose única

As entidades da sociedade civil acreditam ainda que vacinas de dose única, como a Janssen, poderiam facilitar e reduzir a demora no processo, não só no caso da população de rua, como da população geral.

Segundo Arlindo Ferreira, do MNPR, “ter organizado uma grande campanha e ter vacinado toda a população de rua em um curto período de tempo” seria crucial.

Outro “vírus”

Conforme a gestora da Pastoral do Povo da Rua, Fernanda de Sousa, essa população também enfrenta outra questão muito delicada e com muito mais peso: “porque tem outro 'vírus' que é o da discriminação, colocado por um sistema que produz mais pobreza, mais desigualdade, mais violações de direitos e exclusão”.

Para o vírus da Covid-19, graças a Deus, a ciência conseguiu garantir uma vacinação - é proteção, é esperança -, mas esse vírus que é o vírus da desigualdade, do preconceito, da intolerância e da exclusão a gente parece que ainda não encontrou a vacina”
Fernanda de Sousa
Coordenadora da Pastoral do Povo da Rua

“Queiramos, oxalá, que nós possamos também um dia se vacinar contra esses vírus pra gente ter uma sociedade mais justa, uma cidade igualitária, com oportunidade para todos, onde a gente possa viver em paz”, conclui Fernanda.

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