65% dos cearenses têm 'muito medo' de ser infectados pelo novo coronavírus, aponta pesquisa
A análise do Instituto Opnus revelou ainda que 81% dos entrevistados se mostram "muito preocupados" com a pandemia. Em julho do ano passado, esse índice era de 45%.
Medo. Privação. Angustia. Estes são alguns dos sentimentos vivenciados por muitos brasileiros durante o período de pandemia. Esse misto de emoções tem uma razão de existir: o temor em se contaminar com o novo coronavírus.
Atualmente, 65% da população cearense afirma ter “muito medo” de ser infectada pela Covid-19. O dado integra a pesquisa “Opinião, rotina e impactos na vida dos cearenses durante a pandemia”, feita pelo Instituto Opnus e divulgada com exclusividade pelo Diário do Nordeste.
Maria Liduina Barbosa faz parte dessa fatia da população. A secretária e assistente jurídica de um escritório de advocacia e assessoria, em Fortaleza, conta que há um ano alterou rotina e reduziu o contato social, inclusive com a família. Ela não foi infectada pelo vírus, mas carrega consigo outras cicatrizes que a Covid-19 foi capaz de causar indiretamente.
Perder o irmão, ainda em março do ano passado, e não poder se despedir é uma marca na alma difícil de apagar, releva Liduina. “Ele não morreu por decorrência da Covid, mas estava no ápice da primeira onda e eu tive muito medo de ir ao sepultamento. Sou do grupo de risco e, por isso, não pude me despedir do meu irmão”, conta emocionada.
Essa preocupação carregada por ela há pouco mais de um ano é compartilhada pela maioria dos cearenses. A pesquisa Opnus revela que 81% dos entrevistados se mostram muito preocupados com a pandemia. Em julho de 2020, esse índice era de 45%.
O diretor do Instituto Opnus, Pedro Barbosa, explica que para entender esse aumento no número de pessoas que passaram a ter medo da contaminação, é preciso contextualizar os dois momentos em que as pesquisas foram feitas: julho de 2020 e março deste ano.
"Em julho, o pico já tinha passado. O pior momento havia sido na segunda quinzena de maio. Depois disso os índices começaram a cair vertiginosamente de junho em diante. Agora, é exatamente ao contrário. A pesquisa foi feita justamente no ápice da pandemia desta segunda onda", avalia Pedro.
Diante dos números de casos e óbitos deste ano, que já são superiores ao de 2020 em várias regiões do Brasil, Barbosa avalia que "o temor da população naturalmente agora é maior". A volúpia de casos, ainda segundo o diretor, justifica a percepção das pessoas quando ao atual cenário.
"As novas variantes que acabaram mudando o perfil epidemiológico dos infectados e generalizou a preocupação que antes talvez estava mais restrita aos públicos que tinham maior risco de se contaminar".
Distanciamento
O receio de se contaminar e a percepção de piora no cenário pandêmico fizeram Liduina se distanciar da família e de amigos. Ela, no entanto, não foi a única a adotar tal postura. Ao todo, 87% dos entrevistados disseram que deixaram de visitar amigos ou parentes no último ano.
“Me resguardei para não ser contaminada e para não contaminar aqueles que eu amo. Sinto muita falta de receber amigos em casa, de visitar meus familiares, mas o momento não permite”, reconhece Liduina. Essa falta, sobretudo de afeto, também é sentida pela enfermeira e coordenadora de imunização de Cariús, Adelania Sousa.
Há um ano não abraço minha mãe'.
Não abraçar a mãe, hoje com 76 anos, é uma escolha – em nome da saúde – que permanece vigente mesmo Adelania já tendo recebido as duas doses da vacina contra a Covid-19. “Eu lido com pacientes infectados diariamente. Tenho muito receio de levar o vírus na mão, nas roupas, enfim, levar o vírus de alguma forma e acabar contaminando quem eu mais amo”, acrescenta.
Com o avanço da vacinação, esse abraço, tão aguardado, está próximo de acontecer. Marina Sousa, mãe de Adelania, aguardar tomar a segunda dose. “Quando isso acontecer, vou esperar mais uns dias e então nos abraçaremos. Sinto muita falta desse momento”, finaliza ansiosa.
Seu desejo ecoa de forma quase uníssona entre os que se sentem afetados e distanciados nesta pandemia. O farmacêutico José Alves de Oliveira Sobrinho também revela o desejo de abraçar sua mãe.
Tenho ido lá com pouca frequência e sempre mantendo muita distância. A gente se ver na obrigação de cuidar dos nossos. E a melhor forma de cuidar, hoje, é se afastando'
Liduina Barbosa também já tem em mente o que quer fazer após receber a segunda dose do imunizante. “Quero ir à missa. Há 20 anos frequento a igreja todos os domingos. Nesse ano de pandemia tenho assistido as missas pela televisão, mas quero voltar a comungar. Depois disso, receberei meus sobrinhos e amigos em casa. Estar perto deles é muito importante para mim”.
A pesquisa do Instituto mostrou que 29% dos entrevistados afirmam que visitar família e amigos era o que mais gostavam de fazer antes da pandemia. 4% responderam que a atividade preferida antes da pandemia era ir à igreja ou templos.
Rotina
Apesar do medo, 45% dos cearenses afirmaram, na pesquisa, que saem de casa “para trabalhar” mantendo os cuidados redobrados. José Oliveira, Adelania e Liduina fazem parte deste grupo. No entanto, para o trio, manter as atividades requer uma série de cuidados.
“Essa doença é uma roleta-russa. Tem gente que pega e não sente nada, e outros mesmo sem comorbidade são infectados e morrem. Portanto, a única forma de evitar esse risco é se prevenindo. Uso sempre máscara e álcool em gel e tento manter o distanciamento quando possível. Receber amigos em casa foi algo que saiu da agenda”, detalha.
O uso da máscara facial, segundo a pesquisa Opnus, é feita por 98% dos cearenses. Deste total, apenas 13% disseram utilizar por ser obrigatório e 86% reconhecem a importância do equipamento. A secretária Maria Liduina não só utiliza como afirma ter um farto estoque. “Só de tecido são mais de 20, fora as descartáveis que sempre mantenho por perto para dar a alguém que não esteja usando”, conta.
O álcool em gel também tem espaço cativo na casa dela. Ganhou status de indispensável. “São três, sempre abastecidos e espelhados na sala, cozinha e quarto”, reforça Liduina. A pesquisa Opnus revela ainda que 99% dos cearenses higienizam as mãos sempre que possível.
Danos à mente
O isolamento social não forçou apenas mudança na rotina dos cearenses. O farmacêutico José Oliveira confidencia que um membro da sua família apresentou sinais de depressão durante a pandemia. "Ele se sente só e isso trouxe implicações", pontua.
Para a psicóloga e especialista em terapia cognitiva comportamental, Aryele Lima, este não é um caso isolado. Ela alerta que o último ano se desenhou de forma "dramática", com estresse e pressão prolongados.
A soma desses fatores afeta a parte psicológica e nos predispõem a transtornos mentais.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país da América Latina que apresenta maior prevalência de depressão. É também o mais ansioso do mundo. Na concepção da psicóloga, este panorama tende a se agravar visto que a solidão é reconhecida como um "gatilho de transtornos de humor".
Ela avalia que resiliência e o equilíbrio estão em xeque neste momento em que são frequentes as "experiências ameaçadoras à saúde". O isolamento, acrescenta Aryele, "muitas vezes nos deixa sem ter acesso a meios que nos auxiliem nesse processo de recuperação da saúde mental". Para contornar esses problemas, a especialista indica que estratégias podem ser adotadas.
A quebra da rotina, citada por Maria Liduina, é apontada pela psicóloga como um dos estressores que tem prejudicado a saúde mental. Ela explica que é necessário recriar uma rotina que possa ser executada no distanciamento social.
Além disso, Aryele destaca a importância do tempo ocioso ser preenchido com conteúdos produtivos, "seja a leitura de um livro, assistir um filme, se capacitar remotamente ou reunir-se virtualmente com amigos e familiares".