58,14% dos vereadores eleitos em Fortaleza se autodeclararam pretos e pardos

23 vereadores se declararam pardos e duas se declararam pretas

Escrito por Natali Carvalho , natali.carvalho@svm.com.br
Legenda: Câmara municipal terá maior número de autodeclarados pretos e pardos
Foto: Divulgação

Nos próximos quatro anos, a Câmara Municipal de Fortaleza terá mais da metade (25) dos vereadores autodeclarados pretos e pardos. As eleições municipais realizadas nesse domingo (15), elegeram 43 vereadores. Deste número, 41,86% (18) são brancos e 58,14% (25) se autodeclaram pretos (4,65%) e pardos (53,4%). Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nas últimas eleições municipais, em 2016, o número de vereadores autodeclarados pardos e pretos que foram eleitos eram de 53,49% (23). Sendo 22 (51,16%) pardos e um (2,33%) preto. Se comparado com este ano, a diferença é de 4,65% e dois candidatos. Segundo Izabel Accioly, cientista social e Mestra em Antropologia Social (UFSCar), esse número aumentou devido a um trabalho de base que vem sendo construído há muito tempo no Ceará, graças a uma organização racial que está sendo realizado nos movimentos sociais. Mas também ao apelo mundial à questão racial que surgiu após casos de racismo ganharem repercussão, como o do menino Miguel Otávio, que morreu aos cinco anos após cair do 9º andar.

Segundo a antropóloga, as pessoas estão mais despertas e atentas ao posicionamento uma das outras. “Devido à pandemia, as redes sociais ganharam ainda mais importância e se posicionar nas redes foi algo muito requisitado. O movimento negro foi responsável por tencionar a indignação com o sistema politico e social da forma que tratam pretos e pretas no Brasil, elaborando campanhas virtuais que alcançaram o público, o que pode ter refletido nas urnas”, conclui.

De acordo com o professor de Teoria Política na Universidade Estadual do Ceará (Uece), Emanuel Freitas, o aumento dos números da autodeclaração de candidatos também possuem motivações financeiras, que surgiram devido ao fundo eleitoral partidário de 2020, que apoiava candidaturas pretas e pardas. “Houve uma mudança na Justiça Eleitoral que assegurava mudança de recursos partidários. Muitos de olho nesse fundo eleitoral passaram a se declarar como pretos e pardos. É a primeira vez que esse fundo está sendo aplicado”. O fundo a que se refere Freitas foi aprovado em setembro pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.

No entanto, Freitas não descarta que o número de candidaturas também seja reflexo da “antiagenda negra nacional”. Segundo ele, no cenário federal está havendo uma desmontagem de políticas para a raça, assim os partidos reagem municipalmente àquilo que tem sido a estratégia nacional. “Essa oposição interfere nos setores progressistas e também nos movimentos conservadores. Com candidaturas que tentam se desvincular das políticas representativas. É até mais interessante para esses setores reacionários ter um negro deslegitimando uma agenda do movimento negro. É mais eficaz que um branco, numericamente e simbolicamente falando”, aponta.

Conforme ressalta Emanuel, embora haja um crescimento nas candidaturas, isso não significa um aumento nas pautas identitárias da política municipal. “A condição de negro não é aquela que levou o candidato à candidatura. Uma coisa é autodeclarar-se. Outra é mobilizar-se a partir da agenda ou daquilo que ficou estabelecido como agenda negra”, avalia Freitas.