239 gestantes e puérperas diagnosticadas com Covid-19 no Ceará

Mesmo sem evidências científicas de que há maior risco para grávidas do que para outras mulheres, futuras mães revelam apreensão quanto à contaminação; 17 delas morreram por causa da doença, segundo a Sesa

Escrito por Redação ,
Legenda: Estudo mostrou que maioria das grávidas que possuíam anticorpos para o coronavírus conseguiram transmitir anticorpos de mais longa duração, via placenta, para os filhos.

Preparar a chegada de um bebê durante a pandemia do coronavírus traz uma carga extra de preocupação para as mulheres gestantes, visto o medo da contaminação e de possíveis complicações para as mães e os filhos. Em todo o Ceará, 239 pacientes gestantes e puérperas foram confirmadas com Covid-19 durante a pandemia, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

Segundo o último boletim epidemiológico detalhado da Pasta, até 9 de junho, 9 mulheres gestantes e 8 puérperas morreram por Covid-19 no Ceará. Até maio, a Sesa incluía "gestantes e puérperas" na lista de comorbidades, mas o campo não está mais disponível na plataforma IntegraSUS. A Pasta não informou o porquê da mudança.

Na última terça-feira (9), 17 pacientes, suspeitas e confirmadas, entre gestantes e puérperas, estavam internadas em hospitais da rede estadual, incluindo Hospital Geral César Cals (HGCC) e Hospital Geral de Fortaleza (HGF), ambos na Capital; no Hospital Regional Norte (HRN), em Sobral; e no Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), em Quixeramobim.

As unidades são "referências em atendimento a gestantes", segundo a Pasta, que não detalhou quantas mulheres eram gestantes e quantas estavam no puerpério, período que abrange cerca de 45 dias após o nascimento. Conforme a última atualização da plataforma IntegraSUS, na tarde desta quinta (11), 66,3% dos leitos de enfermaria para gestantes estavam preenchidos. Por outro lado, não havia nenhuma grávida alocada em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs).

Foi numa dessas Unidades que Maryane da Rocha Santos, 31, deu à luz a José Bernardo no dia 8 de maio. O menino nasceu prematuro, aos seis meses, com a mãe sedada pelo agravamento de infecção por Covid-19. Dias antes, ela havia sido internada no Hospital César Cals, com dificuldade para respirar; 50% dos pulmões estavam comprometidos. "Meu filho tá na UTI, mas todo santo dia eu recebo notícias, fotinhas dele", contou a mãe Maryane.

Fisiologia

Sem diagnóstico da doença, a profissional de Educação Física Kalyne Carneiro, 29, gestante de 33 semanas do menino Ravi, conta que tem passado a quarentena totalmente isolada em casa. De saída mesmo, só para as consultas do pré-natal, que foram reduzidas. "Só agora, nos meses mais próximos ao parto, vou ficar indo direto. Quando vou, é de máscara, e assim que volto já tomo banho", lembra. Por querer parto natural, ela também busca estar em dias com a saúde porque sabe que "a grávida fica com imunidade baixa".

Ainda em abril, o Ministério da Saúde incluiu gestantes e puérperas no grupo de risco da Covid-19. A ginecologista e obstetra Liduína Rocha, presidente da Associação Cearense de Ginecologia e Obstetrícia (Socego) e coordenadora do programa Nascer no Ceará, explica que complicações e desfechos ruins têm risco aumentado especialmente no primeiro e terceiro trimestre da gravidez, bem como nas puérperas, "em função provavelmente das próprias mudanças fisiológicas".

"A recomendação é que aquelas que adoecem sejam encaminhadas a maternidades ou a hospitais gerais com maternidades, não para leitos da população geral. As unidades se organizaram para ter dois fluxos, um com a triagem para suspeita de síndrome gripal e outro para as assintomáticas", diferencia a médica obstetra.

Liduína lembra que, por algum tempo, se afirmou que a transmissão direta do coronavírus da mãe para bebê (conhecida como transmissão vertical) não era factível, "mas agora alguns estudos mostram essa possibilidade. Não parece ser muito comum, mas se pesquisa já com algum alerta", diz. Ela afirma que a maioria dos bebês infectados se contaminou depois do parto - no Ceará, foram 479 com menos de um ano de idade até 8 de junho -, por isso é preciso ter ainda mais cuidado no contato íntimo, com a mulher de máscara e mantendo a higiene das mamas e das mãos.

Preparação

Em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, a professora Eliane Forte, 36, também gestando Mateus há 33 semanas, vive o isolamento numa rotina de home office, exercícios físicos e momentos religiosos. O acompanhamento virtual de março deu lugar a algumas consultas presenciais. Nos dias de ultrassom, ela elogia a limpeza e organização do consultório - tudo para impedir a contaminação.

A Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), unidade do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirmou que atende "a todas as gestantes, adotando as devidas condutas de biossegurança para os profissionais de saúde e para as pacientes". Também disse que já registrou partos de mulheres com confirmação ou suspeita de covid-19, mas não informou quantos.

As gestantes internadas na unidade com sintomas de síndrome gripal são isoladas em enfermaria separada das demais, com cuidados dos profissionais e das demais usuárias. Às equipes de atendimento, a Maternidade "fornece todos os EPIs (equipamentos de proteção individual) necessários", além de capacitações específicas para procedimentos na pandemia.

Divulgada em maio, uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) que teve participação de 1.041 mulheres gestantes residentes em Fortaleza mostrou que cerca de 43% delas demonstram medo, ansiedade e transtornos do comportamento durante o distanciamento. O índice é considerado alto quando comparado a outros períodos.

Para a doula Yasmin Farias, o impacto da Covid-19 nas gestantes também abrange demandas emocionais. Com as rodas de conversa e atendimentos presenciais substituídos por teleconsultas, ela percebe maior sobrecarga e ansiedade das mulheres. "Isso pode influenciar diretamente no parto da mulher porque, naquele momento, muita coisa depende do quanto ela se sente acolhida e protegida e libere ocitocina (hormônio produzido pelo organismo) para gerar as contrações", diz.

A médica Liduína Rocha explica que o parto normal ou cesáreo vai depender da condição clínica da mãe. Naquelas internadas com síndrome respiratória aguda grave, "a maioria vai precisar de conduta obstétrica mais rápida e viver a experiência da cesárea". Ela destaca que o acompanhante da gestante, garantido por lei, seja nas consultas de pré-natal ou no dia do parto, deve estar assintomático e não ser do grupo de risco.

Relaxamento

"A recomendação é manter o pré-natal racional com pelo menos seis consultas presenciais. A ideia de fazer ultrassom todo mês, para trazer mais conforto, precisa ser revista porque cada saída é um risco de infecção, e ela pode complicar a gravidez", afirma Liduína Rocha.

"Nós temos estudado como acolhê-las da melhor forma, mas sabemos diferenciar o que é o acolhimento emocional de quadros psicológicos agravados. Sempre falo que é muito importante ela fazer o que estiver ao alcance. O resto é confiar e não deixar de viver, principalmente nesse momento, porque gerar uma nova vida é uma esperança", ressalta a doula Yasmin Farias.

Diante de um cenário com tantas incertezas, a professora Eliane Forte prefere focar na gravidez, nas peças do enxoval - montado praticamente todo online - e nas mudanças reais que a pandemia pode trazer. "Quero que o Mateus encontre um mundo mais humano, melhorado, com humildade, solidariedade e fé", pensa, à espera do filho.

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