PF investiga lavagem de dinheiro de líderes do PCC mortos no Ceará

Caso foi federalizado, por suspeita de compra de bens com recursos oriundos do tráfico internacional de drogas. Um dos imóveis alvos da investigação foi liberado pela Justiça Federal para ser utilizado por um suposto 'laranja'

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Legenda: Imóvel luxuoso que seria dos líderes do PCC fica na Lagoa do Uruaú, em Beberibe. Mansão está sendo utilizada por Francisco Cavalcante

Imóveis em localizações privilegiadas e veículos luxuosos, que valem juntos cerca de R$ 8,5 milhões - tudo em nome de outras pessoas e às escondidas das autoridades. A vida de alto padrão que os líderes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), Rogério Jeremias de Simone, o 'Gegê do Mangue', e Fabiano Alves de Souza, o 'Paca', levaram por meses no Ceará, até serem assassinados, passou a ser investigada pela Polícia Federal (PF).

A Polícia Civil do Ceará confirmou a transferência da investigação para a Polícia Federal. A reportagem apurou que a federalização do caso se deu em decorrência de indícios de que a dupla cometia lavagem de dinheiro no Estado, a partir de recursos provenientes do tráfico internacional de drogas. Questionada, a PF respondeu que "não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento".

Um dos imóveis luxuosos que pertenciam aos líderes do PCC, segundo as investigações, está localizado em um condomínio na Lagoa do Uruaú, em Beberibe (a cerca de 85 km de distância de Fortaleza), e voltou a ser utilizado por Francisco Cavalcante Cidrão Filho, suspeito de ser um 'laranja' de 'Gegê' e 'Paca' e investigado por participação na morte da dupla - o que foi descartado.

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Francisco Cavalcante foi autorizado pela 32ª Vara da Justiça Federal no Ceará, no dia 15 de outubro do ano passado, a atuar como fiel depositário do imóvel, que fica ao lado da Lagoa do Uruaú e conta com campo de futebol, piscina, banheira de hidromassagem e vários quartos. "Alegamos o motivo da depreciação do imóvel, do abandono, o que diminui o valor do imóvel. E ele (Francisco) continuava pagando as contas de energia, impostos, caseiro. Isso motivou que o Ministério Público Federal (MPF) fosse favorável, e o juiz também foi favorável", afirmou o advogado Kaio Castro.

O magistrado concordou que "evitar a deterioração do imóvel interessa tanto ao próprio requerente, em caso de absolvição, quanto à União, em caso de condenação". "Quanto à escolha do fiel depositário, tenho por evidente que a nomeação do próprio requerente é a medida mais efetiva e menos dispendiosa, o que se justifica também porque não há qualquer motivo que indique que sua nomeação não seria adequada", justifica, na decisão.

Duas fontes confirmaram ao Sistema Verdes Mares que a propriedade na Lagoa do Uruaú foi alugada para o Réveillon 2020 pelo valor de R$ 6 mil e também seria para o Carnaval deste ano. Indagado sobre a locação, Kaio Castro disse que o cliente nega o aluguel na primeira festa, mas recebeu proposta para a segunda.

Outros imóveis

Três imóveis, que também teriam sido adquiridos por 'Gegê do Mangue' e 'Paca', foram colocados no nome de 'laranjas'. Dois deles estão em nome de José Cavalcante Cidrão, (irmão de Francisco Cavalcante): uma casa duplex no Alphaville Fortaleza; e um apartamento luxuoso, no bairro Dionísio Torres. O terceiro, uma casa no Alphaville Eusébio, está registrado no nome de uma amiga de José Cidrão.

O pagamento dos dois primeiros bens são reclamados na Justiça Estadual. A Associação Alphaville Fortaleza Residencial entrou com uma ação de cobrança na área cível contra José Cidrão, no dia 26 de setembro de 2018, pela falta do pagamento de R$ 8.379,07. "Muito embora os (as) demandados (as) tenham sido instado ao pagamento por diversas vezes da forma mais amigável possível, através de inúmeras cartas, telefonemas, inclusive na forma de notificação extrajudicial, este se nega a efetuá-lo, a prejuízo dos direitos e interesses dos demais associados", argumenta o advogado, no pedido.

Já o proprietário do apartamento localizado no Dionísio Torres solicitou a tutela provisória de urgência de natureza cautelar do imóvel, no dia 31 de agosto de 2018, o que foi indeferido pela Justiça. Segundo ele, José Cidrão deve R$ 260 mil, referentes às duas últimas prestações do contrato.

O advogado Kaio Castro, que também representa José Cidrão, revela que "esses imóveis estão sequestrados, à disposição da Justiça Federal". "O (José) Cidrão atuou como intermediador dessa venda. Foi pedido para se utilizar o nome dele nos contratos, mas que, logo após a conclusão dos contratos, iam colocar no nome dos compradores, as vítimas ('Gegê' e 'Paca')".

Segundo o advogado, os clientes não tinham conhecimento que aqueles dois homens eram líderes do PCC. "Eles não se conheciam há muito tempo. Eles ('Gegê' e 'Paca') não tinham amigos aqui. O (José) Cidrão, em um primeiro momento, foi um corretor, que viu a oportunidade de ganhar um dinheiro nas negociações de imóveis. A partir disso, eles tiveram um nível mínimo de amizade e isso fez com que o Cidrão confiasse a ponto de entregar o nome dele em dois contratos de imóveis", alega.

A morte dos membros da facção criminosa paulista resultou na falta de pagamento dos dois imóveis, de acordo com a versão da defesa dos 'irmãos Cidrão'. "Ele (José) não possui nenhum tipo de interesse nesses imóveis. Ele apenas emprestou o nome temporariamente, durante o vigor do contrato. A gente não foi notificado de nenhuma ação cível e, se ocorrer, estamos aqui para negociar uma conciliação, para resolver da forma mais pacífica", garante Kaio Castro.

Ao procurar pelos 'irmãos Cidrão', em endereços informados à Justiça, nos bairros Itaperi e Mondubim, na periferia da Capital, a reportagem foi expulsa do local e ameaçada por familiares de Francisco e José Cidrão. Os dois homens não foram localizados.

Crimes

Francisco Cavalcante e José Cidrão foram investigados pela Polícia Civil e alvos de mandados de prisão temporária, por suspeita de participação no assassinato de Rogério Jeremias e Fabiano Alves, em uma reserva indígena, em Aquiraz, no dia 15 de fevereiro de 2018. Entretanto, o aprofundamento da apuração descartou a atuação dos irmãos no crime. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) confirmou que os processos já foram arquivados.

Mas a investigação da Polícia Federal apura a participação dos irmãos Cidrão no crime de lavagem de dinheiro, já que eles cederam os nomes para os bens adquiridos por 'Gegê do Mangue' e 'Paca'. "Até hoje, eles sequer foram intimados a prestar um depoimento sobre esses fatos. Estamos aqui esperando, para esclarecer da melhor forma possível", pontua o advogado Kaio Castro.

Questionada, a Justiça Federal no Ceará informou que "os inquéritos policias ainda não foram concluídos e, portanto, até o momento inexistem ações penais distribuídas em nome das pessoas citadas (Francisco Cavalcante e José Cidrão)".

As esposas dos dois homens, Samara Pinheiro de Carvalho Cavalcante e Magda Enoé de Freitas, também foram investigadas por participação nos homicídios e alvos de mandados de prisão domiciliar. Os processos também terminaram arquivados, segundo o TJCE. "O delegado pensava que elas estavam querendo esconder informações. Mas isso por si só não é suficiente para pedir isso. Tanto é que também não foram denunciadas, nem sequer indiciadas", defende Castro.

Veículos

A Justiça Estadual também autorizou a apreensão de veículos valiosos, durante a investigação da Polícia Civil sobre os assassinatos dos líderes do PCC 'Gegê do Mangue' e 'Paca' e da lavagem de dinheiro. Após o processo passar para a competência da Justiça Federal, um automóvel Toyota Corolla foi devolvido a Francisco Cavalcante, por decisão da 32ª Vara, proferida no dia 21 de maio de 2019. O requerente alegou que era proprietário do veículo desde o ano 2017, antes de conhecer 'Gegê' e 'Paca'.

Já quatro carros luxuosos - sendo duas Land Rover Range Rover e duas BMW X6 M - que estavam no nome de outros "laranjas" e eram usados pelos líderes do PCC, estão em processo de alienação antecipada, segundo a Justiça Federal, que determinou a transferência dos veículos apreendidos pela Polícia Civil para a custódia da Polícia Federal, no dia 22 de abril do ano passado.

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