ParlaNordeste ganha fôlego em 2019, mas carece de efetividade

O colegiado que reúne os presidentes das assembleias legislativas dos nove estados do Nordeste encabeçou debates de interesses para a região, mas os efeitos práticos ainda não se tornaram tão visíveis

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Legenda: Encontro do ParlaNordeste em junho deste ano
Foto: Foto: Divulgação

Lideranças políticas do Nordeste estão unidas em diferentes frentes e poderes para demarcar espaço diante do Governo Federal, que faz oposição à maioria delas. Embora tenham conquistado notoriedade em 2019 com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, as mobilizações não são novas.

O grupo mais conhecido é o Consórcio Nordeste, formado pelos governadores da Região, mas o Legislativo também se movimenta. Presidentes das assembleias dos nove estados intensificaram encontros do "ParlaNordeste" para articular projetos de interesse da região. Entretanto, os resultados desse movimento parlamentar ainda são pouco visíveis.

O grupo foi criado em 2000, liderado pelo ex-deputado cearense Wellington Landim, mas só em 2007 o movimento foi retomado, sob a liderança do ex-presidente da Assembleia, Domingos Filho. A ideia, segundo ele, era dialogar com os outros poderes e definir uma agenda coletiva de interesse do Nordeste.

"É mais um espaço institucional, de representação popular, naturalmente, para reivindicar com legitimidade. Você define prioridades que serão acompanhadas junto aos órgãos e poderes. Como é que o Parlamento nordestino poderá se relacionar com a bancada no Congresso, para ajudar no fortalecimento da região", explica Domingos.

Questionado sobre as conquistas da época, Domingos cita programas federais como "Luz para Todos" e "Água para Todos". Ambas foram questões debatidas pelo grupo.

Houve avanços, segundo ele, na interação entre as assembleias e o Congresso Nacional. Um dos exemplos foi a integração das emissoras de TV e rádios do Legislativo.

Encontro

Após novo mergulho, o grupo voltou a ganhar força em 2017 com a realização da primeira edição do Encontro de Presidentes das Assembleias Legislativas do Nordeste, no Ceará, liderado pelo deputado Themístocles Filho (MDB) do Piauí. A articulação política de projetos de lei e Propostas de Emenda à Constituição (PEC) de interesse da Região dominaram aquele momento.

No ano passado, aconteceram, pelo menos, duas reuniões, uma delas, novamente, no Estado, por ocasião do Seminário Internacional sobre Segurança, realizado pela Assembleia do Ceará. A pauta foi Segurança Pública e crise econômica.

O então presidente do Legislativo estadual, Zezinho Albuquerque (PDT), que foi vice-presidente do Parlamento Nordestino, destaca a atuação do grupo em relação aos pleitos dos municípios.

"Quando se tem dinheiro, as coisas são bem fáceis, mas estamos vendo uma luta dos prefeitos. Essa turma tem sofrido e isso se tornou uma pressão no Legislativo. Tivemos reuniões com deputados federais e senadores, cada um usando da maneira que tinha", conta.

O parlamentar reconhece que as pautas não têm "velocidade muito grande" para serem destravadas, mas acredita que o movimento vem "andando paulatinamente". "Há um intercâmbio importante entre deputados. Tenho certeza de que não tem Poder mais forte que o Parlamento",diz.

Chegando a 2019, os encontros se intensificaram. O "ParlaNordeste" realizou três reuniões. Em todas, os representantes debateram a reforma da Previdência, aprovada pelo Congresso, além do novo Pacto Federativo, deveres entre União, estados e municípios e o fortalecimento de órgãos e instituições da região.

Entre os assuntos mais debatidos estão o Dnocs e a manutenção do Banco do Nordeste (BNB) - cuja privatização e fusão foram especulados. Entretanto, até agora não se sabe ainda qual o futuro da instituição financeira.

O atual presidente da Assembleia Legislativa cearense, José Sarto (PDT), foi eleito secretário-geral do ParlaNordeste, e o deputado Othelino Neto (PCdoB), do Maranhão, o presidente. A reportagem tentou contato com o presidente da Assembleia cearense, mas os pedidos de entrevista não foram atendidos.

Executivo

O grupo formado pelos chefes dos executivos estaduais, incluindo Camilo Santana, tem como objetivo de união a priorização de várias pautas. Um dos efeitos práticos é a compra coletiva de insumos entre os estados, por exemplo, mas tem servido, principalmente, para dar peso político aos governantes.

Em novembro último, inclusive, os chefes do Executivo estaduais colocaram em prática o bloco, quando fizeram a primeira viagem internacional, percorrendo França, Itália e Alemanha, em busca de investimentos para ajudar a desenvolver a região.

Em outra via de atuação, a pressão feita pelos governadores, inclusive em Brasília, surtiu efeito no Congresso Nacional na hora de destravar demandas importantes para o Nordeste.

Como os governadores detêm mais prerrogativas e ainda a força "da caneta", para executar os orçamentos, a efetividade das ações e da mobilização pensada em conjunto acaba tendo mais efeito. Talvez, por isso, a diferença entre os poderes.

"Espaço de debates", diz especialista

A cientista política Paula Vieira, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepen), da Universidade Federal do Ceará (UFC), considera que o ParlaNordeste acaba sendo mesmo um espaço mais para planejamento de ações regionais e discussão da conjuntura regional e nacional.

"O que a gente vai ver de efeito, positivo ou negativo, ou como o Governo vai se posicionar diante das discussões, será no próximo ano. E até como vai ser a implementação dessas políticas... Quando a gente fala do BNB, por exemplo, fala do desenvolvimento econômico regional, que tem particularidades", reitera.

Ao criarem grupos de discussão como estes, os líderes políticos buscam marcar posição, além de gerar uma integração entre organismos regionais, o que pode vir a elevar a força política dos grupos, embora os resultados práticos não aconteçam de maneira tão efetiva.

Líderes

A pesquisadora Paula Vieira argumenta ainda que o grupo de debates pode ser visto como uma espécie de "colégio de líderes".

"É uma forma de centralizar as decisões dessas lideranças, para levar para as assembleias. É um mecanismo de institucionalização das lideranças", classifica a especialista.

A reunião acaba tendo um caráter institucional porque entre si, as assembleias são independentes, mas defendem, muitas vezes, pautas semelhantes, cuja mobilização é fundamental como pressão política para os demais poderes.