Plano de Manejo de APA não sai do papel
Nativos alertam que a falta de ações previstas na Lei põe em risco áreas de desova de tartarugas marinhas
A pescadora Maria da Penha de Sousa nasceu e vive até hoje, aos 54 anos de idade, na Sabiaguaba. Ela é descendente dos primeiros nativos da área e se orgulha de pertencer, tirar seu sustento e defender a cultura local. Durante esse tempo, da Paz, conhecida como "mulher polvo", pela facilidade com que consegue pescar até com as mãos, viu duas unidades de conservação, o Parque das Dunas e a Área de Proteção Ambiental (APA) serem criadas, em fevereiro de 2006, com o objetivo exatamente de salvaguardar o espaço, objeto de especulação imobiliária e degradação de seu ecossistema. Em 2010 foi aprovado o Plano de Manejo para as duas unidades, no entanto, a comunidade composta por 30 famílias, ainda espera o documento sair do papel e ser efetivado. O documento estabelece as normas, restrições para o uso, ações a serem desenvolvidas e manejo dos recursos naturais da unidade, seu entorno e, quando for o caso, os corredores ecológicos a ela associados
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Segundo os moradores, nas duas unidades não existem placas ou qualquer sinalização e nem fiscalização. Um dos espaços mais prejudicados é o compõe o Parque das Dunas, com variedade de ecossistemas, incluindo dunas fixas e móveis, faixa de praia, lagoas costeiras e tabuleiros pré-litorâneos. Ali, ocorre a desova de tartarugas marinhas, inclusive de uma das espécies, a Eretmochelys imbricata ou tartaruga-de-pente, na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) com o status de 'criticamente em extinção'.
O Plano de Manejo estabelece a proibição de tráfego de veículos, principalmente, na área de praia, com a inibição do fluxo de veículos automotores; programas de conscientização ambiental e turismo sustentável para barraqueiros e turistas; e proibição de construções urbanas na orla. "Os veículos passam na areia aonde estão os ninhos. Muitas morrem antes de sair da casca", alerta um dos integrantes do Instituto Verde Luz, que atua em parceria com o Projeto Tamar, Gabriel Chagas, acrescentando que entre os principais recursos hídricos da área da Sabiaguaba, estão os estuários dos rios Cocó e Pacoti, as lagoas da Precabura, Sapiranga e Gereberaba, e uma infinidade de pequenas lagoas.
Rio Cocó nas proximidades do mar, onde desemboca suas águas. Ali, marca o início da comunidade da Boca da Barra, local onde a maioria dos nativos mora e sobrevive da pesca artesanal desde os primórdios do Século XX
Além disso, aponta a comunidade, como uma das integrantes do Conselho Gestor da Sabiaguaba e do Instituto Verde Luz, Viviane Pinheiro, construções irregulares estão causando impactos ambientais talvez irreversíveis. Por outro lado, as famílias nativas são reconhecidas pelo Plano de Manejo como população tradicional, protegidas por Decreto Federal e que estão há mais de 100 anos no território de Sabiaguaba e não devem sair.
Na avaliação de Maria da Paz, o plano prevê a recuperação das áreas de vegetação de mangue e despoluição de águas e solos, o que não ocorre. "Pelo contrário, a gente pegava mariscos, pixoletas, caranguejo, ostras e hoje, quase não conseguimos muita coisa. A situação é muito diferente da época de minha mãe. É sinal de degradação e o nativo se preocupa, enquanto quem vem de fora não quer saber, só explorar", lamenta.
Dunas e paisagem de restinga caracterizam a maior parte do território do Parque das Dunas e Área de Preservação Ambiental (APA) da Sabiaguaba, protegidas por Lei municipal e que sofrem com especulação imobiliária
Outra luta da comunidade é com a regulamentação do Parque do Cocó, que inclui a foz do Rio Cocó, dentro da área de preservação da Sabiaguaba. Sobre o assunto, o assessor especial da Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Sema), Leonardo Borralho, garante que, conforme acordo firmado com os moradores, quem for nativo não será retirado do espaço. "Eles terão que comprovar a natividade. Nossa ideia é transformá-los em ecoguardiões do Parque do Cocó, gente comprometida com a preservação ambiental, com a cultural e irá nos ajudar na fiscalização", informa.
Borralho explica que o questionamento sobre o Parque começou em razão de pequena parte da Apa da Sabiaguaba se confundir com o projeto do Parque, exatamente a que abrange a foz do rio Cocó, quando desemboca no mar. "Todo parque é de domínio público e esse não pode ser diferente, por isso, a saída mais plausível foi o acordo com fizemos com a comunidade. Agora, é só esperar a assinatura do decreto pelo governador Camilo Santana", aposta.
Opinião do Especialista
Unidades são fundamentais
Coordenei o Plano de Manejo do Parque e da APA das Dunas de Sabiaguaba. Um trabalho realizado por uma equipe de 18 pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento científico. Realizamos mais de três dezenas de oficinas e audiências públicas para definir um plano com forte manifestação das comunidades e das entidades, ONGs relacionadas diretamente com as áreas das Unidades de Conservação. Por isso, trata-se de um instrumento que orienta as decisões, proposições de projetos e formas de usos e monitoramento das referidas unidades. Um plano de manejo com elevada e fundamental abordagem interdisciplinar, envolvendo a cadeia, a comunidade e as entidades representativas da sociedade civil.
Do ponto de vista da construção de equipamentos - cercamento do parque; construção da sede do Parque para aglutinar e disseminar informações e as atividades de educação ambiental, pesquisa científica e ecoturismo (únicas ações possíveis, segundo o SNUC); placas informativas e orientadoras da importância e da diversidade socioambiental; monitoramento; campanhas de educação ambiental; construções com práticas permaculturais (único parque no Brasil com zoneamento permacultural) - não foram priorizadas (mesmo estando projetadas e caracterizadas como fundamentais para a gestão das UCs) e, dessa forma, gerando problemas sérios na continuidade das qualidades ambientais e nas importantíssimas funções ecologias das dunas, manguezais, fauna, flora, reservas estratégicas de água doce do freático que sustenta para a cidade, captura de dióxido de carbono, dissipadoras das ilhas de calor e amenizar o clima urbano, sítios arqueológicos, entre outras. Ressalto que a APA comporta-se como a zona de amortecimento (exigência do SNUC) e deve ser tratada de modo especial de modo a minimizar possíveis impactos que possam interferir na qualidade ambiental do Parque.
Portanto, é necessário uma ampla campanha para que a sociedade conheça o plano de manejo, uma vez que é esse o instrumento orientador das ações, programas, projetos e usos adequados para essas fundamentais UCs e, dessa forma, assegurar e potencializar a qualidade de vida dos fortalezenses e para a biodiversidade.
Jeovah Meireles
Geógrafo e professora da UFCE