Governo Federal congela ampliação de núcleos de saúde da família
Uma nota técnica publicada este mês impede, por tempo indeterminado, que municípios credenciem novas equipes dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (Nasfs) cujo trabalho auxilia os profissionais nos postos de saúde
A estrutura da política de atenção primária do Ceará e dos demais estados brasileiros pode ser alterada pelos gestores municipais após a publicação da Nota Técnica nº3/2020, neste mês, pelo Ministério da Saúde (MS). O documento autoriza mudanças no processo de atuação dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasfs-AB), que não terão mais investimento federal específico e não podem mais ser ampliados pela prefeituras, até a publicação de nova nota ou instrumento normativo.
No dia a dia, os profissionais do Nasfs dão auxílio às equipes de Saúde da Família (eSF) cujos atendimentos ocorrem, por exemplo, nos postos de saúde. Atualmente, os Nasfs são compostos por assistente social, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional e arte educador. Já as equipes de Saúde da Família são mais básicas, constituídas por médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde, podendo ser complementadas ainda por dentista e técnico em higiene dental. Com o trabalho complementar dos Nasfs o atendimento à população é mais completo e adequado às necessidades dos pacientes acompanhados.
A nota do Ministério da Saúde revogou outros instrumentos normativos, dentre eles os que definem os parâmetros e o custeio dos Nasfs. Antes, os núcleos recebiam repasse específico e deveriam seguir a estrutura ditada pelo Governo Federal. Agora, quem define quantos e quais profissionais os núcleos terão é o gestor de cada secretaria municipal de saúde - que pode, inclusive, optar por redirecionar o recurso financeiro para outra política de atenção primária que não o Nasf.
"A composição de equipes multiprofissionais deixa de estar vinculada às tipologias de equipes Nasf-AB. Com essa desvinculação, o gestor passa a ter autonomia para compor suas equipes, definindo os profissionais, a carga horária e os arranjos", pontua o Ministério da Saúde, garantindo que, em 2020, "não haverá prejuízo nos valores transferidos para os municípios quando comparados a 2019".
Sem ampliação
Outro ponto da nota técnica chama atenção por confirmar um congelamento da quantidade de Núcleos Ampliados de Saúde da Família. Dessa forma, as prefeituras não podem aumentar o número de Nasfs. "A revogação das referidas normativas também impactam no credenciamento de novas equipes Nasf-AB - a partir de janeiro de 2020, o Ministério da Saúde não realizará mais o credenciamento de Nasf-AB, e as solicitações enviadas até o momento serão arquivadas", diz a nota técnica.
Segundo Erlemus Soares, gerente da Célula de Atenção Primária da Secretaria de Saúde de Fortaleza, se quiser ou necessitar ampliar o número de núcleos, o Município tem de "reorganizar" os recursos financeiros - ou, em suma, tirar de um fim para colocar em outro. "O Ministério dificultou o processo de ampliação, porque se o gestor quiser ampliar, tem de fazer isso contando com custeios de dentro do bloco da Atenção Primária. Não temos como pedir ao Governo Federal a ampliação de equipes", explica.
As novas regras, porém, são avaliadas positivamente pelo gerente. Erlemus espera, inclusive, que o montante de repasses do Ministério da Saúde a Fortaleza aumente, já que a distribuição levará em conta fatores como o desempenho das equipes, como determina o Programa Previne Brasil. "Para definir o custeio per capita da Atenção Primária, o MS avalia a quantidade de cidadãos cadastrados no SUS, a participação deles em programas sociais e os indicadores de desempenho das equipes. Assim, Fortaleza tende a receber mais", projeta.
Impactos
Outro ponto positivo, segundo ele, é a flexibilidade na montagem das equipes médicas e multiprofissionais. "Poderia haver um território em que eu precisava colocar mais um terapeuta ocupacional, por exemplo, tirando de outra unidade com menor demanda. Eu não podia fazer isso, porque seria descredenciada pelo Ministério. Agora, podemos ter equipes mais focadas nos quatro eixos que pretendemos desenvolver, que são Núcleo de Desenvolvimento Infantil, Gestação de Alto Risco, Hipertensão e Diabetes e Saúde Mental", detalha.
Apesar de todas essas mudanças possibilitadas pelo Governo Federal, Erlemus garante que "em Fortaleza, tudo continua como está: a secretária municipal de Saúde, Joana Maciel, decidiu manter o investimento, a quantidade e a estrutura dos núcleos".
A Capital conta, hoje, com 170 profissionais nos Nasf, distribuídos em 26 equipes. Cada uma delas "toma conta" de até nove equipes de saúde da família, de modo que, segundo estima o gerente, cerca de 807 mil fortalezenses são cobertos e beneficiados pelo trabalho dos núcleos ampliados.
As modificações também são vistas com otimismo por Sayonara Cidade, presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems). Segundo ela, "o Ministério não acabou com o Nasf" e a mudança imposta pelo Governo Federal era uma "solicitação antiga" dos gestores locais. "Sempre pedimos melhor financiamento para a atenção básica, e que os gestores tivessem mais autonomia para organizar suas equipes. No Nasf, não tínhamos nenhuma liberdade. Éramos amarrados em uma portaria sobre quais profissionais deveriam trabalhar", pontua.
A presidente frisou, ainda, que a nota técnica não deve desestimular os gestores municipais a comporem equipes multiprofissionais, já que, parece receberem mais recursos, precisam obter resultados. "Quem vai decidir de quais profissionais o município necessita é o gestor, e todos reconhecem que o fonoaudiólogo é importante, assim como o fisioterapeuta, o enfermeiro. Se não tivermos essa composição multidisciplinar, não atingimos os indicadores", analisa.
A impossibilidade de criação de equipes em cidades que ainda não têm alguma e de ampliação do número de profissionais nas localidades que já os possuem, contudo, segue sendo um problema sem solução, como avalia Sayonara, secretária de Saúde do município de Capistrano. "O que o Ministério precisa definir é como ele vai financiar os novos profissionais. Hoje, tenho sete equipes do Nasf (em Capistrano), mas posso ter até oito. Se eu quiser ampliar, está vetado", afirma.
Em nota, o Ministério da Saúde reforçou a exigência dos novos critérios para repassar dinheiro a estados e municípios, resumindo que "ganha mais quem cuida mais". "Assim, os recursos referentes ao custeio dos Nasfs foram direcionados para estes novos critérios. A flexibilidade do uso dos recursos é essencial para que o gestor local consiga reorganizar a rede de atendimento. O secretário municipal poderá manter este modelo, desde que cumpra com os critério de cadastramento dos usuários, desempenho de equipes de saúde para melhoria dos indicadores de saúde e informatização das unidades de saúde", conclui.