Crime expõe insegurança em apps de transporte
A prisão de um motorista suspeito de estuprar seis mulheres levantou o debate sobre os riscos à população
A popularização dos aplicativos de transporte compartilhado, as chamadas "caronas pagas", mudou a maneira como muitos se locomovem pela cidade. Se antes pegar um táxi era uma missão um pouco mais morosa e cara, hoje diversos aplicativos dispõem do serviço de forma simplificada e com tarifas mais atrativas. Em contrapartida, com a grande adesão popular, os problemas decorrentes destes aplicativos começam a surgir. O principal deles, a segurança. A questão veio a tona após um homem ter sido preso na semana passada suspeito de estuprar diversas mulheres na capital cearense.
Em casos de assalto, furto, assédio, agressão, ou crimes de outras naturezas, cometidos dentro dos veículos durante as corridas, a quem o passageiro ou motorista pode recorrer? A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon) são taxativos ao dizer que as empresas possuem responsabilidade sobre estes crimes e que devem fornecer, tanto ao passageiro quanto ao motorista, condições para gerar mais segurança durante as viagens, além de suporte às vítimas.
Conforme explicou o presidente da Comissão de Estudo e Defesa da Concorrência da OAB-CE, Leonardo Leal, as empresas respondem objetivamente pela segurança e integridade dos passageiros. "Pelo contrato de transporte é obrigação do fornecedor garantir a chegada ao destino do objeto transportado ou da pessoa em perfeito estado, devendo neste caso indenizar eventuais danos materiais e morais ocorridos no decorrer da prestação de serviço", afirma.
Leal ressaltou ainda que "desde a chegada dos serviços de aplicativo a Fortaleza, a OAB tem acompanhado de forma presente e atuante sua implementação, funcionamento e regulamentação, por intermédio de suas comissões temáticas sendo que uma preocupação central sempre foi a garantia da segurança dos usuários". O presidente da Comissão disse também que os recentes fatos apontam para uma "falha grave de segurança das empresas que deverão reparar os danos sofridos e adotar as medidas necessária para solução das falhas existentes".
Suspensão
O aplicativo 99 anunciou a adoção de novas medidas para garantir mais segurança aos que utilizam o serviço. Dentre as medidas, destacam-se a suspensão do cadastro de novos motoristas por duas semanas, período no qual será realizada uma completa revisão do processo de cadastramento de novos motoristas; reanálise de 100% da documentação dos motoristas ativos na plataforma e eventual checagem presencial; lançamento de novos recursos tecnológicos de segurança, com destaque para ferramenta de reconhecimento facial dos motoristas. "O aplicativo está incluindo novas variáveis e ferramentas em seu procedimento de constante de verificação, com vista a identificar mais estratégias de pessoas má intencionadas e aumentar a segurança da plataforma", pontuou a assessoria de comunicação da 99.
A empresa disponibiliza ainda um canal de atendimento exclusivo para incidentes de segurança no 0800-888-8999. A assistência oferece apoio emocional e auxílio imediato, que pode incluir o envio de um carro em ocorrências em que a vítima tenha sido deixada num local ermo ou desconhecido, por exemplo.
A empresa optou por não informar, "por questões estratégicas", os dados referentes a quantidade de reclamações feitas aos motoristas, bem como não divulgou quantos já foram banidos ou qual incidência de crimes cometidos durante as viagens. Garantiu, entretanto, que "de janeiro a julho deste ano os incidentes de segurança registrados na plataforma caíram 32,7% em Fortaleza. No Brasil, a redução foi de 55,1%".
Uber
A Uber, por sua vez, informou por meio de nota que os motoristas da plataforma passam por checagem de antecedentes criminais para averiguar apontamentos dos pleiteantes a condutores. "A partir dos documentos fornecidos para registro na plataforma, a empresa consulta informações de diversos bancos de dados oficiais e públicos de todo o País", disse.
A empresa salientou que dispõe de uma ferramenta capaz de verificar a identidade do motorista em tempo real. Ela é aplicada aleatoriamente para que motoristas tirem uma selfie antes de aceitar uma viagem ou ficar online. A ideia seria verificar se o condutor é o mesmo cadastrado na plataforma. "Para reforçar ainda mais o cadastro de motoristas parceiros, em Fortaleza, a Uber também já vem validando presencialmente os novos motoristas que se cadastram no aplicativo nos centros de atendimento", ressaltou a empresa.
A Uber informou que vai instalar em São Paulo seu primeiro Centro de Desenvolvimento Tecnológico na América Latina com foco, inicialmente, em segurança. O centro iniciará suas operações a partir do quarto trimestre deste ano. Cerca de 150 especialistas integrarão esse novo centro para desenvolver tecnologias que podem eventualmente se transformar em novos recursos e funções do aplicativo de mobilidade para todo o mundo. O investimento será de R$ 250 milhões em cinco anos.
A empresa ressaltou que tem introduzido novas ferramentas para incrementar a segurança na plataforma. Funções como a tecnologia de machine learning - que identifica riscos com base na análise dos dados de milhões de viagens realizadas diariamente - e o botão de Recursos de Segurança, lançado em julho que concentra todas as ferramentas do aplicativo com essa finalidade.
Suporte
Passageiros ou motoristas vítimas de quaisquer crimes, podem se socorrer de todos os órgãos pertinentes, no caso, sendo relação de consumo podem procurar OAB, Decon, Procon, Ministério Público, Delegacia de Polícia e o Poder Judiciário. No caso de ingressar com ação judicial esta deverá ser patrocinada por um advogado particular ou por um defensor público para os que não tiverem condições de custear honorários profissionais.
Ainda segundo Leonardo Leal, a Ordem dos Advogados já foi demandada por usuários destes aplicativos, "inclusive via audiências públicas realizadas sobre o transporte de passageiros". O advogado destaca, no entanto, "que a OAB não patrocina enquanto instituição demandas individuais tendo, contudo, a prerrogativa de provocar o Judiciário em demandas coletivas que representem os direitos da sociedade". No caso de crime, acrescenta o membro da OAB-CE, "deve-se procurar a Delegacia de Polícia mais próxima o mais rápido possível para iniciar a persecução criminal da conduta. No que se refere ao âmbito da reparação dos danos deverá buscar o Poder Judiciário ou os órgãos de defesa do consumidor".
Motoristas
O motorista de aplicativo Júnior Oliveira afirma que as polêmicas envolvendo profissionais de companhias de transporte privado têm gerado um sentimento de insatisfação por parte dos usuários no que diz respeito à segurança. "As pessoas estão com receio de solicitar os nossos serviços. É uma reclamação geral", ressalta, destacando que os profissionais também ficam preocupados com a situação. "Quase 100% de nós somos pais de família. Nós estamos mais vulneráveis do que os próprios passageiros", assegura.
Diante da falta de uma ferramenta dentro dos aplicativos que garanta a segurança dos colaboradores, os motoristas decidiram utilizar duas ferramentas que os mantivessem conectados para que, em caso de situação de perigo, os outros acionem à Polícia. "Os programas chamam-se Zello e Drive Social. Neles, conseguimos saber aonde todos que estão no grupo do WhatsApp estão. Quem estiver online fará o acompanhamento pelo GPS. Se o passageiro informar algo de extremo perigo, informamos a Polícia", destaca Júnior Oliveira.
Afirmando representar a liderança dos motoristas, ele diz que tanto Uber quanto 99, após avaliarem todos os dados do requerente, demoram, no máximo, 24 horas para deferir o processo de uma pessoa que queira trabalhar com a plataforma. Entretanto, para o motorista, ambas diferem no quesito identificação.
"Eu me sinto mais seguro na 99, pois ela mostra o nome do passageiro, a foto dele e o destino, além de nos mostrar se o ponto é localizado em uma área perigosa da Cidade. É melhor para nós. A Uber não faz isso", finaliza o motorista.
Fique por dentro
Suspeito preso tinha dez perfis falsos
O técnico em radiologia, Patrick Carneiro do Nascimento, de 26 anos, foi preso na última quinta-feira (16), suspeito de cometer pelo menos seis estupros a passageiras do aplicativo 99. Segundo a Polícia, o suspeito tinha ao menos 10 perfis falsos em diversas plataformas de transporte. Ele raptava as vítimas durante a noite e a madrugada, desviada a rota de destino até regiões ermas de Fortaleza e as violentava. A Polícia, no entanto, tem indício de que mais jovens foram estupradas. Os crimes teriam iniciado no final do ano passado.
Cronologia
29.4.2016
Uber começa a operar em Fortaleza |
6.10.2017
99 começa a operar em Fortaleza
21.8.2017
Justiça do Ceará libera em caráter liminar (temporário) a atuação dos motoristas que utilizam o aplicativo Uber
15.5.2018
O projeto de lei 204/2018, que regulamenta o transporte individual de passageiros por aplicativo na capital cearense, foi aprovado pela Câmara Municipal de Fortaleza
8.6.2018
O prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, sancionou a lei que regulamenta aplicativos de transporte privado
16.8.2018
Polícia prende técnico em radiologia suspeito de estuprar jovens que solicitavam corridas no aplicativo 99
20.8.2018
Empresas, como 99 e a Uber, anunciam adoção de novas medidas para garantir mais segurança aos usuários