Lei que garante registro de natimortos com nome escolhido pelos pais já valia no Ceará; entenda

Os cartórios cearenses já facultavam aos pais o registro do nome e do sobrenome do bebê nascido morto

Escrito por
Luana Severo luana.severo@svm.com.br
(Atualizado às 13:55, em 29 de Maio de 2025)
Legenda: No Ceará, a possibilidade de registrar os nomes de bebês natimortos já era facultada aos pais desde 2023, segundo a Anoreg-CE
Foto: Shutterstock

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, nessa segunda-feira (26), a lei que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental e a inclui no Sistema Único de Saúde (SUS). Entre outras coisas, a nova norma garante às famílias de crianças nascidas mortas a possibilidade de registrar seus nomes de maneira oficial. 

Até então, o governo orientava que as certidões fossem emitidas com informações técnicas, como sexo, data de nascimento, local e filiação. Contudo, com a mudança, que altera a Lei dos Registros Públicos, os bebês poderão ser registrados com os nomes que os pais escolheram durante a gestação e impressão digital ou plantar, quando possível.

"Essa política define o que as maternidades precisam ter para cuidar daquelas mães e pais que perdem os filhos antes ou após o parto", resumiu o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT). A lei também prevê a oferta de apoio psicológico especializado para as famílias que enfrentam situações do tipo.

>> Acesse a íntegra da lei

Qual a diferença entre óbito fetal e natimorto?

A nova política considera que o óbito fetal ocorre após a 20ª semana da gestação, o que caracteriza o bebê como natimorto. No entanto, também existe o óbito neonatal, que ocorre nos primeiros 28 dias de vida do recém-nascido.

Além desses tipos, também foi considerado o luto gestacional, que é quando o feto morre antes da 20ª semana da gravidez.

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No Ceará, famílias já tinham direito facultado desde 2023

No Ceará, famílias de bebês natimortos já tinham, desde 2023, a escolha de registrar ou não o nome do filho. "Já tínhamos autorização da Corregedoria-Geral da Justiça [para incluir nome e sobrenome]. [...] A Corregedoria trouxe essa possibilidade expressa, de ficar facultado o direito de prenome e sobrenome ao natimorto", explicou a diretora jurídica da Associação dos Notários e Registradores do Ceará (Anoreg-CE), Maria Cecília Pinheiro Nogueira.

A previsão foi estabelecida no provimento nº 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem abrangência nacional. "A [nova] lei [simplesmente] ratificará os entendimentos já disciplinados pelo CNJ e por corregedorias estaduais", acrescentou Cecília.

Antes disso, segundo a representante de classe, por não haver a previsão expressa, as certidões eram emitidas como "natimorto" acrescido do nome da mãe. "Algumas pessoas, quando chegam aos cartórios, não pretendem designar o nome. Já outras pessoas pretendem, porque já existe um apego, uma história com aquela criança", diferencia ela.

O principal ganho da lei nesse aspecto é aumentar a visibilidade sobre o assunto e possibilitar que as famílias tenham escolha em todo o território nacional, não apenas em estados específicos. "[A Lei] Não está impondo a condição de nome, está dando faculdade a quem quer ter esse direito, não prejudicando quem quer se abster. E prestigia a manifestação de vontade dos pais, que não deixam de ser os representantes legais do natimorto", defende Cecília.

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Direito ao nome e à personalidade

O Código Civil brasileiro encara o direito ao nome como um dos direitos relacionados à personalidade. Mais do que uma medida simbólica, a sanção recente do governo federal concede às famílias enlutadas a garantia de que aquele bebê foi um indivíduo e que terá a sua individualidade assegurada juridicamente.

"O nome é um direito fundamental e inerente à dignidade da pessoa humana. É uma forma de individualização, identificação daquele indivíduo na sociedade. Tendo direito ao nome, esse nome estará protegido", dimensiona Angélica Mota, presidente da Comissão de Processo de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e vice-presidente da Comissão de Família da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE).

Dessa forma, o nome da criança fica protegido, por exemplo, de usos indevidos. "A lei impacta políticas públicas, tudo o que é relacionado à família em si, os lutos, os possíveis conflitos advindos disso. Todas essas são coisas que interessam ao direito de família", compreende a advogada.

Nova lei amplia leque de direitos das famílias enlutadas

Além de garantir o registro do nome, a nova lei também assegura a realização de exames para investigar a causa do óbito, acompanhamento de gestações futuras e espaços reservados às famílias enlutadas.

Médico segura a mão de familiar enlutado após perda de bebê
Legenda: A nova política nacional garante cuidados e apoio psicossocial a mulheres e familiares que enfrentam a perda de um bebê
Foto: Shutterstock

Atualmente, de acordo com o governo federal, apenas três hospitais no Brasil oferecem protocolos clínicos e equipes treinadas para acolher de maneira adequada as famílias: o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), o Hospital Materno de Ribeirão Preto, em São Paulo, e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão, no Piauí.

Nós sabemos que o luto materno e parental é uma dor silenciosa, mas que grita no coração das famílias. O Ministério da Saúde está do lado dessas pessoas para acolher, respeitar e humanizar essa perda".
Alexandre Padilha
Ministro da Saúde

Nesse sentido, a advogada Angélica Mota, da OAB-CE, considera que a nova legislação é de suma importância, uma vez que trata o luto parental de maneira mais inclusiva e participativa, na medida em que acolhe pais e mães e oferece assistência terapêutica por meio de equipes multidisciplinares.

É interessante que até essa questão do nome, ao se ter o direito de atribuir nome ao natimorto, há ali, também, uma espécie de tratamento do luto. Aquele ser existiu, recebeu nome e recebeu proteção jurídica do Estado".
Angélica Mota
Presidente da Comissão de Processo de Família do IBDFAM e vice-presidente da Comissão de Família da OAB-CE.

Óbitos fetais e neonatais no Brasil

Conforme o Ministério da Saúde, entre 2020 e 2023, o Brasil registrou 172,2 mil óbitos fetais, a maior parte (40,8 mil) na região sudeste.

No ano passado, a pasta registrou 22,9 mil óbitos fatais e 19,9 mil óbitos neonatais — que ocorrem com 28 dias ou menos de vida — em todo o País.

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