Segundo julgamento da 'Chacina do Curió' começa nesta terça-feira (29); acompanhe
Serão julgados oito policiais militares envolvidos no massacre que vitimou 11 pessoas na Grande Messejana, em 2015
Familiares de vítimas e representantes de movimentos de Direitos Humanos estão nesta terça-feira (29), no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, para acompanhar a segunda parte do júri da Chacina do Curió. Desta vez, são julgados oito policiais militares acusados de participação no massacre que vitimou 11 pessoas, em 2015, na Grande Messejana.
Os quatro primeiros réus foram julgados e condenados há dois meses, com penas que somam mais de mil anos de prisão. À época, o julgamento teve seis dias de duração.
A expectativa é que a segunda parte do julgamento seja ainda mais longa, com previsão de dez a 12 dias, visto que serão ouvidos os oito réus, 12 testemunhas de acusação e defesa e seis vítimas sobreviventes.
Serão julgados os policiais:
- Francinildo Jose da Silva Nascimento;
- Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes;
- Gerson Vitoriano Carvalho;
- José Haroldo Uchoa Gomes;
- Josiel Silveira Gomes;
- Ronaldo da Silva Lima;
- Thiago Aurélio de Souza Augusto;
- Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes.
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Entenda os passos da sessão
Iniciada quase às 10 horas da manhã desta terça (29), a sessão contou, primeiro, com o sorteio dos jurados, todos eles populares, sem relação pessoal com o caso. Depois desse rito, serão chamadas as testemunhas, conduzidos os réus ao plenário e feitas as oitivas das testemunhas (primeiro as da acusação e, em seguida, as da defesa).
Depois, vêm os interrogatórios dos réus, debates entre acusação e defesa, votação, sentença dos jurados e leitura da sentença.
'Grave violação de Direitos Humanos'
Para a assessora de Relacionamento Institucional da Defensoria Pública do Ceará, Lia Felismino, que acompanha o caso, apesar da complexidade deste momento, a expectativa é que "a gente faça justiça".
A diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, também espera que a Justiça cearense condene os réus. "É um massacre, uma violência, uma grave violação de Direitos Humanos produzida por funcionários públicos, agentes do Estado, policiais em serviço. É uma situação muito grave", dimensiona a representante.
Com o julgamento, Werneck acredita que seja possível recuperar o sentido da Justiça e a esperança de que o Ceará seja um "lugar de dignidade, de respeito aos direitos humanos e de uma Polícia no caminho virtuoso da lei e do respeito à vida".
O Ceará, neste momento, tem a oportunidade de ajudar o próprio Estado e o País a virar a página. A mensagem que a gente espera que passe aqui, mais uma vez, é que a impunidade não será aceita".
Quem também está na Capital para acompanhar o julgamento é o vice-presidente do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), Luís Pederneira. O representante explicou que o caso chama atenção das autoridades internacionais por se tratar de violência policial, um dos principais problemas do Brasil atualmente.
A violência policial neste País é um problema grave e afeta particularmente os direitos das crianças. O que acontece hoje aqui no Nordeste é um fato histórico na luta contra a impunidade. É muito necessário fazer mudanças. As coisas não podem continuar como estão. As crianças precisam ser protegidas e não atacadas, torturadas, mortas pelos agentes da Polícia. Eles devem ser os primeiros a protegê-las".
'Onde há provas, não há injustiça'
Em entrevista coletiva, pouco antes do início do julgamento, as mães das vítimas reforçaram que esperam que a Justiça condene os policiais militares envolvidos.
"Nós estamos confiantes. Não só porque conseguimos o primeiro julgamento favorável aos nossos filhos, nossos familiares, mas porque temos a certeza de que estamos buscando a nossa Justiça. Onde há provas, não há injustiça. Não há argumentos", resumiu Edna Maria, mãe do Alef, um dos mortos na chacina.
Ana Costa, esposa de José Gilvan Pinto Barbosa, que também foi assassinado no massacre, fez questão de destacar a força que nasceu da união das mães e dos familiares das vítimas e dos sobreviventes. "Pra nós, é resistência, perseverança. Perder um filho não é fácil. Eu perdi meu marido. Hoje, minha filha é órfã. Adolescente já. [...] A injustiça acontece quando as bocas se calam e as nossas não se calaram", afirmou.
Silvia Helena Pereira, mãe de dois sobreviventes e tia de Jardel Lima dos Santos, outro jovem assassinado, defende a importância do desfecho favorável às vítimas. "Para que não se esqueça e nunca mais aconteça", concluiu.
'Não tinham condições de evitar'
Para José Ellery, irmão do policial Gaudioso Menezes de Mattos Brito, o "soldado Goes", a Justiça não sabe ainda quem são os autores do massacre e "estão trazendo para a responsabilização policiais que apenas estavam de serviço".
Ele defende que o irmão e os outros militares que estavam na viatura naquela noite "não participaram" do crime, "não tiveram consciência do que estava acontecendo" e "não tinham sequer condições de evitar" a chacina.
Outros familiares dos réus também estão no Fórum Clóvis Beviláqua para pedir a absolvição dos acusados. Eles carregam e distribuem panfletos com os dizeres: "Não condenem inocentes".
As defesas dos policiais militares acusados negam a participação dos clientes - que estavam de serviço - na Chacina do Curió.
"Nós estamos procurando galgar a verdadeira justiça, e não justiçamento. Dessa forma, vamos buscar a prestação jurisdicional, da forma que a prova permite. E ela (prova) está dizendo que, na pior das hipóteses, não se pode aceitar a titulação da acusação", afirmou o advogado Sílvio Vieira.
"Hoje, estão sentados no banco dos réus oito trabalhadores. Estavam todos cumprindo ordens legais, e ninguém cometeu nenhum tipo de crime, nesse julgamento. Inclusive, os componentes da viatura 1307 socorreram vítimas e estão aqui, sentados no banco dos réus, por única e exclusivamente cumprirem o serviço deles", acrescentou o advogado Carlos Bezerra Neto.