Secretários de Segurança Pública pedem restrições na análise de prisões em audiências de custódia

Consesp pediu ao Ministério da Justiça também que crie projeto de lei sobre o tema. Instituições que representam juízes e advogados no Ceará saíram em defesa das audiências de custódia

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
A soltura de alguns suspeitos presos em flagrante, por crimes como homicídio, tráfico de drogas e organização criminosa, nas audiências de custódia realizadas pela Justiça Estadual do Ceará, tem revoltado policiais civis e militares
Legenda: A soltura de alguns suspeitos presos em flagrante, por crimes como homicídio, tráfico de drogas e organização criminosa, nas audiências de custódia realizadas pela Justiça Estadual do Ceará, tem revoltado policiais civis e militares
Foto: Natinho Rodrigues

O Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) enviou um pedido ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para manter a prisão de suspeitos envolvidos em crimes mais graves, nas audiências de custódia realizadas em todo o Brasil. No Ceará, além do secretário da Segurança Pública, Sandro Caron, a ideia tem o apoio da Associação dos delegados da Polícia Civil. Já as instituições que representam juízes e advogados saíram em defesa das audiências de custódia.

O ofício, assinado pelo presidente interino do Consesp, Júlio Danilo Souza Ferreira (secretário de Segurança Pública do Distrito Federal), foi recebido pelo MJSP no último 23 de dezembro.

O documento, obtido pelo Diário do Nordeste, relata que secretários estaduais da Segurança Pública, reunidos nos dias 9 e 10 daquele mês, em Brasília, demonstraram preocupação "com relação ao funcionamento das audiências de custódia e suas repercussões sobre o sistema de segurança em nível nacional".

Nesse sentido, busca-se o estabelecimento de discussões sobre a viabilidade de se estabelecer condicionantes para a concessão de liberdade provisória (com e sem o uso de monitoramento eletrônico), viabilizando a restrição da liberdade de autores de crimes cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa, crimes hediondos e equiparados, tais como tráfico de drogas, especialmente nos casos de reincidência e reiteração criminosa."
Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública
Em ofício

O Colégio sugere ainda, ao Ministério, a elaboração de um projeto de lei para disciplinar as audiências de custódia, a ser submetido ao Poder Legislativo; e tratativas junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o funcionamento das audiências. Questionado pela reportagem, o MJSP confirmou o recebimento do ofício, mas não detalhou as ações tomadas a partir do pedido.

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O titular da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE), Sandro Caron, afirma que o assunto "preocupa e vem impactando negativamente nos índices de criminalidade, em todos os estados", devido a liberação de suspeitos de cometerem crimes como "homicídios, assaltos, tráfico de drogas e integrantes de organizações criminosas".

Confira áudio do secretário Sandro Caron:

Essa situação nos preocupa muito. Em razão disso, nós pedimos ao ministro da Justiça para estabelecer um diálogo com o CNJ no sentido de melhor disciplinar e evitar essas liberdades provisórias para pessoas que cometem crimes graves, até porque caso vão para a rua, a tendência é que voltem a praticar crimes graves."
Sandro Caron
Titular da SSPDS-CE

O presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará (Adepol-CE), Jaime de Paula Pessoa Linhares, endossa o pedido: "Essa é uma preocupação de todos os operadores da Segurança Pública, com relação à falta de um regramento para esses tipos de crimes, hediondos e contra à pessoa. O que se pretende é que exista uma legislação".

Suspeitos soltos em audiências de custódia

A soltura de alguns suspeitos presos em flagrante, por crimes como homicídio, tráfico de drogas e organização criminosa, nas audiências de custódia realizadas pela Justiça Estadual do Ceará, tem revoltado policiais civis e militares - que realizaram essas detenções.

O caso mais recente foi o de Michael da Costa de Queiroz, o 'Maikim', preso em flagrante por suspeita de participar do assassinato de um policial civil em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Dois dias depois, ele foi solto em audiência de custódia, porque o juiz entendeu que a prisão havia sido ilegal. Mas no dia seguinte, o mesmo magistrado determinou a prisão temporária do suspeito, antes de ele deixar o xadrez da Polícia Civil.

Outros dois casos também aconteceram em Caucaia e envolvem a mesma Vara Única do Júri de Caucaia. A Polícia Civil cumpriu a prisão temporária de Antônio Cláudio da Silva por um homicídio, mas, em audiência de custódia ocorrida em novembro do ano passado, ele foi colocado em liberdade mediante cumprimento de medidas cautelares, como o recolhimento domiciliar noturno.

Já Francisco Josilano Paulo da Costa, suspeito de cometer outro homicídio, foi preso em flagrante com uma arma de fogo e confessou o crime. Mas foi solto, em junho do ano passado. Ele foi reinquirido na delegacia, contou mais detalhes sobre o caso e a Polícia Civil voltou a pedir pela sua prisão - mas ainda não foi analisada.

ACM e OAB defendem audiências de custódia

Indagadas sobre o pedido do Consesp ao Ministério da Justiça, a Associação Cearense dos Magistrados (ACM) e a Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) saíram em defesa da realização das audiências de custódia.

O presidente da ACM, Daniel Carneiro, afirma que a Associação vê o pedido com "preocupação": "O problema não é a audiência de custódia. A audiência de custódia visa rever as condições em que aquele indivíduo foi preso, se foram respeitados os seus direitos ou não". 

A questão de liberdade provisória é a legislação processual penal, que sofreu modificações ao longo do tempo no sentido de restringir ainda mais as prisões temporárias, preventivas, que cada vez mais são excepcionais. A cada três meses, o juiz tem que analisar se existem ou não os motivos das prisões."
Daniel Carneiro
Presidente da ACM

Carneiro contextualiza que as audiências de custódia começaram a ser realizadas no País antes mesmo de estarem previstas no Código de Processo Penal (CPP), devido ao Pacto de São José da Costa Rica, o qual o Brasil é signatário. O Pacto prevê que a pessoa presa seja apresentada ao juiz em um prazo de 24 horas. "Ainda que venha legislação regulamentar a audiência de custódia, eu não tenho dúvida que vai ser objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal", pontua o juiz

O diretor de Prerrogativas da OAB-CE, Márcio Vitor de Albuquerque, acrescenta que "está disposto na Constituição Federal, um dos corolários do Estado Democrático de Direito, o princípio da presunção de inocência, onde ninguém será considerado culpado antes da sentença condenatória transitada em julgado". "No entanto há possibilidade de ser decretada, como medida cautelar, a prisão preventiva para fins de garantir a ordem pública, a ordem econômica e a instrução processual", pondera.

A regra, portanto é a liberdade, sendo assim o juiz notando que se trata de prisão ilegal deverá relaxar a mesma. Ou mesmo sendo legal, se estiverem presentes os requisitos, conceder a liberdade provisória com ou sem fiança. A liberdade provisória na maioria das vezes é acompanhada de outras medidas cautelares, obrigação de comparecer a Justiça, de não se ausentar da Comarca, ou até mesmo o uso do monitoramento eletrônico."
Márcio Vitor de Albuquerque
Diretor de Prerrogativas da OAB-CE

Sobre projetos de lei que visam restringir a concessão de liberdade na audiência de custódia, Albuquerque afirma que "podem desafiar a Constituição Federal, notadamente o princípio da presunção de inocência". "Diante disso deve a audiência de custódia ocorrer sempre no prazo de 24 horas, devendo o magistrado analisar de forma ponderada a situação do respondente concedendo a liberdade provisória, e em determinados casos ele pode sim decretar a preventiva se ficar comprovada a necessidade da mesma", conclui.

O Diário do Nordeste também questionou outros órgãos sobre o pedido do Consesp feito ao Ministério da Justiça. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e o Ministério Público do Ceará (MPCE) informaram que não se manifestariam neste momento. Já a Defensoria Pública Geral do Ceará e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não deram retorno à demanda.

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