Quebra de sigilo telefônico: Ceará é Estado do Nordeste com mais decisões, conforme CNJ

O Diário do Nordeste lista casos de repercussão com quebra de sigilo telefônico e telemático no Estado

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
operacao anullare
Legenda: Foi por meio de análises legais das conversas no celular de Valeska que a Polícia identificou mais de 1,7 mil pontos de venda de drogas do grupo criminoso no Ceará e cumpriu um total de 813 mandados judiciais contra 361 membros da facção de origem carioca.
Foto: Halisson Ferreira

Autorizações judiciais pela quebra do sigilo telemático são cada vez mais constantes no Estado do Ceará. Nos últimos anos, as interceptações legalizadas contribuíram para que as autoridades tivessem acesso aos detalhes sobre grandes ações criminosas, levando os suspeitos à condição de denunciados e posteriormente réus na Justiça.

Conforme o Painel do Sistema de Controle de Interceptações de Comunicações (SNCI) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2020 e 2021, o Ceará foi o estado do Nordeste com mais decisões de interceptação. Em dois anos, foram quase 27 mil decisões no Brasil, sendo 1.370 só no Ceará. O Estado fica atrás de São Paulo (com 4.410) e Minas Gerais (2.283).

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O coordenador das varas criminais do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), juiz Edilberto Lima, considera que o número é expressivo, mas nāo tāo distante dos dados de outros estados e explica que não há como atribuí-lo a um fator específico que não seja: "aumenta a criminalidade, aumenta a investigação", diz o magistrado.

"Em geral, quando se trata dessa percepção da Segurança Pública, isso exige de nós uma análise, compreensão de várias situações, vários elementos. Não tem como olhar para esse dado e atribuir exclusivamente a um fator. O aumento do número de interceptações é resultado possivelmente do número de investigações. Desencadeamento de situações", conforme Edilberto Lima.

"Temos que considerar que a constituição garante o sigilo. Mas a própria constituição autoriza, de acordo com as hipóteses que a lei estabelecer, a quebra do sigilo telefônico ou outros sigilos. Quando isso chega ao Poder Judiciário, em geral apresentado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, se busca apresentar no pedido as razões que justificariam naquele caso a razão da quebra do sigilo. Cabe ao Poder Judiciário a partir dos elementos colhidos ponderar, avaliar se as razões justificam"
Edilberto Lima
Coordenador das Varas Criminais do TJCE

O advogado criminalista Leandro Vasques considera que "as interceptações telefônicas e quebras de sigilo de dados telemáticos constituem meio de prova essencial no processo penal". No entanto, o advogado destaca que a perda de espaço das conversas telefônicas tradicionais para a comunicação por meio de aplicativos de mensagens faz com que "a busca por dados telemáticos ganhe contornos de maior relevância".

"Os números expressivos de decisões nesse sentido revelam elevado grau de operosidade dos órgãos que integram o sistema de justiça criminal no Ceará, o que, por outro lado, não pode perder de vista a parcimônia com que devem ser requeridas e determinadas as interceptações telefônicas e as quebras de sigilo de dados telemáticos, tendo em vista a incursão sobre informações privadas sensíveis de indivíduos não necessariamente envolvidos em contextos delituosos", afirma Vasques.

Já o advogado e presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal no Ceará, Alexandre Sales, enxerga com preocupação o número de decisões. Conforme Alexandre, é preciso ressaltar ser costumeiro encontrar “nas instruções processuais denúncias baseadas apenas nas informações de quebra de sigilo”.

“Vemos isso com preocupação, pela banalização. A gente se depara com quebras cruzadas, como exemplo: o alvo era cidadão X, mas no caminho falou com cidadão Y e esse Y passa a ser alvo. Essa quebra telemática deve ser usada com cautela. O serviço de Inteligência é extremamente necessário para debelar organização criminosa, mas precisa estar dentro da legalidade”, pondera o advogado.

REPERCUSSÃO

O Diário do Nordeste lista casos de repercussão com quebra de sigilo. Dentre eles, a vez em que a Justiça autorizou a interceptação de conversas entre Valeska Pereira Monteiro, a 'Majestade', e familiares dela, que supostamente estariam 'lavando dinheiro' de origem ilícita.

Em outubro de 2022, Macivania Pereira Monteiro, 52, (mãe da 'Majestade') e os tios Rosiane de Sousa Gonçalves, 42, e Daniel Gonçalves Pereira, 47, foram presos em Fortaleza. A família foi detida por força de mandado de prisão e está sob suspeita de participar da organização criminosa ajudando a lavar o dinheiro movimentado por Valeska, "braço direito" do líder máximo de uma facção carioca, com atuação no Ceará.

Outra quebra de sigilo ligada à Majestade resultou na 'Operação Anullare'. Foi por meio de análises legais das conversas no celular de Valeska que a Polícia identificou mais de 1,7 mil pontos de venda de drogas do grupo criminoso no Ceará e cumpriu um total de 813 mandados judiciais contra 361 membros da facção de origem carioca.

Segundo as investigações, 'Majestade' atualizou uma lista através do aplicativo WhatsApp com mais de 1,7 mil cadastros referentes ao esquema de tráfico de drogas

'JOGO DO BICHO'

Interceptações e quebra de sigilos telefônicos autorizados pelo Poder Judiciário foram ponto fundamental para que a Polícia Civil do Ceará chegasse às identificações dos envolvidos no esquema do 'monopólio do jogo do bicho'. Por 30 dias, divididos em dois períodos, investigadores analisaram conversas entre os suspeitos e se depararam com o passo a passo da negociação.

Pelo telefone, os suspeitos tramavam quais bancas poderiam ou não funcionar e quais seriam as consequências aos que descumprissem as regras: "autorização para agir na força". A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso aos diálogos e reproduziu as conversas, em formato de áudio.

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As conversas indicam o esquema de tomada de território para só uma empresa ligada ao jogo do bicho atuar. A PCCE aponta que, mensalmente, a loteria atrelada à facção carioca repassava, pelo menos, R$ 1 milhão, valor correspondente a 20% do apurado com as apostas.

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Legenda: Muitos pedidos e análises das interceptações partem da Draco
Foto: Divulgação/Polícia Civil

Conforme relatório da Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas (Draco), do primeiro período de interceptação, "muito embora não tenham surgido áudios relevantes para a investigação, percebeu-se através dos dados telemáticos de João Victor Feitosa Rodrigues Rebouças a existência de terminais telefônicos em sua agenda que demonstraram relevância para as investigações".

No segundo período de interceptação, foi possível "comprovar, com exatidão, a existência da prática de atos criminosos, orquestrados pelo Comando Vermelho, no sentido de determinar o fechamento de casas de loterias", segundo a PC. Os investigadores localizaram conversas entre 'Adidas' e Douglas Honorato. Ambos são foragidos da Justiça, provavelmente escondidos no Rio de Janeiro.

A análise nos aparelhos telefônicos ainda levou os investigadores a chegarem ao nome de Leonardo Aragão. Leonardo é advogado e supostamente transportou um bilhete com orientações acerca de arrecadação de dinheiro e distribuição de armas.

CHACINAS

Outras vezes que o Ministério Público do Ceará (MPCE) pediu a quebra de sigilo de dados telefônicos foi para apurar chacinas. Em 2018, devido à 'Chacina das Cajazeiras', a Justiça consentiu o pedido para analisar dados e conversas do celular de Auricélio Sousa Freitas, o 'Celim da Babilônia', apontado como um dos líderes da organização criminosa que ordenou o massacre.

Na época, o MP acreditou que a análise dos dados existentes no aparelho de 'Celim' se mostraria "indispensável para o esclarecimento dos fatos ocorrido na data de 27 de janeiro de 2018".

Em 2022, após a 'Chacina da Sapiranga', também foram interceptados conteúdos que auxiliaram nas investigações. No celular de João Ricardo Sousa da Silva, o 'Das Facas' foram encontradas conversas reveladoras entre ele e outro suspeito de ordenar a matança. 'Das Facas' e Raí César da Silva Araújo, conhecido como 'Jogador' trocaram áudios pelo Whatsapp instantes após a série de homicídios, indicando que sabiam dos detalhes do acontecido e temiam serem presos.

OUÇA

Em determinado momento, há indicativo que eles se arrependem da quantidade de mortes provocadas, já que o verdadeiro alvo da chacina era um homem identificado como 'Rael', aquele que liderava o tráfico na Sapiranga e precisava ser retirado do caminho pelos rivais.

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