Quais as causas da troca no comando da Segurança Pública do Ceará e o que esperar do novo secretário

O Diário do Nordeste ouviu especialistas em Segurança Pública com estudos estaduais e nacionais, que analisaram a mudança na SSPDS

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
roberto sá
Legenda: O novo secretário da Segurança, delegado federal Roberto Sá, já ocupou a função de secretário da Segurança Pública nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, além de ter sido subsecretário de Planejamento e Integração Operacional do RJ.
Foto: Divulgação Governo do Estado do Ceará

A troca de Samuel Elânio por Roberto Sá como secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) foi anunciada pelo governador Elmano de Freitas, na última segunda-feira (27). O Diário do Nordeste ouviu especialistas em Segurança Pública com estudos estaduais e nacionais para entender quais as causas da mudança e o que esperar do novo titular da Pasta.

A coordenadora do Curso de Direito e do Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência Urbana (NAVV), da Universidade de Fortaleza (Unifor), professora Juliana Mamede, e o sociólogo do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), professor Luiz Fábio Paiva, acreditam que a saída de Samuel Elânio se deu em razão do aumento de homicídios no Estado e de uma declaração feita por ele, na semana passada, de que o crescimento do índice era "razoável".

20,2%
foi o aumento de homicídios registrado no Ceará, nos quatro primeiros meses de 2024, na comparação com igual período de 2023. Foram 1.139 homicídios registrados entre janeiro e abril deste ano. Nos quatro primeiros meses do ano passado, foram 947 mortes violentas, segundo dados da SSPDS.

O professor Luiz Fábio Paiva afirma que "toda mudança na Secretaria de Segurança Pública sinaliza problemas". "Muito provavelmente, essa mudança foi pressionada por dois fatores: o primeiro, o aumento dos homicídios, isso coloca diante do Governo uma questão que ele precisa responder, porque ele coordena os trabalhos e ações policiais", indica.

"Mas, me parece que essa mudança também tem um componente político importante. Estamos em um ano eleitoral, o secretário deu uma declaração que repercutiu e está sendo usada pelos adversários do grupo político do governador. Quando o secretário olha para os números e diz que está 'razoável', isso passa uma imagem que talvez não seja a imagem que o governador deseja que o seu governo tenha. Essa mudança é importante nesse sentido", corrobora o sociólogo.

Juliana Mamede contextualiza que "a Segurança Pública é uma dor sentida pelos diversos entes federativos, que tem impactado e promovido alterações significativas no cotidiano da sociedade como um todo". "No caso do Estado do Ceará, nós temos um elevado número nos Crimes Violentos Letais Intencionais, principalmente nos homicídios, que é ditado pela atuação das facções criminosas e, consequentemente, pela disputa territorial que existe entre esses grupos", analisa.

Além da alta de homicídios, a professora acredita que houve um "tensionamento político" na Pasta da Segurança Pública, após um funcionário do Instituto Doutor José Frota (IJF) ser assassinado e decapitado, dentro do hospital, em abril deste ano. Desde então, o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), e o governador Elmano Freitas (PT) trocam acusações relacionadas à segurança pública, em entrevistas e nas redes sociais.

Após o caso do IJF, o tensionamento político assumiu outra conotação, envergadura. Pressionou o Governo (do Estado) por uma resposta e culminou com as estatísticas e a declaração do secretário. Ele próprio (Samuel Elânio) teve condições de conhecer que a fala dele foi inoportuna. Muitas vezes, em virtude do calor do debate, falas são proferidas, mas sem que isso retrate necessariamente o que o profissional compreende daquela realidade. Ele sempre disse que a situação requeria cuidado, um olhar meticuloso, um trabalho. Isso aconteceu, mas a questão tem que ser despolitizada. Infelizmente, em um ano de eleição municipal, é isso que estamos verificando."
Juliana Mamede
Professora da Unifor

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Desafios para o novo secretário

Delegado da Polícia Federal (PF), Samuel Elânio ficou à frente da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará de janeiro de 2023 até esta segunda-feira (27) - cerca de 17 meses. 

O substituto, o também delegado federal Roberto Sá, já ocupou a função de secretário da Segurança Pública nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, além de ter sido subsecretário de Planejamento e Integração Operacional do RJ. Antes de servir à Polícia Federal, Roberto foi oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro - onde se destacou no Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE).

Sobre os desafios para o novo secretário, a professora Juliana Mamede considera que "se não for revisitada a política de Segurança Pública e as políticas sociais, a mudança não traz o oxigênio necessário que nós precisamos. Nós não vamos conseguir reverter essa situação enquanto ela for compreendida como demanda ou resultado de uma única pessoa. Se não houver uma convergência, união de esforços, não vamos conseguir superar essa situação (da violência)".

Já o sociólogo Luiz Fábio Paiva espera do novo secretário a busca por "ampliar o diálogo com a sociedade civil, as universidades, os segmentos sociais que atuam na área de proteção e assistência social, pensar uma política de segurança pública mais ampla, além da integração das forças policiais. Nós precisamos, no Ceará, pensar segurança pública em uma perspectiva mais ampla".

O que esperar do novo secretário

O diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, acredita que, com a escolha de Roberto Sá, "o governador Elmano, de certa forma, sinaliza que quer maior ênfase numa dimensão operacional, que converse com outras áreas e com o Governo Federal".

O Roberto Sá é um nome muito experiente, que tem uma experiência operacional grande, tanto na área de Inteligência como na área de operações. Foi policial militar, tem uma longa carreira na Polícia Federal. Mas também como gestor, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. Isso o faz, hoje, um dos gestores de política estadual mais experientes atuando. A escolha do Sá é uma sinalização de que precisa reforçar tanto o lado da ponta, de trabalhar junto com as polícias, quanto de inteligência, estratégia, articulação e coordenação, que passa pelo Governo Federal também."
Renato Sérgio de Lima
Diretor presidente do FBSP

O coordenador de Pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, o cientista social Jonas Pacheco, corrobora que "Sá é um homem de grande poder de diálogo e interlocução. Por conta disso está sempre interessado em pesquisas e produções que destaquem evidências necessárias ao combate da criminalidade, produção de dados e incentivos institucionais de gestão".

Pacheco lista que, como secretário no Rio de Janeiro, Roberto Sá criou o Sistema de Metas para policiais; uma instrução normativa que regulamentou as operações policiais no Estado e colocou a "preservação da vida" como prioridade, em 2017; e a criação da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos (Desarme).

Para o pesquisador, o Ceará pode esperar do novo secretário "uma atuação centrada em indicadores, transparência de dados e uso de pesquisas acadêmicas que fomentem uma análise criminal robusta e eficiente; um olhar voltado para a gestão de pessoas, principalmente no que tange à integração entre os agentes de segurança e a interdisciplinaridade na elaboração de políticas; e um foco na preservação da vida e diminuição da letalidade violenta, sendo criador e gestor de um dos principais programas de gestão de segurança baseada em resultados".

Renato Sérgio de Lima considera que "o Ceará é fundamental no debate da Segurança Pública do Brasil. Desde 2017, toda vez que o Ceará tem um crescimento da violência, o País logo na sequência cresce. E quando cai, o País também cai. O Ceará em um papel importante em sinalizar as tendências e, além do mais, de fazer o controle do crime organizado e das facções de base prisional".

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