'Me senti violada, invadida, coagida', diz vítima de crime sexual constrangida por juiz em audiência

A vítima reclama que enquanto prestava depoimento precisou ficar em frente ao acusado dos assédios

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
juiz
Legenda: Foi um ano e meio de espera até que o juiz chamasse as mulheres para serem ouvidas. Em poucas horas, a sessão se "tornou um circo de horrores".
Foto: Reprodução

"Violada, invadida, coagida", é assim que uma das vítimas de crime sexual, ouvida em audiência em Juazeiro do Norte, diz ter se sentido em frente ao juiz Francisco José Mazza Siqueira. A mulher, de nome preservado, conversou com o Diário do Nordeste e relembrou "comentários e falas machistas" vindas do magistrado durante a sessão no último dia 26 de julho.

A vítima reclama que enquanto prestava depoimento precisou ficar em frente ao acusado dos assédios, o médico Cícero Valdibézio Pereira Agra. Depois, ainda na sala, ouviu o juiz dizer que "quem acha que é mulher é tudo boazinha, tão tudo enganado, viu. Eita bicho de mão pesada, bicho da língua grande e que chuta nas partes baixas, são as mulheres. Tô dizendo isso no sentido que vocês são fortes" (sic).

"Coagida. Acho que essa é a palavra, por estar de frente a uma pessoa que tanto me fez mal. Esse direito de ser preservada deveria ser me dado pelo juiz que conduzia o caso, mas não foi. O que ouvi do juiz foram várias falas machistas. A sensação que tive foi de falta de proteção, falta de acolhimento. Meu advogado ficou nas minhas costas, não tive apoio de ninguém", conta a vítima.

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"Eram comentários machistas, perguntas de uma forma de se perguntar que queria induzir como se o que passei fosse algo sem importância. Saí de lá traumatizada sem querer nunca mais voltar para aquela situação. E logo ali? Logo aqui que deveria ser algo mais voltado para a vítima, para o que eu precisava falar".
Vítima de crime sexual
Ouvida em audiência de ação cível, no último dia 26 de julho de 2023

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'UM TRAUMA'

A vítima também afirma que "naquele ambiente duas pessoas poderiam me dar o mínimo de conforto: uma era meu advogado e o outro era o juiz, que está lá para me ouvir e ser justo com ambas as partes, mas não senti isso. Foi vexatório, constrangedor, uma sensação que desperta um trauma e eu não quero mais lembrar". 

Foi um ano e meio de espera até que o juiz chamasse as mulheres para serem ouvidas. Em poucas horas, a sessão se "tornou um circo de horrores".

É assim que define o advogado das vítimas, Aécio Mota, sobre o que aconteceu na sessão. Das 9h às 13h, as mulheres estiveram na presença do juiz Francisco José Mazza Siqueira. O que elas não esperavam era, naquele momento de 'vulnerabilidade', ser revitimizadas, desta vez, segundo denunciantes, pelo próprio magistrado.

Em determinado momento da sessão, uma das depoentes ouviu o magistrado dizer: "tinha aluna que chegava se esfregando em mim...esfregando a vagina em mim… aqui não tem criança, aqui é todo mundo adulto... e dizia professor não sei o que.. E eu dizia: minha filha é o seguinte: quando eu deixar de ser seu professor, você faça isso aqui comigo".

"Quando o Juiz faz comentários acerca do comportamento das mulheres na audiência, está fazendo um juízo de valor em desfavor da vítima. Colocando o comportamento das mulheres como uma justificativa para agressões e abusos, de maneira desumana. Colocando a vítima como culpada, ou seja, a vítima passa a ocupar o banco dos réus"
Aécio Mota
Advogado das vítimas

SINDICÂNCIA ABERTA

Nessa segunda-feira (7), após publicadas as primeiras reportagens do caso, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) afirmou que a Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará abriu "sindicância para apurar os fatos relacionados à atuação de juiz" e avaliar a aplicação de medidas cabíveis.

A abertura da sindicância foi publicada no Diário da Justiça na noite da segunda-feira (7). No documento há indicação que a Comissão Sindicante conclua os trabalhos no prazo de 30 dias.

Ainda segundo a publicação oficial, o juiz Mazza teria supostamente violado deveres impostos no Código de Ética da Magistratura Nacional e no Código de Processo Penal, dentre eles o Artigo 400-A: "na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas".

O presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), desembargador Abelardo Benevides Moraes, disse à imprensa que só tomou conhecimento do caso já na segunda-feira e que "o Tribunal nos próximos dias tomará as medidas adequadas".

 

 

 

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