Desvios de munições da Academia de Segurança para chacinas no Ceará e mortes no RJ são investigados
Um inquérito da Polícia Civil sobre os desvios já tem suspeitos indiciados, segundo a SSPDS
Munições letais adquiridas pelo Estado para proteger a população, que acabam utilizadas em homicídios. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) investiga os desvios de cartuchos da Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp-CE), que terminaram encontrados no local de crime das chacinas da Messejana e de Quiterianópolis, no Ceará, e até de assassinatos ocorridos no Estado do Rio de Janeiro.
O Instituto Sou da Paz e o jornal Extra realizaram um levantamento que mostra que 83 pessoas foram mortas em oito estados do Brasil, entre 2010 e 2020, com uso de munição comprada por diversas Forças de Segurança. A reportagem, assinada pelo jornalista Rafael Soares, foi publicada no Extra, na última segunda-feira (24).
No Ceará, munições oficiais foram encontradas em ao menos duas matanças. Em uma delas, a Chacina da Messejana, registrada em Fortaleza no dia 12 de novembro de 2015, deixou 11 mortos. As investigações policiais apontaram a autoria de policiais militares em exercício e de folga, motivados por vingança, após a morte de um colega de farda em um assalto. Um total de 33 PMs responde pelos homicídios, na Justiça Estadual, mas ainda não houve julgamento, cinco anos e meio depois. Os militares negam as acusações.
Em 18 de outubro de 2020, cinco homens foram executados a tiros, na Chacina de Quiterianópolis. A Polícia Civil concluiu que quatro PMs cometeram o crime. Com a ajuda de laudos periciais da Perícia Forense do Ceará (Pefoce), os investigadores descobriram que, entre as munições utilizadas no crime, estão exemplares de propriedade da Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará, que pertenciam a lotes que estavam a disposição para cursos oferecidos na Instituição, que tiveram como instrutores justamente os investigados, no ano de 2019. Neste caso, os PMs também negam participação nas mortes.
A reportagem do jornal Extra revela que munições da Aesp-CE também foram encontradas em homicídios ocorridos no Município de Itaboraí, no Rio de Janeiro. Ao menos quatro assassinatos foram cometidos no Município com o uso de cartuchos oficiais, do Ceará de outros estados. A suspeita recai sobre a milícia que atua na região.
Suspeitos indiciados por desvios
A Secretaria da Segurança Pública do Ceará confirmou, em nota, que investiga, através da Polícia Civil do Ceará (PCCE), as suspeitas de desvios de munições da Aesp-CE. Segundo a Pasta, um Inquérito Policial já tem suspeitos indiciados, mas "em razão das diligências ainda estarem em andamento, a Instituição opta por não repassar mais informações visando preservar os trabalhos investigativos".
A SSPDS cita que a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) também investiga as ocorrências no âmbito administrativo-disciplinar.
[Atualização: 10h33, do dia 29/06/2021] Após a publicação da matéria, a CGD, em nota, ratificou que "existem processos disciplinares que apuram os fatos ocorridos nos casos relatados e que atualmente estão em trâmite neste Órgão".
Na Academia de Segurança Pública, de acordo com a SSPDS, em cada curso que é utilizado munição e é encerrado, o coordenador produz um relatório para a direção da Aesp-ce, anexando um documento contendo a assinatura de todos os alunos que atiraram, como forma de justificativa.
Se houve sobra de cartuchos, "o remanescente é formalmente devolvido, a fim de que seja mantido o controle das munições utilizadas", diz a nota.
"Por último, a Secretaria da Segurança e suas vinculadas informam que não compactuam nem permitem qualquer tipo de desvio de conduta de seus militares e servidores e que prezam pela eficiência dos serviços prestados à sociedade", conclui a Secretaria.