Denúncia diz que membros do motim escolheram Caucaia porque "paralisando PM morreria mais gente"
O Diário do Nordeste teve acesso ao documento do MPCE com acusação contra 58 policiais militares lotados em Caucaia no ano de 2020. A esposa de um PM teria feito a afirmação sobre a escolha por tomar o 12º Batalhão
Um ano e meio após motim protagonizado por centenas de policiais militares do Ceará, um documento do Ministério Público do Ceará (MPCE) revela que a escolha por ocupar o 12º Batalhão de Policiamento Militar, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, foi premeditada com intuito de chamar a atenção do Governo do Estado.
A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso ao documento emitido nessa segunda-feira (19) onde consta denúncia contra 58 policiais militares por envolvimento direto ou indireto no movimento ocorrido no Ceará em 2020.
Um trecho dos autos aponta realidade de guerra observada naquele município durante fevereiro de 2020: "Um cenário da cidade de Caucaia totalmente abandonada e entregue ao crime, contando apenas com uma viatura para atender toda a extensão territorial daquele município, sem a possibilidade de qualquer reforço".
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Já em outra parte do documento há que: "TC Alves perguntou porque escolheram Caucaia, e a manifestante respondeu que Caucaia foi escolhida porque morre muita gente, e paralisando morreria muito mais", se referindo a uma mulher que, conforme a investigação se identificou como esposa de um policial militar que aderiu ao motim.
Denúncia contra mais 58 PMs
Os 58 policiais militares foram acusados por meio da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar. Em quase um ano e meio desde o motim, pelo menos 400 PMs foram denunciados.
À época do movimento, todos os 58 agentes eram lotados em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. Na semana passada, o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontou que Caucaia foi o município mais violento do Brasil no ano passado.
Entre os crimes apontados pelo promotor de Justiça Militar do Ceará, Sebastião Brasilino de Freitas Filho, estão prevaricação, omissão de eficiência da força, revolta militar em tempo de paz e atentado contra viatura. Consta na denúncia pedido de afastamento das funções públicas e proibição aos militares de frequentarem quarteis.
Confira lista com nomes dos denunciados:
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TC PM Júlio César Passos Pereira
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TC PM João Océlio Atanázio Alves
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Maj PM Wagner Nunes Vasconcelos
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1º Ten PM Pedro Lucas Fahd de Oliveira
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2º Ten PM José Vítor Feliciano Moreno
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ST PM Antônio Domingos de Souza
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ST Raimundo Nonato da Silva
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ST PM Francisco Ivonildo de Lima
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1º Sgt PM José Airton de Lima
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1º Sgt PM Jociclécio Santos de Sousa
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1º Sgt PM Elenilson Vanderlei Farias Júnior
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1º Sgt PM João Batista Rodrigues da Silva
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1º Sgt PM Francisco Rômulo Falcão Ribeiro
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2º Sgt PM Aldenir Soares Rodrigues
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2º Sgt PM José Fábio Vieira
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2º Sgt PM José Océlio Silva de Agrela
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3º Sgt PM Rogério Ferreira Rodrigues
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3º Sgt PM Francisco Carlos da Silva Pereira
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Cb PM Francisco Narcélio da Silva
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Cb PM Eronildo Saturno Ferreira
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Cb PM Manoel Pereira dos Santos Filho
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Cb PM José Fernando Lira de Abreu
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Cb PM Cícero Stteffsson de Oliveira Marques
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Cb PM Alysomax Soares Nunes
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Cb PM João Paulo Silva Dias
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Cb PM Emídio Santos de Oliveira
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Cb PM Eder Barbosa de Oliveira
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Cb PM Emilson Cajazeiras Nogueira
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Cb PM Francisco Ricardo da Silva Alves
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Cb PM Denis Sales de Alencar
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Sd PM Nathanael de Souza Monteiro
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Sd PM Paulo Victor Soares da Fonseca
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Sd PM Ivo Braga Lima Júnior
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Sd PM José Conrado de Oliveira Neto
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Sd PM Antônio Célio Ferreira de Oliveira Filho
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Sd PM Francisco Helton Sousa de Oliveira
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Sd PM Caio Kelven Alves Azevedo
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Sd PM Francisco Mário Erven Eufrásio da Silva
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Sd PM Gleison Amorim da Costa
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Sd PM José Evanderson de Oliveira da Silva
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Sd PM Danilo da Penha Sales
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Sd PM Lucas Matias Ferreira
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Sd PM Jaime Silva Sampaio
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Sd PM Flávio Alves da Costa
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Sd PM Jose Luciano Ferreira Silva
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Sd PM José Airton Ferreira Pontes
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Sd PM Larissa de Oliveira Benevides
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Sd PM Ewerton da Silva Santos
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Sd PM Erbeson Thiago Reis Melo
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Sd PM Renato Guimarães Nunes
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Sd PM Natanael Franklin Maciel da Costa
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Sd PM Emanuel Nepomuceno dos Santos Oliveira
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Sd PM Jowanley Dias de Azevedo
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Sd PM José Pessoa Teixeira Filho
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Sd PM Antônio Cadorne Rodrigues Júnior
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Sd PM Ronyelisson Andrade Batista
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Sd PM Marcelo de Oliveira Botelho
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Sd PM Leonardo Silva dos Santos.
Entendo que não é demais afirmar que os policiais militares envolvidos no motim de fevereiro de 2020, com suas ações e omissões, têm nas suas mãos o sangue de mais de 300 homicídios ocorridos por falta de policiamento no Estado, naquele espaço calamitoso de tempo"
A reportagem não localizou a defesa dos militares denunciados.
MP aponta falta de ações energicas para conter movimento
Devido ao extenso número de denunciados, o MP dividiu a denúncia em núcleos, com intuito do processo tramitar com celeridade no Judiciário cearense. No geral, o documento faz referência à situação ocorrida em 18 de fevereiro de 2020, iniciando às 19h30. Seis mulheres chegaram ao 12º Batalhão de Policiamento Militar, em Caucaia e "lá passaram a esvaziar e/ou furar os pneus das viaturas que estavam paradas na frente do batalhão”.
Para o promotor, não foram adotadas ações enérgicas pelo comandante e subcomandante da unidade e pelo efetivo de serviço para conter a ação das mulheres que depredavam patrimônio da Administração Militar, "com finalidade de fomentar o movimento paredista".
"Oportuno destacar, nesse viés, os elucidativos excertos do depoimento da praça, 2º Sgt PM Francisco Carlos da Silva Pereira, às fls. 291, quando narra a cena que presenciou, ocasião em que uma das mulheres encapuzadas afirmou ao TC PM João Océlio Atanázio Alves que o batalhão de Caucaia foi estrategicamente escolhido para ser invadido pelos revoltosos, porque aquela urbe se trata de uma cidade conhecida pelos altos índices de criminalidade, como constante ocorrências de homicídio, e que a paralisação do policiamento de lá elevaria o número de homicídios, trazendo publicidade às reivindicações da tropa", segundo trecho da acusação.
O promotor Sebastião Brasilino destacou nos autos ainda que: "Desde que iniciei a análise dos inquéritos policiais militares referentes ao movimento insurgente de fevereiro de 2020, venho observando uma nítida recalcitrância do comando da Polícia Militar em investigar o envolvimento dos seus oficiais, principalmente os comandantes de batalhões, que fomentaram a continuidade da prática daqueles atos imorais, quer seja através de suas ações, ou omissões, todas igualmente reprováveis e merecedoras das mais duras penas previstas na legislação penal militar".
A crítica aos comnandantes continua: "Não se ignora que aquele movimento criminoso só ganhou fôlego a partir da conduta de parcela de oficiais comandantes da tropa, que com sua leniência, desdém, e sentimento de endosso, fingiam que não estavam entendendo o que acontecia, desde as primeiras aglomerações ajustadas para os entornos da Assembleia Legislativa do Ceará, por desejarem igualmente colher os louros políticos e salariais do motim, não importando o preço que a Polícia Militar tivesse que pagar para tanto".
"Ao que parece, a corporação armada pouco aprendeu com o trauma que foi obrigada a suportar em fevereiro do ano passado, pois queda-se optando pela saída mais cômoda, verdadeira autodestruição de nossa caserna, uma autofagiadesta tropa auxiliar, já que prefere fechar os olhos para a incompetência e despreparo de alguns dos seus integrantes, que foram fiadores da subversão e da indisciplina, como é o caso dos comandantes aqui denunciados, do que passar por um necessário expurgo, de modo a preservar incólumes os valores e tradições do nosso militarismo. Bem, este sentimento de endosso ao corporativismo e evidente conchavo dos comandantes não é visto com bons olhos por este Ministério Público do Ceará, já que este Promotor de Justiça Militar não renuncia a sua eterna vocação de aguerrido defensor da ordem jurídica nacional, tanto que agora processarei criminalmente aqueles que, "de qualquer modo", concorreram para os crimes militares praticados", acrescentou a Promotoria na acusação.
Violência na RMF
Conforme o Anuário, em 2020, Caucaia teve 98,6 homicídios por 100 mil habitantes, sendo a maior taxa de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) entre as cidades no Brasil. Quando divulgado o dado, o secretário Sandro Caron, titular da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) concedeu entrevista ao Sistema Verdes Mares destacando que em 2021 os indicadores melhoraram.
"Em relação à Caucaia, nós tivemos comparativo do primeiro semestre deste ano, com 2020, queda de 38% dos homicídios. Outro município citado no Anuário foi Maracanaú. Nele tivemos queda de 41% nos homicídios. Sempre é muito importante destacar este ponto. Hoje, com decorrer de seis meses, já temos outra realidade. Mas é claro que no âmbito da Segurança Pública se precisa fazer muito mais, avançar. Caucaia, especialmente, tem a presença de alguns grupos criminosos que disputam entre si presença na área em razão do narcotráfico e outros crimes", ponderou Sandro Caron.