Denúncia diz que membros do motim escolheram Caucaia porque "paralisando PM morreria mais gente"

O Diário do Nordeste teve acesso ao documento do MPCE com acusação contra 58 policiais militares lotados em Caucaia no ano de 2020. A esposa de um PM teria feito a afirmação sobre a escolha por tomar o 12º Batalhão

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: O Batalhão da Polícia Militar de Caucaia foi um dos ocupados por amotinados e mulheres que se diziam esposas dos militares que aderiram ao movimento da tropa
Foto: Fabiane de Paula

Um ano e meio após motim protagonizado por centenas de policiais militares do Ceará, um documento do Ministério Público do Ceará (MPCE) revela que a escolha por ocupar o 12º Batalhão de Policiamento Militar, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, foi premeditada com intuito de chamar a atenção do Governo do Estado.

A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso ao documento emitido nessa segunda-feira (19) onde consta denúncia contra 58 policiais militares por envolvimento direto ou indireto no movimento ocorrido no Ceará em 2020.

Um  trecho dos autos aponta realidade de guerra observada naquele município durante fevereiro de 2020: "Um cenário da cidade de Caucaia totalmente abandonada e entregue ao crime, contando apenas com uma viatura para atender toda a extensão territorial daquele município, sem a possibilidade de qualquer reforço".

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Já em outra parte do documento há que:  "TC Alves perguntou porque escolheram Caucaia, e a manifestante respondeu que Caucaia foi escolhida porque morre muita gente, e paralisando morreria muito mais", se referindo a uma mulher que, conforme a investigação se identificou como esposa de um policial militar que aderiu ao motim.

Denúncia contra mais 58 PMs

Os 58 policiais militares foram acusados por meio da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar. Em quase um ano e meio desde o motim, pelo menos 400 PMs foram denunciados. 

À época do movimento, todos os 58 agentes eram lotados em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. Na semana passada, o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontou que Caucaia foi o município mais violento do Brasil no ano passado. 

Entre os crimes apontados pelo promotor de Justiça Militar do Ceará, Sebastião Brasilino de Freitas Filho, estão prevaricação, omissão de eficiência da força, revolta militar em tempo de paz e atentado contra viatura. Consta na denúncia pedido de afastamento das funções públicas e proibição aos militares de frequentarem quarteis.

Confira lista com nomes dos denunciados:

  1. TC PM Júlio César Passos Pereira

  2. TC PM João Océlio Atanázio Alves

  3. Maj PM Wagner Nunes Vasconcelos

  4. 1º Ten PM Pedro Lucas Fahd de Oliveira

  5. 2º Ten PM José Vítor Feliciano Moreno

  6. ST PM Antônio Domingos de Souza

  7. ST Raimundo Nonato da Silva

  8. ST PM Francisco Ivonildo de Lima

  9. 1º Sgt PM José Airton de Lima

  10. 1º Sgt PM Jociclécio Santos de Sousa

  11. 1º Sgt PM Elenilson Vanderlei Farias Júnior

  12. 1º Sgt PM João Batista Rodrigues da Silva

  13. 1º Sgt PM Francisco Rômulo Falcão Ribeiro

  14. 2º Sgt PM Aldenir Soares Rodrigues

  15. 2º Sgt PM José Fábio Vieira

  16. 2º Sgt PM José Océlio Silva de Agrela

  17. 3º Sgt PM Rogério Ferreira Rodrigues

  18. 3º Sgt PM Francisco Carlos da Silva Pereira

  19. Cb PM Francisco Narcélio da Silva

  20. Cb PM Eronildo Saturno Ferreira

  21. Cb PM Manoel Pereira dos Santos Filho

  22. Cb PM José Fernando Lira de Abreu

  23. Cb PM Cícero Stteffsson de Oliveira Marques

  24. Cb PM Alysomax Soares Nunes

  25. Cb PM João Paulo Silva Dias

  26. Cb PM Emídio Santos de Oliveira

  27. Cb PM Eder Barbosa de Oliveira

  28. Cb PM Emilson Cajazeiras Nogueira

  29. Cb PM Francisco Ricardo da Silva Alves

  30. Cb PM Denis Sales de Alencar

  31. Sd PM Nathanael de Souza Monteiro

  32. Sd PM Paulo Victor Soares da Fonseca

  33. Sd PM Ivo Braga Lima Júnior

  34. Sd PM José Conrado de Oliveira Neto

  35. Sd PM Antônio Célio Ferreira de Oliveira Filho

  36. Sd PM Francisco Helton Sousa de Oliveira

  37. Sd PM Caio Kelven Alves Azevedo

  38. Sd PM Francisco Mário Erven Eufrásio da Silva

  39. Sd PM Gleison Amorim da Costa

  40. Sd PM José Evanderson de Oliveira da Silva

  41. Sd PM Danilo da Penha Sales

  42. Sd PM Lucas Matias Ferreira

  43. Sd PM Jaime Silva Sampaio

  44. Sd PM Flávio Alves da Costa

  45. Sd PM Jose Luciano Ferreira Silva

  46. Sd PM José Airton Ferreira Pontes

  47. Sd PM Larissa de Oliveira Benevides

  48. Sd PM Ewerton da Silva Santos

  49. Sd PM Erbeson Thiago Reis Melo

  50. Sd PM Renato Guimarães Nunes

  51. Sd PM Natanael Franklin Maciel da Costa

  52. Sd PM Emanuel Nepomuceno dos Santos Oliveira

  53. Sd PM Jowanley Dias de Azevedo

  54. Sd PM José Pessoa Teixeira Filho

  55. Sd PM Antônio Cadorne Rodrigues Júnior

  56. Sd PM Ronyelisson Andrade Batista

  57. Sd PM Marcelo de Oliveira Botelho

  58. Sd PM Leonardo Silva dos Santos.

Entendo que não é demais afirmar que os policiais militares envolvidos no motim de fevereiro de 2020, com suas ações e omissões, têm nas suas mãos o sangue de mais de 300 homicídios ocorridos por falta de policiamento no Estado, naquele espaço calamitoso de tempo"
Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar

A reportagem não localizou a defesa dos militares denunciados.

MP aponta falta de ações energicas para conter movimento

Devido ao extenso número de denunciados, o MP dividiu a denúncia em núcleos, com intuito do processo tramitar com celeridade no Judiciário cearense. No geral, o documento faz referência à situação ocorrida em 18 de fevereiro de 2020, iniciando às 19h30. Seis mulheres chegaram ao 12º Batalhão de Policiamento Militar, em Caucaia e "lá passaram a esvaziar e/ou furar os pneus das viaturas que estavam paradas na frente do batalhão”.

Para o promotor, não foram adotadas ações enérgicas pelo comandante e subcomandante da unidade e pelo efetivo de serviço para conter a ação das mulheres que depredavam patrimônio da Administração Militar, "com finalidade de fomentar o movimento paredista". 

"Oportuno destacar, nesse viés, os elucidativos excertos do depoimento da praça, 2º Sgt PM Francisco Carlos da Silva Pereira, às fls. 291, quando narra a cena que presenciou, ocasião em que uma das mulheres encapuzadas afirmou ao TC PM João Océlio Atanázio Alves que o batalhão de Caucaia foi estrategicamente escolhido para ser invadido pelos revoltosos, porque aquela urbe se trata de uma cidade conhecida pelos altos índices de criminalidade, como constante ocorrências de homicídio, e que a paralisação do policiamento de lá elevaria o número de homicídios, trazendo publicidade às reivindicações da tropa", segundo trecho da acusação.

O promotor Sebastião Brasilino destacou nos autos ainda que: "Desde que iniciei a análise dos inquéritos policiais militares referentes ao movimento insurgente de fevereiro de 2020, venho observando uma nítida recalcitrância do comando da Polícia Militar em investigar o envolvimento dos seus oficiais, principalmente os comandantes de batalhões, que fomentaram a continuidade da prática daqueles atos imorais, quer seja através de suas ações, ou omissões, todas igualmente reprováveis e merecedoras das mais duras penas previstas na legislação penal militar".

motim pm
Foto: José Leomar

A crítica aos comnandantes continua: "Não se ignora que aquele movimento criminoso só ganhou fôlego a partir da conduta de parcela de oficiais comandantes da tropa, que com sua leniência, desdém, e sentimento de endosso, fingiam que não estavam entendendo o que acontecia, desde as primeiras aglomerações ajustadas para os entornos da Assembleia Legislativa do Ceará, por desejarem igualmente colher os louros políticos e salariais do motim, não importando o preço que a Polícia Militar tivesse que pagar para tanto".

"Ao que parece, a corporação armada pouco aprendeu com o trauma que foi obrigada a suportar em fevereiro do ano passado, pois queda-se optando pela saída mais cômoda, verdadeira autodestruição de nossa caserna, uma autofagiadesta tropa auxiliar, já que prefere fechar os olhos para a incompetência e despreparo de alguns dos seus integrantes, que foram fiadores da subversão e da indisciplina, como é o caso dos comandantes aqui denunciados, do que passar por um necessário expurgo, de modo a preservar incólumes os valores e tradições do nosso militarismo. Bem, este sentimento de endosso ao corporativismo e evidente conchavo dos comandantes não é visto com bons olhos por este Ministério Público do Ceará, já que este Promotor de Justiça Militar não renuncia a sua eterna vocação de aguerrido defensor da ordem jurídica nacional, tanto que agora processarei criminalmente aqueles que, "de qualquer modo", concorreram para os crimes militares praticados", acrescentou a Promotoria na acusação.

Violência na RMF

Conforme o Anuário, em 2020, Caucaia teve 98,6 homicídios por 100 mil habitantes, sendo a maior taxa de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) entre as cidades no Brasil. Quando divulgado o dado, o secretário Sandro Caron, titular da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) concedeu entrevista ao Sistema Verdes Mares destacando que em 2021 os indicadores melhoraram.

"Em relação à Caucaia, nós tivemos comparativo do primeiro semestre deste ano, com 2020, queda de 38% dos homicídios. Outro município citado no Anuário foi Maracanaú. Nele tivemos queda de 41% nos homicídios. Sempre é muito importante destacar este ponto. Hoje, com decorrer de seis meses, já temos outra realidade. Mas é claro que no âmbito da Segurança Pública se precisa fazer muito mais, avançar. Caucaia, especialmente, tem a presença de alguns grupos criminosos que disputam entre si presença na área em razão do narcotráfico e outros crimes", ponderou Sandro Caron.

 

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