De estudante a advogadas: 1,4 mil mulheres são vítimas de 'stalking' no Ceará

Conforme dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, 76% das denúncias são contra homens

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: O levantamento do Fórum indica que o 'stalking' é um "forte indicador para o feminicídio
Foto: Reprodução

Um crime que começa silencioso, muitas vezes sob disfarce de 'admirador secreto'. A perseguição com ameaça à integridade física ou psicológica tem nome: 'stalking'. O Ceará acompanha a tendência nacional de escalada de notificações dos casos.

De acordo com o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicado em 2023, em um ano, quase 57 mil mulheres no Brasil oficializaram queixas junto às autoridades acerca desta perseguição. Destas, 1.400 foram vítimas no Ceará.

Dentre os casos de repercussão no Estado estão o de um grupo de advogadas, 'stalkeadas' por um agente penitenciário, e o de uma estudante, que passou a ser vítima quando um homem, dentro do ônibus, descobriu onde ela estudava ao observar a farda da escola da jovem.

“O que mais me afetou nisso tudo foi a questão da minha paz. Eu não conseguia ter tranquilidade, eu não dormia à noite, não podia mais sair sozinha. Pedi demissão do meu trabalho. Até em casa eu já não conseguia mais ficar sozinha. Eu nunca o vi. Nem tive contato pessoalmente, mas já cheguei a imaginar que uma vez o encontrei, mas era mais a questão do meu medo mesmo. Qualquer pessoa que se aproximasse de mim eu achava que poderia ser ele”
Trecho de relato da estudante vítima de stalking, à Polícia Civil do Ceará

CICLO VIOLENTO

Elas formam a maioria absoluta das vítimas. Conforme dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, 76% das denúncias recebidas por meio dos telefones Disque 100 e Disque 180 são contra homens.

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A pesquisadora sênior do Fórum, Juliana Brandão, destaca que os números podem ser assustadoramente mais altos, porque ainda esbarramos na subnotificação: "sem dúvidas este é um número subnotificado, temos acesso ao que chega à autoridade. Estamos falando de uma violência perpetrada por alguém próximo. Se antes aquela relação era de afeto, agora ela tem componente da violência. Se não houver acolhimento para essa mulher, dificilmente ela irá denunciar", disse.

"Estes dados vêm das secretarias estaduais e o fórum compila. Quando a gente olha para um cenário maior de violência contra a mulher, esse dado integra um cenário que é muito cruel contra a mulher".
Juliana Brandão
Pesquisadora

O levantamento do Fórum também indica que o 'stalking' é um "forte indicador para o feminicídio: "nas ocorrências envolvendo perseguição aumentam em cinco vezes o risco de morte das mulheres", acrescenta Juliana.

ACOLHIMENTO

A advogada Carolina Azin, conta que se depara quase diariamente com casos de 'stalking' e pontua que ter uma rede de apoio é passo essencial para ajudar a vítima a enxergar a situação a qual se encontra.

"Se perceber como vítima é extremamente difícil e doloroso. Elas não querem acreditar que estão passando por essa situação, que estão sendo vítimas de um crime. Muitas vezes a perseguição vem acompanhada de uma violência psicológica acentuada, e um dos fatores da violência psicológica é fazer com que elas desacreditem de si mesmas, pois o agressor usa de manipulação e faz com que elas acreditem que estão erradas ou com algum transtorno/doença psiquiátrica. A violência psicológica e o stalking afeta à saúde psíquica, além do prejuízo à autodeterminação da mulher, por isso que ela desacredita de si mesma", diz a advogada.

Há ainda vítimas que mesmo após prestarem boletim de ocorrência, decidem não enfrentar uma batalha judicial, "elas se questionam se vale a pena travar essa batalha, se elas estão corretas, se não estão equivocadas. A violência de gênero destrói vidas de mulheres", complementa Carolina.

'CYBERSTALKING'

Para Juliana Brandão, a subcategoria 'cyberstalking', ou seja, quando a perseguição acontece via virtual e a mulher tem a "intimidade devastada".

Este foi o caso de um grupo de, pelo menos, cinco advogadas que denunciaram assédio sexual por parte de um policial penal.

De acordo com o relato das mulheres, Caio Vinício Façanha da Paz teria se valido da função para ter acesso aos números das vítimas e feito contatos falando "imoralidades.

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Legenda: O agente importunou, pelo menos, cinco advogadas
Foto: Reprodução

Caio teria feito um 'perfil falso' para enviar mensagens às vítimas. Ele foi investigado na Delegacia de Assuntos Internos (DAI) e demitido, em setembro do ano passado.

A defesa dele alegou que o policial sofre de transtorno psiquiátrico.

PRISÕES E DEMAIS CASOS

Em 2021, ano em que a lei entrou em vigor no Brasil, o suspeito de perseguir a estudante foi preso. De acordo com a Polícia, o homem foi detido em flagrante em um shopping, na capital cearense e teria confessado na delegacia que "estava interessado na vítima".

Outro caso divulgado pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) no ano de 2021 foi o de uma ocorrência em Quixadá, Interior do Estado.

"Após utilizar um perfil falso para coagir as vítimas a enviarem fotos íntimas nas redes sociais, um adolescente de 15 anos foi autuado por meio de um ato infracional análogo ao crime de perseguição em ambiente virtual", segundo a Pasta.

A investigação começou quando uma vítima registrou B.O informando que a foto e o nome dela vinham sendo usados nas redes sociais de forma ilícita e ela sofrendo retaliações online.

Em 2022, também em Quixadá, outro caso. Um professor universitário de 72 anos foi indiciado após perseguir uma ex-aluna. 

"Conforme a investigação desencadeada pela DDM de Quixadá, a partir de 31 de março de 2022, o professor tentou se aproximar da vítima por meio das redes sociais, mas ela não teria respondido a nenhuma tentativa de contato. O contato, a partir de 2020, já na pandemia de coronavírus, foi intensificado, inclusive com frases de cunho sexual. Ele foi bloqueado pela vítima e ela passou a restringir suas publicações, temendo que o homem descobrisse seu perfil novamente. Assim, o professor universitário passou a mandar mensagens para familiares com intuito de conseguir o contato telefônico da vítima"

TIPIFICAÇÃO PENAL

O crime de 'stalking' se enquadra no artigo 147-A do Código Penal Brasileiro, com pena de seis meses a dois anos de prisão e multa.

A lei estipula que o crime ocorre se o acusado (a): "Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade".

 

 

 

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