Caso Alana: laudo da Pefoce descarta tiro acidental, mas levanta hipótese de disparo involuntário

A estudante foi morta em Fortaleza, no dia 21 de março de 2021. O empresário David Brito é acusado por homicídio com dolo eventual e responde ao processo em liberdade

Escrito por Redação ,
caso alana
Legenda: A 'reconstituição do crime' teve duração de quase duas horas, sem a participação do empresário réu
Foto: Thiago Gadelha

Três meses após a reprodução simulada do crime que vitimou a estudante Alana Beatriz Nascimento de Oliveira, 26, a Perícia Forense do Ceará (Pefoce) emitiu laudo com detalhes do que observou na diligência. A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso ao documento, que aponta a hipótese de a vítima ter sido atingida por um disparo de arma de fogo involuntário.

A novidade vem mais de um ano depois do crime e pode mudar o rumo do processo, a depender do entendimento das autoridades envolvidas no caso. A partir da "reconstituição do crime", peritos descartaram que o tiro efetuado pelo empresário David Brito de Farias foi acidental.

O laudo considera todas as hipóteses simuladas possíveis, mais indica como as mais prováveis as que o acusado manuseava a arma, mas não mirava na vítima. A conclusão é que "o disparo da pistola não ocorreu de forma acidental e que pode ter ocorrido de forma involuntária ou voluntária, não necessariamente com o ângulo de visão de disparo do atirador em direção à cabeça da vítima".

A reconstituição aconteceu no último mês de abril, no local do crime, bairro Luciano Cavalcante. O réu não compareceu à ocasião

Para os advogados Leandro Vasques e Holanda Segundo, que representam a defesa do empresário David Brito,“o laudo, apesar de inconclusivo ao atestar a possibilidade tanto de tiro involuntário como voluntário, afirma categoricamente serem mais prováveis de ter acontecido as hipóteses em que a arma era manuseada conforme narrado por David em seu depoimento. Somando a isto a ausência de testemunhas do fato, a ausência de motivação para um crime doloso e o fato de que David e Alana sequer se conheciam antes daquele dia e estavam em clima afetuoso e pacífico, a única conclusão possível é de que houve disparo involuntário, descrito no próprio laudo oficial da Perícia Forense como sendo aquele decorrente de imperícia, imprudência ou negligência, modalidades legais que caracterizam crime culposo, jamais doloso. Qualquer tentativa de se caracterizar a fórceps um crime doloso rui ante a ausência de qualquer mínimo indício que lhe dê suporte".

laudo caso alana
Legenda: Foram analisados localização e posicionamento do atirador
Foto: Reprodução

Há ainda no laudo que a entrada do projétil no corpo da vítima aconteceu na direção de baixo para cima, atingindo o plano da face.

Foram analisados localização e posicionamento do atirador, "quanto à forma de empunhadura da arma, quanto ao ângulo de disparo em relação ao plano horizonal da cama, quanto à altura em relação ao solo em que o atirador manuseava a arma, quanto à posição da cabeça da vítima e quanto às dimensões da cama".

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A perícia constatou que o disparo veio de uma pistola da marca Taurus, modelo TH-40. "A arma apresentava seus mecanismos funcionando adequadamente, sem nenhuma deficiência assinalável", com registro de segurança em ambos os lados.

A reportagem ainda entrou em contato com o advogado assistente de acusação no processo para comentar o resultado da perícia, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.


PARECER DE EX-COORDENADOR DA PEFOCE 

O perito criminal aposentado e ex-coordenador da Perícia Forense do Ceará (Pefoce) Roberto Luciano Dantas já tinha afirmado anteriormente que o disparo que atingiu a estudante Alana Beatriz Nascimento de Oliveira tinha chance de se tratar de um “disparo involuntário”.

A constatação faz parte de parecer técnico anexado ao processo que apura o caso. Roberto Dantas foi contratado pela defesa do empresário David Brito para elaborar o documento.

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No documento, Dantas afirma que o parecer técnico não é uma “crítica à prova já produzida”, mas a “interpretação dessa prova”. O “laudo” foi confeccionado ano passado e agora tem pontos coincidentes com o resultado da reprodução simulada dos fatos.

Para o perito criminal Roberto Luciano Dantas, não há nos autos nada que indique “brigas ou confusões, que pudessem resultar em causa ou motivo para uma ação direta e intencional por parte do acusado”. A constatação técnica do ex-coordenador da Pefoce após analisar os laudos e fazer uma “minuciosa perícia” no local, estudar a trajetória e trajeto do projétil, assim como as possíveis e prováveis posições da vítima e atirador, no momento em que “ele manuseava a pistola e pressiona o ejetor do carregador e o pressionamento da tecla do gatilho”, é de que todos esses elementos resultaram num “tiro/disparo involuntário”.

Ele foi coordenador do Instituto de Criminalística, estrutura vinculada ao antigo Instituto de Medicina Legal (IML), órgãos que foram incorporados pela Pefoce em 2008 e se transformaram na Coordenadoria de Criminalística e na Coordenadoria de Medicina Legal, da Perícia Forense (Pefoce). O órgão, no entanto, enviou nota para a redação horas depois da publicação da matéria afirmando que ele “nunca ocupou o cargo de coordenador na Perícia Forense do Ceará”.


DENUNCIADO POR HOMICÍDIO COM DOLO EVENTUAL 

A “reconstituição do crime” foi solicitada pelo MPCE ainda em maio de 2021. O órgão alegou há mais de um ano que a diligência era necessária com o intuito de colaborar com o processo criminal.  A previsão inicial era de que o pedido fosse cumprido em um prazo de 90 dias, mas a Perícia alegou que não podia marcar o evento em razão da falta de efetivo do Órgão.

David Brito foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por homicídio com dolo eventual (quando o acusado assume o risco de causar a morte da vítima). Alana Beatriz morreu no dia 21 de março de 2021 com um tiro na parte frontal da cabeça (testa), que partiu da arma do empresário.

Familiares reunidos para protestar
Legenda: Família de Alana Oliveira pede punição para empresário réu pelo crime
Foto: Thiago Gadelha

Alana dormiu na noite do dia 20 na casa depois da festa que o empresário fez para amigos. Segundo testemunho dele, a estudante perguntou se ele tinha medo de morar sozinho e David afirmou a ela que possuía uma arma.

Não há informações que comprovem ter havido discussão entre o casal naquela noite. O acusado responde em liberdade pelo crime de homicídio por dolo eventual

TESTEMUNHA AMEAÇADA

Uma amiga da estudante Alana e testemunha do caso afirmou recentemente em audiência de instrução na Justiça Estadual, que sofreu ameaças de familiares da vítima e de perfis 'fakes' (falsos) nas redes sociais, para ela falar mal do réu.

A testemunha (que não será identificada pela reportagem) falou que "parte dos familiares (da vítima) me pressionou muito para eu dizer... Uma boa parte das pessoas ficou me incentivando para eu mentir, dizer que ele tinha sido grosseiro, agressivo. Mas ele me recebeu muito bem na casa dele".

Vários (perfis) fakes foram criados e vinham me ameaçar. Eu tive que passar um ano sem usar Instagram, WhatsApp. Eu tive que mudar de número. Por isso que meu número mudou", revelou a testemunha, acrescentando que as contas nas redes sociais afirmavam "que eu estava mentindo e que eu tinha recebido dinheiro para falar que não tinha visto (as agressões)".
Testemunha do Caso Alana
Não será identificada

Questionado se abriu investigação sobre o relato, o Ministério Público do Ceará negou a existência da denúncia, em nota: "O MPCE informa que, até o momento, nenhuma testemunha relatou ter sofrido algum tipo de violência ou grave ameaça no âmbito do processo criminal em questão".

A defesa de David deu entrada com uma petição no processo para que o Juízo peça explicações ao sobre o motivo da afirmação em nota já que um representante do órgão estava presente na audiência em que a testemunha afirma ter sido ameaçada.

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