Ataque a tiros contra base fixa da PM é mais um episódio a elevar tensão em residencial na Capital
Cidade Jardim I, no bairro José Walter, registra atuação de uma facção cearense, expulsões de moradores e operações policiais constantes
Atuação de facção criminosa, expulsões de moradores, operações policiais constantes, morte a tiros de cadela cometida por policial militar e protesto. Depois de todos esses episódios, o Residencial Cidade Jardim I, inaugurado em 2018 no bairro José Walter, em Fortaleza, foi palco de um ataque a tiros contra uma base fixa da Polícia Militar do Ceará (PMCE), o que elevou a tensão no local.
A PMCE confirmou que os tiros foram efetuados na madrugada da última segunda-feira (9). Três policiais militares estavam de plantão, no momento da ação criminosa. Pelo menos dois disparos acertaram o container da Polícia, enquanto outro tiro atingiu um veículo particular. Ninguém ficou ferido.
Equipes da Força Tática (FT) e do Policiamento Ostensivo Geral (POG) do 21º Batalhão Policial Militar (21º BPM) realizaram levantamentos pela região em busca dos suspeitos, mas ninguém foi capturado até a publicação desta matéria.
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Estudo da Rede de Observatórios da Segurança, divulgado no último dia 21 de julho, mostra que o Ceará é o Estado que registra mais ações e ataques de grupos criminosos contra bens públicos e privados, nos últimos dois anos, na comparação com Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro em São Paulo. Entre junho de 2019 e maio de 2021, foram 155 registros em território cearense.
A reportagem apurou, com uma fonte da Inteligência da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), que a principal suspeita é de que o ataque à base fixa da PMCE tenha sido motivado pela morte de uma cadela que estava grávida, cometida a tiros por um policial militar, no último dia 29 de julho. Informes já haviam sido colhidos pela Polícia de que uma retaliação poderia acontecer.
Segundo testemunhas, policiais militares realizaram uma abordagem a um bingo que acontecia no Residencial, momento em que a cadela tentou atacar um PM, quando foi baleada e morta. O fato gerou revolta de moradores do condomínio, que protestaram com a queima de depósitos de lixos. O Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) precisou ser acionado para conter as chamas.
Na versão da SSPDS, emitida em nota, "os militares da base de policiamento ouviram estampidos de disparos de arma de fogo vindo de um local próximo e acionaram reforço de viaturas motorizadas. Foram realizadas diligências a fim de identificar o ocorrido, no entanto, não foram localizados suspeitos nem indícios de delitos. Instantes depois, populares levaram uma cadela baleada até a base policial informando que teria sido morta por um integrante da corporação".
A Polícia Militar e a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), da Polícia Civil, investigam o crime ambiental cometido pelo policial militar. Enquanto o 8º DP (José Walter) apura o incêndio criminoso.
Expulsões de moradores e operações policiais
No auge da guerra entre as facções criminosas no Ceará, depois de mais de 5 mil homicídios registrados em 2017 e diversas chacinas no início de 2018, intensificaram-se as expulsões de moradores das residências, na periferia de Fortaleza, por ordem do crime organizado. Entre os alvos estavam condomínios populares, como o Cidade Jardim I, no José Walter.
A resposta da Polícia se deu com a intensificação de policiamento e instalação de bases fixas em áreas de conflito entre facções e de expulsões de moradores, o que se espalhou por Capital e Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
De acordo com a fonte da Inteligência, a estratégia diminuiu os confrontos entre criminosos e retirou a maioria deles do local. Mas, mesmo à distância, os chefes das facções ainda dão ordens sobre aliados que moram nos condomínios populares, inclusive para a expulsão de um ou outro morador. Hoje, esse movimento é feito com mais "discrição". No Residencial Cidade Jardim I, a Polícia sabe da atuação permanente de uma facção cearense.
Para atacar ainda mais a criminalidade e aumentar a sensação de segurança, a SSPDS realiza operações constantes no Cidade Jardim I. Três dias antes do ataque à base fixa da PMCE, a Pasta deflagrou mais uma fase da Operação Domus, a terceira em 15 dias somente naquele conjunto habitacional. Policiais civis e militares e servidores de outros órgãos estaduais e municipais realizaram vistorias e notificações por construções irregulares, conduções por furto de energia elétrica e registros de infrações de trânsito. Pelo menos três pessoas foram autuadas por crimes.
A socióloga da Rede de Observatórios da Segurança, Ana Letícia Lins, analisa que "não é de hoje que a gente tem essa ideia de fazer um policiamento comunitário, que na prática é um policiamento de aproximação. Essa ideia de ter a Polícia mais perto da comunidade, que os gestores acreditam que pode mudar a relação da comunidade com a Polícia e pode garantir que tenha uma prevenção dos crimes naquela localidade".
O que acontece na prática é que esse tipo de base policial serve, muitas vezes, para saturação. Os policiais fazem uma série de abordagens para prevenir alguns crimes. O que a gente tem visto é que esse tipo de proximidade tem um resultado avassalador de denúncias de violência institucional, violência policial.
Ao contrário de alcançar a tranquilidade, a ação da Polícia leva tensão ao local. "Você joga uma sociedade que já está vulnerabilizada em um contexto como esse, que é realmente muito complicado. Esse tipo de fazer policiamento também são respostas que se dão socialmente e racialmente demarcadas, porque essas bases estão em territórios onde moram pessoas pobres e pessoas negras", complementa a socióloga.