Unidos em terra e no mar

Escrito por Redação ,
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O trabalho coletivo é comum em todo o litoral cearense, tanto na pesca, quanto na manutenção dos equipamentos

Hoje é o segundo caderno sobre os pescadores do Ceará, termina aqui a aventura de conhecer este universo tão longe e tão perto. Acordar cedinho, às 4 horas, para acompanhar a saída dos pescadores para o mar é uma experiência que todo ser urbano deveria ter. Por volta das 6 horas, os "Alcântara" I e II partem, do Rio Coreaú, em Camocim, a 369 quilômetros de Fortaleza, no litoral oeste do Ceará, para um ponto a 15 milhas da costa, guiados por Global Position Sistem (GPS).

Dez dias seriam necessários para deslocamento e para "arriar" material, ou seja, posicionar manzuás para a pesca da lagosta. A bordo dos dois botes de Antônio Carlos de Oliveira, 44 anos, pescador, filho de pescadores, estavam oito tripulantes que formariam, naqueles dias, uma família unida pela proximidade, partilha do alimento, proteção, trabalho conjunto, típico do pescador artesanal da costa cearense.

No mesmo dia, por volta das 9 horas, ali atracou o "Deus te guie IV", sob o comando do mestre João Batista Ribeiro, de 45 anos. Barco maior, com oito tripulantes, chegava de 20 dias, a 170/200 milhas da costa maranhense, trazendo a bordo 800 quilos de peixe. "Estou aqui porque não aprendi a ler, só a pescar, mas quero outra vida pro meu filho, de 12 anos", destaca o mestre, que tem 20 anos de pesca. A gente se lembra muito da família. É só água e mar. Quando a gente não tá pescando, tá dormindo pra desenfadar", conta.

Muitos braços trabalhando ao mesmo tempo e com o mesmo objetivo é uma rotina comum no vai e vem das ondas entre as praias do nosso litoral. Nem precisa ter sol para encontrar pescadores indo e vindo do mar, se preparando para embarcar ou desembarcar o pescado.

O trabalho conjunto começa na manutenção de embarcações e de equipamentos de pesca, prossegue no rolar a jangada para dentro ou para fora do mar, e continua durante a pesca que, quando é de pernoite, tem o acréscimo da dormida. A jangada moderna, assim como o bote de Camocim, tem espaço para isso. Do lado de fora, um lampião acena aos navios e a outras embarcações por segurança. Conforto, não existe. Tampouco existe privacidade. "Já passei 45 dias embarcado e, posso dizer, esses homens dormem mais próximos do que eu e a minha mulher na cama", conta o biólogo Rodrigo de Salles.

Quem pesca de linha, conta Rodrigo, tem posição marcada no barco. Se o pescador que está no melhor posto (com mais peixe), passa mal, perde o lugar, que terá mais lucro no fim da viagem, pois a produtividade é calculada individualmente.

De volta à praia, ou ao rio, como no caso de Camocim, onde está localizado o porto pesqueiro, na hora de tirar o peixe da rede, separar, partilhar, todo mundo ajuda. É uma festa de fartura que atrai curiosos e as fotos dos turistas.

A confecção de artefatos para a pesca, a exemplo dos currais da Praia de Arpoeiras, na localidade de Curral Velho, município de Acaraú, 278 quilômetros a oeste de Fortaleza, reúne pescadores. Ali, da mesma forma, a construção de manzuás para pesca de peixes é motivo de encontro de pescadores fora do mar, fora da praia, no quintal de casa. A arte de confeccionar equipamentos de pesca, assim como a própria arte da pesca, tem se perpetuado como conhecimento repassado de pai para filho e aperfeiçoado segundo as necessidades.

COMUNIDADE UNIDA
Muitas conquistas marcam a "Prainha"

Exemplo de trabalho comunitário e engajamento político no litoral cearense, as conquistas dos pescadores da Prainha do Canto Verde, 121 quilômetros a leste de Fortaleza, no município de Beberibe, surpreendem quem visita a praia. Da pesca artesanal, além da lagosta no segundo semestre, diversos peixes saem das jangadas em quantidade suficiente para manter a atividade, vital para aquela comunidade. Nos arredores das muitas lagoas, o cultivo familiar de mandioca, milho, cana-de-açúcar, caju, coco e manga complementa a renda.

O alto nível de organização permitiu, ainda, a conquista de espaços para o desenvolvimento e comercialização de artesanato e para a criação de estrutura que integra as 12 comunidades da Rede Cearense de Turismo Comunitário (Rede Tucum), que este ano conquistou o prêmio internacional TO DO! Contest Socially Responsible Tourism, com um turismo marcado pela sabedoria popular tradicional em comunhão com belas paisagens naturais. Desde 1998, os moradores fornecem hospedagem simples e aconchegante, com refeições à base de peixes e crustáceos. Um fundo rotativo para pequenos investimentos apoia as atividades.

A primeira notícia em jornal sobre a Prainha do Canto Verde notícia o "raid" de 1928, quando três pescadores da jangada "Sete de setembro" resolveram navegar até Belém do Pará. Com as grandes enchentes de 1974, a maioria das casas de taipa da vila original se perdeu no mar, originando a vila atual a leste da precursora.

A primeira grande luta da comunidade nasceu em 1976, quando um grileiro, associado a uma imobiliária, tenta apoderar-se das terras. No fim dos anos 80, com o apoio do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, é fundada a Associação dos Moradores e, em seguida, é iniciado projeto para o desenvolvimento sustentável, com o apoio dos Amigos da Prainha do Canto Verde.

Em 1993 - seguindo o caminho aventureiro de Manoel Olímpio Meira (Jacaré), Raimundo Correia Lima (Tatá), Manuel Pereira da Silva (Mané Preto) e mestre Jerônimo André de Souza (mestre Jerônimo), em 1941 - a jangada "SOS Sobrevivência" parte da Prainha do Canto Verde em direção ao Rio de Janeiro, com quatro pescadores a bordo e mais duas mulheres de carro, no apoio logístico. No ano seguinte nasce o Fórum dos Pescadores do Litoral Leste, depois ampliado para o Estado.

No ano seguinte, 105 lideranças lá participam de um curso de formação que dá origem, em 2002, à Escola dos Povos do Mar; e, em 2004, ao Estaleiro Escola. Em 2006, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anula os direitos da imobiliária e abre caminho para a regularização da posse da terra dos moradores. Consagrando a luta, em junho de 2009, a comunidade conquista a criação da Reserva Extrativista (Resex) no caminho em direção ao almejado desenvolvimento sustentável.

POESIA
A morte do Jagandeiro

Ao sopro do terral abrindo a vela,
Na esteira azul das águas
arrastada,
Segue veloz a intrépida
jangada,
Entre os uivos do mar que
se encapela.
Prudente, o jangadeiro
se acastela
Contra os mil incidentes
da jornada;
Fazem-lhe, entanto, guerra escarniçada
O vento, a chuva, os raios
a procela.
Súbito, um raio a prostra e,
furioso,
Da jangada o despeja n´água escura:
E em brancos véus de espuma o desditoso
Envolve e traga a onda
intrumescida,
dando-lhe, assim, mortalha e sepultura
O mesmo mar que o pão lhe dera em vida.

Pe. Antônio Tomás



MARISTELA CRISPIM
REPÓRTER