Primeira cidade planejada do Ceará ainda tem pouca adesão ao uso da bicicleta
No Município de Jaguaribara, para ir às compras, ao trabalho e à escola prevalece o uso de motos entre os moradores
A cidade de Jaguaribara, localizada no Vale do Jaguaribe, é a primeira implantada de forma planejada no Ceará, em 2001. Apesar das ruas planas, largas e avenidas com seis quilômetros de ciclovias, ainda são poucos os moradores que usam a bicicleta no dia a dia. O que prevalece são as motocicletas pilotadas por adolescentes e adultos, sem capacete. “De moto é mais rápido e melhor”, justifica o estudante, Marcos Oliveira.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que o Município tenha uma população de 11.500 habitantes. Um desses moradores é o cambista Antônio Gomes.
Ele é um dos poucos que se deslocam entre as ruas usando bicicleta. “Desde quando morava na velha Jaguaribara que gosto de andar de bicicleta e aqui continuo”, disse. “Quem é jovem só quer saber de moto”.
Para o mecânico de bicicleta, Henrique Pinheiro, a ausência de bikes na cena cotidiana da cidade no horário comercial decorre de um velho “costume porque com certeza era para o pessoal pedalar mais, mas para ir comprar um pão ou percorrer dois ou três quarteirões, vão de moto”.
O funcionário público Márcio Dalton Feitosa acredita que os moradores vão migrar aos poucos para a bicicleta, em substituição ao uso de moto.
“A gasolina tá muito cara e pedalar traz grandes benefícios para a saúde”, pontuou. “Eu mesmo passei a ir trabalhar, de bicicleta”.
Quem também deixou o carro na garagem e passou a usar bicicleta para ir dar aulas, a partir de 2018, é o educador físico, Ambrósio Peixoto, mais conhecido por professor Vanvan. “Economizei uns trezentos reais por mês, além dos grandes benefícios da saúde”.
Esses são casos raros. Os jovens dão preferência à moto. “É mais rápido e melhor”, disse o estudante Mateus Pinheiro. “Quando a gente precisa ir para um lugar mais distante, só dá certo de moto”.
O piscicultor Carlos Antônio Silva também frisou a necessidade de deslocamento para a beira do açude Castanhão por meio de moto para o trabalho diário. “De bicicleta fica mais distante e não dá certo porque a gente transporta equipamentos de pesca”, frisou.
Incentivo
Para o arquiteto e urbanista, Paulo César Barreto, “falta adoção de política pública e de incentivo ao uso diário de bicicleta em uma cidade plana, com ciclovias, ruas largas e pouco movimento de carro”. Ele frisou o “benefício para a saúde, a economia com combustível e a sustentabilidade do ciclismo”.
Barreto explicou que é preciso ter “qualidade e manutenção das ciclovias e se há espécie vegetal, capim, que tem espinhos e nasce entre as pedras de calçamento furando os pneus de bicicletas em Jaguaribara, é preciso encontrar uma solução para esse problema dentro da política urbana de acessibilidade”.
Se a cidade é arborizada e a distância é curta, Barreto não vê problema no uso do ciclismo como forma de deslocamento ao trabalho e às compras.
“É preciso reforçar essa corrente, mostrar as vantagens, mas o Brasil priorizou o uso do carro e da moto na vida urbana”.
Urbanismo e crise
Jaguaribara foi inaugurada em 26 de julho de 2001, em substituição à antiga cidade que ficou dentro da bacia do açude Castanhão. Os moradores ganharam novas casas e os comerciantes, prédios. A velha Jaguaribara foi demolida e posteriormente alagada.
A arquitetura moderna alargou o centro urbano da nova Jaguaribara. As casas não são conjugadas. As calçadas são largas, mas o núcleo urbano é esvaziado. Exceto uma reduzida área central de apenas duas quadras registra movimentação mais intensa pela manhã, de moradores.
“Somos uma cidade pequena e as pessoas trabalham mais em atividades rurais, no açude. A crise econômica dos últimos cinco anos aqui foi agravada com a queda de 95% da atividade de piscicultura, que é a principal fonte de renda do município, e muitos migraram por falta de oportunidades”.
A vendedora lojista, Márcia Peixoto, vai para o trabalho de moto e justifica dizendo que “já estou acostumada e de bicicleta a gente sua e o sol é quente”.
Ciclismo esportivo
Lívia Barreto observou que se há poucos ciclistas circulando no horário comercial nos últimos quatro anos, alguns moradores aderiram à tendência do ciclismo como forma de lazer, competição e aventura no fim de tarde e aos fins de semana. A cidade dispõe de dois grupos – um de aventura e competição, J Bike Time, e um de passeio, Amigos do Pedal. Surgiram em 2018.
“Temos competições regional e estadual”, disse Márcio Dalton Feitosa. Ele lembra que até 2015 praticamente ninguém usava bike em Jaguaribara. Foi um professor que começou a incentivar o uso de bicicleta, com um grupo de idoso.
Observando a crescente tendência de prática do ciclismo, Henrique Pinheiro, trocou a profissão de designer gráfico por mecânico de bike moderna, cujo valor está acima de R$ 2.000,00, e já pretende abrir uma loja de peças de bicicleta. “Fiz uma escolha acertada porque minha renda triplicou”, disse. “Gosto e tenho prazer pelo que faço”.
Henrique Pinheiro já começa a observar mudanças, embora tímidas, na cena cotidiana. “Algumas pessoas já estão usando mais a bicicleta para ir trabalhar”.
Veja também
Ao ser convidado a integrar a equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (Nasf), o educador físico, Ambrósio Peixoto, incentivou um grupo de 20 homens, acima de 30 anos de idade, a fazer duas vezes por semana passeio ciclístico nas ciclovias da cidade. “Primeiro fizemos um trabalho de conscientização, educação para a saúde, mostrando os benefícios de saúde e de socialização de se pedalar de forma coletiva”, contou. “A ideia deu certo, as pessoas admiravam as pedaladas no início da noite”.
A partir do grupo do Nasf surgiram os outros dois e também moradores de forma individual ou em núcleos familiares aderiram ao ciclismo. No início da noite, passou a ser comum moradores pedalando, quebrando a cena cotidiana de ruas apenas com circulação de carros e de motos.