Poeta de 72 anos vende picolé para publicar suas poesias no interior do Estado

Erivaldo Alencar, em mais de duas décadas dedicados à arte, já publicou 17 livros de poesia, 75 cordéis e mais de 2.700 poemas, postados quase que diariamente no seu blog.

Escrito por Antonio Rodrigues , antonio.rodrigues@svm.com.br
Poeta e picolezeiro Erivaldo Alencar
Legenda: A renda diária de aproximadamente R$ 20 com a venda dos picolés, somada à sua aposentadoria, é utilizada para publicar suas poesias, que produz desde 1998
Foto: Wandemberg Belém

Com caneta e papel na mão, Erivaldo Alencar, de 72 anos, mesmo debaixo de sol escaldante, escreve seus versos para não perder a inspiração, que aparece de forma inesperada. Ao mesmo tempo, conduz um carrinho de picolé pelas ruas de Acopiara, na região do Centro-Sul cearense. A renda diária de aproximadamente R$ 20 com a venda das sobremesas, somada à sua aposentadoria, é utilizada para publicar suas poesias, que produz desde 1998.

O poeta e picolezeiro, em mais de duas décadas dedicados à arte, já publicou 17 livros de poesia, 75 cordéis, e mais de 2.700 poemas, postados quase que diariamente no seu blog

O destino traçado para Erivaldo parecia ser aquele muito comum para um rapaz nascido no interior do Estado. Aos cinco anos, trabalhava na roça e na lida com o gado, no Sitío Combueiro, distrito de São Paulino, em Acopiara. Com cerca de 20 anos, deixou a cidade como retirante para trabalhar em São Paulo. Voltou um ano após a empreitada, com saudades de casa. Já casado e pai de duas filhas, retornou à capital paulista para trabalhar em 1970,  

Após se divorciar, tratou de fazer o caminho de volta à terra natal levando na bagagem um diploma de um curso de eletrônica. Com ele, montou sua oficina onde trabalhou por 16 anos até voltar ao cabo da enxada. Com a força da idade e problemas físicos, largou a zona rural e foi morar na cidade. Desde 2002, percorre as ruas a pé vendendo picolé. 

Poeta e picolezeiro Erivaldo Alencar
Legenda: Deste total escrito, 2.240 poemas estão registrados no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro
Foto: Wandemberg Belém

Cultura popular no sangue

A cultura popular está na sua vida por herança, podemos dizer. Seu pai, Julio Aires Pereira  foi cantador de viola e nos seus versos sempre entoou a poesia sertaneja, as riquezas da terra. No entanto, Erivaldo só se descobriu poeta aos 49 anos de idade após decepção como desportista. 

Fundador da Liga Acopiarense de Futebol, onde foi três vezes presidente desta federação, deixou a bola de lado pelo papel e a caneta. “Fiz um compromisso com Deus que me mostrasse uma maneira de eu viver. Não pelo fator dinheiro, mas porque achava difícil me desligar do esporte. Pedi que me desse uma coisa que pudesse me afastar e que jamais iria me escandalizar. Viver de forma tranquila”, lembra. 

Poeta e picolezeiro Erivaldo Alencar
Legenda: Erivaldo Alencar publica seus poemas em um blog
Foto: Wandemberg Belém

Seu primeiro poema saiu de suas mãos no dia 10 de setembro de 1998. Desde então, o poeta não parou mais. No seu blog, contabiliza um a um. O último marca a contagem de 2.756 poemas.

Eu tô no meu trabalho ou andando na rua. No ônibus, viajando. Não importa. Quando a inspiração chega, sinto aquele toque. Então, já pego a caneta e uma folha de papel. Tenho que aproveitar, porque de repente a inspiração se afasta e para que ela retorne, às vezes, dá um tempo”
Erivaldo Alencar
Poeta e picolezeiro

Deste total escrito, 2.240 poemas estão registrados no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Algo que faz questão de fazer para garantir a autenticidade. Outro detalhe é que Erivaldo não vende seus livros. Quando visita uma escola em alguma palestra, faz questão de depositá-lo para seu acervo. Por isso, alimenta um sonho: “Meu maior desejo é viver do meu trabalho e que uma editora publique minhas poesias no meu nome”, reforça. Hoje, seus cordéis e livros saem do seu bolso, impressos em uma gráfica na vizinha cidade de Iguatu, ao custo da sua venda de picolés. 

Além do amor à poesia, ele carrega uma paixão pela literatura. No seu acervo, possui mais de 5 mil livros, além de jornais e revistas. Soma-se a isso aparelhos eletrônicos antigos, vinis, CD’s, DVD’s e outros itens. Todos eles conservados no que batizou de “Museuteca”, que fica na Rua Coronel José Nunes, 501, no bairro de Farias Brito, em Acopiara. Por causa da pandemia, a visitação está fechada. O espaço mantém também do seu bolso, já que paga aluguel. A poucos metros dali, mora com sua segunda esposa, Socorro. Os filhos continuam em São Paulo. 

Poeta e picolezeiro Erivaldo Alencar
Legenda: Erivaldo não vende seus livros. Quando visita uma escola em alguma palestra, faz questão de depositá-lo para seu acervo
Foto: Wandemberg Belém

Reconhecimento

Sua vizinha, a dona de casa Liduína Martins, conta que não conhecia o talento de Erivaldo. Sempre o viu como um simples vendedor de picolé até conhecer seu trabalho. “É uma coisa extraordinária. A gente vê a cultura dele. Muito inteligente. Ele tem que ser valorizado. Precisa ter uma chance. Isso valoriza nossa terra, nossa cultura”, acredita. 

O talento dele está sendo divulgado em um quadro chamado “Gente que faz”, da atual gestão Acopiara, que divulga atores da cultura e da história da cidade em alusão à comemoração do centenário do município, em setembro desde ano. Erivaldo foi um dos escolhidos. “Dentro das diretrizes, surgiu a ideia de trabalhar pessoas que constroem a história de Acopiara através do seu talento, sua arte, seu trabalho. Toda semana lançamos esses vídeos de profissionais informais, artistas da terra”, detalha a assessora de comunicação da prefeitura, Rayane Ferreira. 

Diante da dificuldade financeira e da história de superação de muitos destes artistas, a gestão está os direcionando para secretarias que desenvolvem políticas públicas. A ideia é ajudar o poeta, por exemplo. “São políticas que não visam só a visibilidade, mas incrementar a renda através da gestão”, detalha.

Poeta e picolezeiro Erivaldo Alencar
Legenda: Desde 2002, Erivaldo Alencar percorre as ruas de Acopiara vendendo picolé
Foto: Wandemberg Belém

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