Folia de Reis encena temas medievais nas ruas do Cariri

Escrito por Redação ,
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Até o dia 6 de janeiro, quando comemora-se o Dia de Reis, serão realizadas apresentações de reisados no Cariri

Crato As imagens coloridas do Reisado estão de volta aos terreiros das casas simples do sertão. De repente, guerreiros com danças e roupas medievais levam para as ruas a encenação dos romances de cavalaria, dos duelos sagrados entre mouros, cristãos e judeus, um espetáculo de arte e beleza que migrou da Península Ibérica para os palcos de chão batido do Cariri. É a Folia de Reis ou Reisado, um dos mais originais folguedos folclóricos mantidos atualmente.

À frente da caravana de guerreiros destaca-se o mestre Aldenir que, de espada em punho, comanda o exército de defensores do Menino Jesus contra a fúria dos soldados do Rei Herodes. Como herói dos filmes de espadachins, o mestre parte para a luta. Os gestos milenares, na interpretação do cineasta Rosemberg Cariry, perfuram os nossos corações pequenos.

Mestre Aldenir, segundo Cariry, não é apenas um mestre de Reisado, "é um príncipe, um fidalgo, de sangue real, reencarnado de dom Sebastião, o jovem rei que, segundo a mitologia portuguesa, perde sua vida em batalha". Ainda hoje, o sebastianismo sobrevive no imaginário popular, revivido pelo Mestre Aldenir que, na vida real, é também um fidalgo de tradicional família caririense.

Alto, magro, olhos azuis e educado, Aldenir Aguiar Callou perdeu no decorrer dos anos, o sobrenome Callou, de origem portuguesa, mas não perdeu a fidalguia. No comando de seus guerreiros ele se transmuda em rei. O mestre e o contramestre são as figuras mais importantes do Reisado e usam fitas cruzadas no peito, capas de renda e ombreiras para diferenciarem-se dos demais foliões.

O mestre é o regente do espetáculo. Utilizando apitos, gestos e ordens, comanda a entrada e saída de peças e o andamento das execuções musicais. A indumentária é adornada com muitos espelhinhos, bordados dourados e flores artificiais, de onde pendem fitas compridas de várias cores; saiote de cetim ou cetineta de cores vivas, até a altura dos joelhos, enfeitado com gregas e galões, tendo por baixo saia branca, com babados, blusa, peitoral, capa e meias vermelhas.

Como o próprio nome indica, o mestre ou embaixador tem que saber os versos tradicionais e também saber como improvisar outros, além de ser o responsável pelo grupo e pela maior parte das decisões, já que é um líder. Quando chega a uma casa onde está montado o presépio, é obrigatória a cantoria da anunciação do nascimento de Jesus, frente à representação popular da cena bíblica. Depois de "feita a obrigação", isto é, cantados os versos de fundo religioso, o mestre pode começar a improvisar, sobre temas sagrados ou não. Aldenir assume de corpo e alma o comando do Reisado.

No meio dos guerreiros ele se transforma em menino. Fora da ribalta sertaneja, o mestre lamenta a falta de apoio para manter o grupo. Os cachês, de R$ 200, em média, por apresentação, para dividir com 20 brincantes, não são suficientes para manter os integrantes, que são geralmente trabalhadores rurais, operários e estudantes. Muitas vezes, ele retira do salário que o Estado lhe paga como Mestre da Cultura parte do dinheiro para comprar as roupas.

Mestre Aldenir mantém três grupos folclóricos: o infantil, o de homens adultos e o feminino e masculino. Assim, fica mais fácil formar um grupo para apresentações não programadas. Fica mais fácil também, segundo o mestre, fazer a substituição. Ele justifica que a maioria dos brincantes estuda e trabalha. Ele diz que geralmente as mulheres, quando completam 15 anos, são as que mais desistem de brincar o Reisado.

MAIS INFORMAÇÕES
Casa do Folclore
R. Antonio Edson Gomes de Melo, 202 - Crato
(88) 3523.3583

Enquete
Participação

"O reisado é minha vida. Sinto-me muito feliz em poder participar do grupo sob o comando do Mestre Aldenir"
Lane Érica Gonçalves
Estudante
14 anos

"Quando eu crescer, eu também quero ser igual ao Mestre Aldenir, quero ser Mestre de Reisado no Cariri."
Tales da Silva Moreira
Estudante
7 anos


"A burrinha é meu companheiro de brincadeira no Reisado. Sempre gosto de participar da festa. É cultura."
Alana da Silva Santos
Estudante
9 anos

HISTÓRIA RELIGIOSA
Brincantes fazem reverência a sábios


Crato No Interior, o Reisado é uma dança do período natalino em comemoração ao nascimento do Menino Jesus e em homenagem aos Reis Magos: Gaspar, Melchior e Baltazar, que levaram ouro, incenso e mirra, que representam as três dimensões de Cristo (realeza, divindade e humanidade). O ponto alto da festa é o dia 6 de janeiro que, segundo a tradição católica, marca o dia para a veneração aos Reis Magos. Nesta data encerram-se os festejos natalícios, quando são desarmados presépios e as palhas queimadas.

Mestre Aldenir garante que as cinzas das palhas da lapinha são medicinais. O chá de cinzas é indicado no tratamento das dores de barriga, estômago e cabeça. "Eu mesmo já fiquei bom de uma dor de dente", afirma. "Afinal, aquelas folhas protegeram o Menino Deus".

Festa colorida

A característica principal do reisado está no uso de muitos adereços, trajes com cores quentes e chapéus ricamente enfeitados com fitas coloridas e espelhinhos. É composto de quatro a seis mascarados que dão vida, hilaridade e rebuliço à brincadeira. Eles também devem proteger o Menino Jesus e confundir os soldados de Herodes.

Acrobatas e declamadores representam os soldados perseguidores do Menino. O Reisado tem ainda rei, mestre-sala, alferes, a burrinha, o boi, o jaraguá, a arara, o caipora, a ema, entre outros personagens que podem aparecer, dependendo da região em que esta festa é realizada. Uma orquestra de violão, banjos, zabumba, triângulo, pandeiros, maracás e sanfonas animam os brincantes. Seus acordes servem de orientação às vozes e ordenam a evolução do espetáculo.

Solista e coro

A história narrada por intermédio de cantos é contada por um solista e um coro responde a ele uníssono por repetidas vezes. Os cânticos de chegada e de despedida são os mais belos da música folclórica nordestina.

Mas é na zona rural que o Reisado aflora em sua forma mais pura. Os brincantes batem de porta em porta brindando os amigos com sua energia e contagiante alegria, além do espetáculo que se constitui de uma peça teatral cantada, com entremeios cômicos. Depois, os integrantes do Reisado, em uma onda desordenada, vão espraiando-se pelas ruas. Versões mais modernizadas do evento acrescentam novas figuras ao seu culto secular. Reza um costume que, no Dia de Reis, deve-se escrever o nome dos três Reis Magos em um pedaço de papel branco e colocá-lo na porta de entrada da casa, para que haja durante todo ano, fartura, saúde e felicidade. O Dia de Reis também é conhecido como o Dia de Gratidão.

Uma das atrações do Reisado são os Mateus, espécies de palhaços, ou bobos da corte. As suas "momices" e caricaturas têm a intenção representativa de desviar a atenção dos soldados do rei Herodes da pessoa do Menino Jesus. Movimentam-se livremente. A presença deles tem fundo religioso: a conversão dos soldados de Herodes, o que, aliás, é comum nas Folias de Reis de outras regiões. Entretanto, ocorre a despeito da conscientização do aspecto religioso.

ORIGEM
Festa do Sol marca início do folguedo

Crato A Folia do Reisado tem sua origem primária na Festa do Sol Invencível, comemorada pelos romanos e depois adotada pelos egípcios. A festa romana era comemorada em 25 de dezembro (calendário gregoriano) e a egípcia em 6 de janeiro. No século III, ficou estabelecido que dia 25 de dezembro se festejaria o nascimento de Cristo e 6 de janeiro, Dia dos Reis.

O Reisado chegou ao Brasil por meio dos colonizadores portugueses, que ainda conservam a tradição em suas pequenas aldeias, celebrando o nascimento do Menino Jesus. Em Portugal é conhecido como Reisada ou Reseiro.

No Brasil, a festa é uma espécie de revista popular, recheada de histórias folclóricas, mas sua essência continua a mesma, com uma mistura de temas sacros e profanos. O Reisado é formado por um grupo de músicos, cantores e dançarinos que percorrem as ruas das cidades e até propriedades rurais, de porta em porta, anunciando a chegada do Messias.

Antônio Vicelmo
Repórter