Conselhos são baseados no Catolicismo

Escrito por Redação ,
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Para o padre Dermival Gondim, do Crato, este tipo de religiosidade dever ser vista com um pé atrás

Milagres A estrutura de apoio é simples: dois banheiros, bancos de alvenaria e uma trempe de potes com água para matar a sede dos presentes. Mais simples ainda são as pessoas que procuram o rezador Antônio Aristides dos Santos. São homens e mulheres sofridos, amargurados, que já percorreram os consultórios médicos à procura de um lenitivo, um conforto, uma consolação ou, ainda, uma palavra amiga.

Cada um dos pacientes tem uma história dramática para contar. Muita gente chega lá, na linguagem popular, com o "diabo nos couros". O rezador diz que estes pacientes chegam amarrados; se soltar, eles quebram tudo. Seu Antônio relata que manda o paciente se ajoelhar. De repente, ele se acalma e volta para casa bom. A alegria estampada nos olhos dos familiares dos ajudados é uma recompensa para o rezador, que executa o trabalho como um sacrifício santo.

Apesar de já ter sido acusado de "macumbeiro", o rezador explica que não tem nenhuma ligação com o Espiritismo ou com religiões afro-brasileiras. No seu santuário, não há imagens de entidades de Umbanda. Católico praticante, daqueles que vai à missa todos os domingos, o rezador fundamenta as rezas e conselhos nos princípios doutrinários da Igreja Católica.

Devoção

Mesmo sem saber ler, ele mantém uma Bíblia no altar da capela. Frequentemente, convida padres para celebrar missas em sua casa. No próximo dia 2, dia consagrado à Nossa Senhora das Candeias, ele vai promover uma celebração eucarística em seu santuário. Não perde a oportunidade de invocar os nomes dos santos, principalmente da Virgem Maria, nas suas súplicas feitas diariamente.

A exemplo da Igreja Católica, o rezador é também contra o aborto. Ele lembra uma de suas pacientes que apresentava um ferimento crônico na perna. Descobriu que aquela lesão foi causada por "crime" cometido por ela, ao praticar um aborto, sob a justificativa de que a família já era muito numerosa.

Casamentos

Os pacientes chegam ao santuário de Antônio com uma carga de problemas. Além de doenças que, para eles, são incuráveis, carregam também na alma os infortúnios da atualidade: o desemprego, os prejuízos financeiros, a violência, a falta de oportunidade, a desilusão e até desentendimentos conjugais. Um dos casos mais emblemáticos é da paraibana Francisca Elizabete, que já viveu com sete homens. Chegou ao Sítio Tabocas desiludida com o amor. Mas depois de conversar com o rezador, saiu de lá convencida de que valia a pena tentar mais uma vez. Deu certo. Hoje, ela vive feliz com o oitavo marido.

O rezador adverte que nem sempre é assim. Às vezes, ele aconselha o casal a se separar, sob o argumento que no meio de ambos existe um "bicho", referindo-se ao demônio que, segundo acredita, é o principal responsável pelas desavenças conjugais. "Com ele no meio, nada dá certo", adverte.

Confessionário

Para estes problemas, segundo o rezador, a conversa é outra. A capela se transforma num verdadeiro confessionário de lamentações, onde são depositadas todas as angústias de um mundo cada vez mais competitivo e marcado por frustrações, falências, brigas familiares, inveja, vingança e ódio.

Nestes casos, a cura, segundo o rezador, não depende exclusivamente da fé. A pessoa tem que mudar de atitude com relação à vida. Não adianta esperar deitado numa rede que o "milagre" aconteça. "A cura está associada à recuperação do seu estado físico e mental e, principalmente, da determinação da pessoa", aconselha o rezador.

Igreja

Para o vigário geral da Diocese do Crato, padre Dermival de Anchieta Gondim, este tipo de religiosidade popular dever ser vista com um pé atrás. A reza em pessoas é uma coisa antiga, vem dos tempos da Idade Média na Europa, e faz parte do catolicismo popular. Algumas vezes, teve a aprovação da Igreja e em outras foi combatida como superstição. "Existe muita exploração em torno do assunto", adverte o sacerdote, ressaltando que a oração em si é praticada pela própria Igreja.

Para os frequentadores do santuário, não existe exploração. Seu Antônio não recebe um tostão pelo seu trabalho. "No dia em que ele receber dinheiro, a reza não serve", diz o motorista José Freire da Silva, esclarecendo que sempre transporta pessoas para o Sítio Tabocas. Elas não pagam pelas rezas. "Aqui é pelo zero oitocentos", brinca o motorista, comparando o trabalho do rezador com o prefixo de ligação gratuita.

O único pagamento que Antônio recebe são santos e terços que são repassados para os clientes. Um parente seu, que é deficiente físico, vende por R$ 10,00 um DVD, com uma entrevista com o rezador, depoimentos de pacientes curados e uma missa, com duração de duas horas. O rezador vive da aposentadoria rural e da venda de queijos fabricados pela família numa pequena propriedade.

Menino inteligente

Nascido no Sítio Poço, município de Brejo Santo, Antônio Aristides dos Santos era considerado um menino inteligente. Com seis anos de idade, aprendeu a tocar sanfona. Fez parte de um grupo de forró que se tornou conhecido na região. Dividiu a música com o trabalho na agricultura familiar.

ATENDIMENTO
Fama de rezador se espalhou por toda a região

Milagres
Quando atingiu a idade adulta, Antônio Rezador gerenciou uma fazenda no comando de 80 trabalhadores rurais. Quando alguém aparecia se queixando de dor de dente ou dor de cabeça, ele rezava e mandava o reclamante de volta ao trabalho. "Todos eram curados", lembra ele. A fama do gerente de fazenda foi se espalhando pela região. De repente, moradores dos sítios vizinhos se deslocavam para a casa dele à procura de suas rezas. O atendimento aos clientes começou a prejudicar o seu trabalho.

Na década de 90, ele se mudou com a família para o Sítio Tabocas, no município de Milagres, onde reiniciou o trabalho agropecuário com mais tranquilidade sem, contudo, deixar de atender às pessoas que o procuravam para rezar.

Com o passar dos anos, as romarias aumentaram. Hoje, segundo afirma, recebe, em média, 100 pessoas por dia. Na sexta-feira são mais de 300 clientes. Com o aumento de visitantes e, consequentemente, de curas, ele construiu uma pequena capela ao lado de sua casa, com a ajuda de um empresário que se diz curado de uma moléstia com suas orações.

A fama do rezador ultrapassou os limites do Ceará. Está vindo gente dos Estados da Paraíba, Piauí e Pernambuco. Seu Antônio, que sempre se recusou a dar entrevistas, diz que perdeu o controle da situação. Por isso, resolveu falar na certeza de que, de agora por diante, não vai ter mais sossego.

Analfabeto, Antônio Aristides é capaz de passar horas a fios discorrendo sobre religião. Ele acompanha todos os assuntos discutidos na atualidade. Para ele, por exemplo, a gripe A é uma gripe comum. O radialista Jociano Melo, que produziu o DVD sobre o rezador, diz que muito mais forte do que as suas palavras são os depoimentos das pessoas que se dizem curadas. Melo gravou o depoimento de quase 50 pessoas convictas de que foram curadas.

Mediunidade

Para a comerciária Maria Ivanilde Oliveira, o trabalho missionário de seu Antônio, mesmo que ele não tenha consciência, ou não queira aceitar o seu poder mediúnico, é um caso característico de mediunidade.

Ivanilde, que é espírita kardecista, explica que "todos nós, uns mais outros menos, temos poderes mediúnicos, que podem ser utilizados para a prática do bem, no atendimento a espíritos sofredores e obsessores, no consolo aos aflitos de toda natureza e para alívio e cura de enfermidades do corpo e da alma".

No caso de Antônio, segundo informações, ele fundamenta seu trabalho na caridade que, para sua concepção, é a base de todas as religiões. "Sem a caridade, nada funciona", adverte o rezador Antônio.

Antônio Vicelmo
Repórter