O que dizem os deputados do Ceará sobre o PL que equipara aborto a homicídio
Desde a votação relâmpago que aprovou urgência do projeto, maioria dos deputados que se manifestaram é a favor da proposta
Objeto de polêmica entre congressistas, o projeto de lei 1904/2024, que equipara o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, poderá ir para votação no Plenário da Câmara dos Deputados já na próxima semana, após uma manobra do presidente da Casa, Arthur Lira (PP), que aprovou a urgência da matéria por meio de uma votação relâmpago, na quarta-feira (12).
Desde a última terça-feira (11), quando havia a expectativa de que a medida fosse apreciada pelos parlamentares, o Diário do Nordeste tem procurado todos os 22 deputados e deputadas que formam a bancada do Ceará para saber como pretendem votar em relação à medida. Até agora, apenas 11 parlamentares responderam à reportagem. A lista de posicionamentos será atualizada à medida que houver novas respostas.
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O texto quer alterar o Código Penal, que atualmente não pune as pessoas que realizam aborto em caso de estupro e não estipula um tempo máximo para o procedimento em casos do tipo. A legislação também não prevê punição para o aborto feito quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.
A votação que aprovou o requerimento de urgência aconteceu de maneira simbólica e sem que o nome do projeto fosse citado por Lira. Parlamentares não perceberam o que estava sendo apreciado.
Deputados e deputadas de PT, PSB, PCdoB e Psol, partidos que se opõem ao tema, protestaram contra a manobra, registrando no microfone que discordam da aprovação, que permitirá que o projeto vá para o Plenário sem passar pelas comissões temáticas.
Posições favoráveis
A proposição é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL), do Rio de Janeiro. Outros 32 políticos subscrevem o texto. A listagem de co-autores inclui uma parlamentar cearense, Dayany Bittencourt (União).
A relação de políticos favoráveis conta ainda com o deputado federal André Fernandes (PL), correligionário do autor do projeto. “Sou favorável”, afirmou, de maneira breve. Ele ainda comemorou o andamento da proposta: “Finalmente entrou em pauta. Essa é uma luta muito antiga”.
Quem demonstrou a mesma posição foi Dr. Jaziel (PL). “Eu voto a favor da urgência e do mérito”, adiantou. “É uma coisa que não tem sentido, porque acima de 20 semanas já não é mais aborto, é morte mesmo”, justificou o parlamentar, em seguida. “Não só votarei, mas já fiz várias falas defendendo esse posicionamento”, completou.
Fernanda Pessoa (União), que compõe a bancada feminina do Plenário Ulysses Guimarães, reforçou o coro dos que avalizam a proposição. “Irei votar a favor”, devolveu a cearense. A motivação que provocou seu apoio, ela argumentou, seria a defesa da vida. “Jamais votarei contra a vida”, disse.
Luiz Gastão (PSD) foi outro que não se absteve de falar como irá votar. “Sou a favor da aprovação do PL. Embora (esteja) em missão, estou acompanhando a possibilidade de ser votado”, disse o deputado na terça-feira, quando se cogitou a inserção da urgência da matéria na ordem do dia.
A reportagem não conseguiu falar com o deputado Matheus Noronha (PL), entretanto, quando questionada, a assessoria de comunicação do parlamentar comunicou que ele se posiciona de maneira favorável à proposição.
Deputado retificou posição
Nesta sexta-feira (14), após a veiculação da matéria, o deputado Eduardo Bismarck (PDT) contatou o Diário do Nordeste e afirmou que se equivocou ao se posicionar favorável ao projeto, em entrevista concedida na terça-feira (11).
Por telefone, no início desta tarde, Bismarck ressaltou que “não tinha as informações do projeto em profundidade” e que foi tomando conhecimento do teor da proposição ao passo que ela foi avançando na Casa Legislativa.
Em nota publicada em seu perfil nas redes sociais, o pedetista, que faz parte da base do Governo Lula, reforçou a postura alegada ao jornal mais recentemente e disse ser “a favor da vida, mas sobretudo, contra o abuso”.
“Acerca da declaração ao Diário do Nordeste, gostaria de informar que o meu posicionamento é contrário ao projeto, na condição lá proposta”, escreveu o parlamentar.
“Nosso ordenamento jurídico define situações específicas em que o aborto é considerado legal. Casos de abuso sexual, anencefalia, etc... estes devem ser respeitados e as mulheres jamais criminalizadas”, defendeu, comprometendo-se com o que está na legislação atualmente.
Opiniões não tão claras
Entre os cearenses que responderam aos questionamentos, apenas Idilvan Alencar (PDT) e Eunício Oliveira (MDB) não tiveram posições concretas como as dos demais colegas que já disseram apoiar o PL.
Idilvan apontou ser necessário ampliar a discussão sobre a proposta. “Não vi debate sobre este projeto”, acusou. “Fica difícil tratar uma mulher como homicida sem conhecer a sua realidade e as circunstâncias. Preciso conhecer e debater a proposta, ouvir as pessoas”, opinou.
Eunício, por sua vez, tratou a temática do aborto como um ponto pacífico no País. “Com relação a essa questão do aborto, eu já me posicionei, quando era presidente do Congresso, numa questão levantada pela ministra Rosa Weber (aposentada do cargo no Supremo Tribunal Federal desde 2023). Acho que isso é uma coisa já pacificada no Brasil. Não tem que mexer nisso”, pontuou.
“Pacificado no Congresso e, inclusive, na Suprema Corte. Quando respondi que estava pacificado, a Rosa Weber recuou e manteve a posição. Não vejo motivação para se mexer nisso”, complementou. Entretanto, sua última declaração foi no sentido de apoiar a nova regra: “O aborto já é crime. Com 22 semanas, claro que é crime”.
Indagado mais uma vez, Eunício esclareceu que não é contra o projeto. “Não é que eu sou contrário, eu disse que está pacificado”, reforçou. “Não sou a favor do aborto. O que não acho que a pessoa deveria esperar 22 semanas para poder fazer o aborto”, reclamou, ao se referir às vítimas de estupro.
Informado sobre uma decisão liminar recente do STF que demonstraria que o assunto não está “pacificado”, o emedebista devolveu: “Se o Supremo muda de posição, então não sei”. Na sua opinião, o Congresso Nacional deveria intervir na medida tomada pela Suprema Corte. “O que deveria fazer? Derrubar a posição do Supremo”, sugeriu.
Não souberam ou não quiseram opinar
Contatada, a equipe do deputado Domingos Neto (PSD) afirmou que “ele prefere falar dos temas que vem trabalhando na Câmara”.
Os demais integrantes da bancada do Ceará na Câmara também foram convidados a se manifestar sobre o assunto. Foram procurados os deputados AJ Albuquerque (PP), André Figueiredo (PDT), Célio Studart (PSD), Danilo Forte (União), Júnior Mano (PL), Leônidas Cristino (PDT), Mauro Filho (PDT), Moses Rodrigues (União) e Yury do Paredão (MDB).
Apesar das tentativas, nenhuma resposta foi enviada por eles até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto e o conteúdo será atualizado caso haja uma resposta.
Contrários ao projeto
Ainda na sexta-feira (14) e neste sábado (15), após a publicação desta matéria, três deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) - José Airton, Luizianne Lins e José Guimarães -, que não revelaram suas posições à reportagem quando perguntados, utilizaram seus perfis nas redes sociais para tornar pública a maneira como observam o projeto de lei 1904/2024.
Guimarães, que é líder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara disse considerar a questão como uma preocupação para a saúde pública. "Dos sertões do Ceará nas minhas caminhadas pelo Brasil e pelo Ceará, manifesto minha posição contrária a qualquer mudança na legislação sobre o aborto. É uma questão de saúde pública. Qualquer mudança é um retrocesso civilizatório", argumentou.
Segundo a liderança governista, sua postura tem sido defendida ao longo do período em que a matéria tramita na Casa. "Foi o que disse nas inúmeras reuniões de líderes sobre a urgência na votação do projeto de lei. Também deixei claro que não votaríamos o mérito desse tal projeto. O Brasil tem uma boa legislação sobre o tema. Qualquer mudança é um retrocesso", completou.
Luizianne, ainda na sexta, alertou sobre a gravidade da proposta. "É muito grave que o Congresso Nacional esteja na iminência de votar o PL dos Estupradores. Liderado por bolsonaristas, quer equiparar mulheres e meninas a homicidas", avaliou. "Precisamos unir forças para impedir tamanha barbaridade. Criança não é mãe e estuprador não é pai!", escreveu a petista em seu perfil no X, antigo Twitter.
No sábado, ela participou de um ato pelas ruas de Fortaleza para protestar contra o projeto de lei. As imagens da manifestação foram reproduzidas na sua conta no microblog. "Mulheres tomam as ruas de todo o Brasil contra o PL do Estupro! Projeto de Lei em regime de urgência na Câmara propõe pena maior (de homicídio) às mulheres e mães vítimas de estupro do que aos estupradores. Criança não é mãe e estuprador não é pai!", reforçou a ex-prefeita da Capital cearense.
José Airton, por sua vez, se direcionou aos seguidores respondendo esta matéria do Diário do Nordeste, que, na data de publicação, mostrou que o parlamentar se limitou a dizer que estava afastado da atividade legislativa em razão de uma licença médica, sem comunicar qual seria o seu voto.
"Tenho uma posição pessoal contra o aborto mas sou totalmente contra o Projeto de Lei 1904/2024, que equipara o aborto acima de 22 semanas a homicídio simples. Este projeto, além de ser um golpe contra os direitos das mulheres, desconsidera a complexidade das situações em que o aborto é atualmente permitido pela lei brasileira: casos de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia", esclareceu.
"Reitero meu compromisso com a defesa dos direitos das mulheres e das crianças. Sou enfaticamente contra o PL 1904/2024 e continuarei lutando contra qualquer medida que vise retirar os direitos conquistados com tanto esforço e sofrimento", finalizou José Airton.
Placar parcial de votação
Favoráveis ao projeto de lei:
- André Fernandes (PL)
- Dayany do Capitão (União)
- Dr. Jaziel (PL)
- Fernanda Pessoa (União)
- Luiz Gastão (PSD)
- Matheus Noronha (PL)
Contrários ao projeto de lei:
- Eduardo Bismarck (PDT)
- José Airton (PT)
- Luizianne Lins (PT)
- José Guimarães (PT)
Não deram respostas concretas:
- Eunício Oliveira (MDB)
- Idilvan Alencar (PDT)
Respondeu e não se posicionou:
- Domingos Neto (PSD)
Os demais congressistas foram contatados por intermédio das suas assessorias de imprensa e por meio dos seus contatos telefônicos, mas não responderam até a última atualização desta matéria.
Como o STF observa
A decisão recente da Corte, mencionada na conversa com o deputado Eunício Oliveira, foi proferida em maio deste ano. Na ocasião, o Alexandre de Moraes, determinou a suspensão de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem o procedimento de assistolia fetal em fetos com mais de 22 semanas em resultantes de estupro.
A técnica, feita em casos de aborto legal, consiste na injeção de uma substância que provoca a morte do feto para que depois ele seja retirado do útero da mulher. A resolução dificultava a interrupção da gestão, já que o método é considerado essencial para o procedimento.
O CFM recorreu e afirmou que o processo deveria ter sido distribuído ao ministro Edson Fachin, que já é relator de uma ação sobre o aborto legal e, na avaliação da entidade, tem preferência para julgar o caso. Moraes submeteu o recurso para análise dos demais ministros no plenário virtual, iniciado no dia 31 de maio.
Dois votos foram computados no caso do recurso, o de Moraes e o do ministro André Mendonça, fazendo com que o placar ficasse 1 a 1. Em seguida, o ministro Kassio Nunes Marques, do STF, pediu destaque. Assim, o processo que seria julgado virtualmente foi suspenso e agora será levado para o plenário físico. Ainda não há data para o julgamento acontecer.
Em 2012, ao julgar uma ação, o pleno do STF decidiu que a gestante tem liberdade para decidir se interrompe a gravidez caso seja constatada, por meio de laudo médico, a anencefalia do feto. O julgamento ampliou as exceções que permitem a realização do aborto que já constavam no Código Penal.