Vereadores do interior encontram dificuldades durante mandato

Parlamentares chamados de "políticos da base", pelo contato mais próximo com a população, reclamam da falta de recursos. Situação deixa legisladores reféns do Executivo ou vulneráveis a irregularidades

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Legenda: Câmaras de municípios com menos de 25 mil habitantes, como Tejuçuoca, têm poucos recursos
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Descrédito junto à população, falta de estrutura para conduzir o mandato e cobranças indevidas do eleitorado. Esses são alguns problemas que a maioria dos 2.176 vereadores do Ceará enfrenta no dia a dia. Segundo parlamentares ouvidos pelo Sistema Verdes Mares, a situação é mais crítica em municípios com repasses reduzidos de duodécimo (cota do orçamento), onde a quase totalidade dos legisladores atua de forma assistencial.

O presidente da União dos Vereadores do Ceará (UVC), Guto Mota (PSD), membro da Câmara Municipal de Tejuçuoca, assegurou que a maioria dos vereadores cearenses, aqueles de municípios pequenos, com até 25 mil habitantes, recebe um subsídio de, no máximo, 30% do salário dos deputados, algo em torno de R$ 5 mil a R$ 7 mil.

"A única fonte de renda é essa. Eles não têm motorista, assistência médica, não têm estrutura. O meu salário, de R$ 5,3 mil, para um trabalhador comum talvez seja bom, mas para mim, não chega sequer a pagar minhas contas", disse.

Devido a dificuldades financeiras que alguns parlamentares municipais enfrentam, a UVC tem auxiliado nas atividades de seus mandatos.

O orçamento mensal da entidade gira em torno de R$ 30 mil, bem abaixo daquilo que seria arrecadado pela Associação dos Prefeitos do Ceará (Aprece), que gira em torno de R$ 500 mil por mês.

Existe uma disparidade entre os valores repassados de duodécimo para as câmaras municipais do Ceará. Enquanto em Tejuçuoca o valor chega a R$ 130 mil, em São Gonçalo do Amarante, segundo informações da UVC, o repasse para os 13 vereadores da Câmara é de R$ 1,5 milhão.

Subordinados

"A maioria das câmaras não tem gabinetes, não tem outro tipo de recurso para além dos subsídios mensais dos vereadores", disse o presidente da UVC. Segundo ele, a falta de orçamento das casas legislativas contribui para que alguns parlamentares se corrompam ou fiquem subordinados ao prefeito do Município. "Se ele tivesse outro negócio, ele não se venderia".

Famosos "políticos da base", aqueles que recebem as primeiras demandas da população, e também as principais críticas, uma vez que, geralmente, se encontram no dia a dia das pessoas, vereadores ouvidos pelo Sistema Verdes Mares disseram que a sociedade confunde o trabalho do parlamentar, acreditando que os legisladores podem atuar como Poder Executivo.

"A população pensa que o Legislativo tem verba para cobrir o buraco da prefeitura. O povo acha que temos orçamento para comprar remédio, essas coisas. A gente faz porque acaba acostumando mal. Eu queria ser eleito sem precisar fazer assistencialismo, mas se for só por apresentar suas ideias, o cara não é eleito", disse Guto Mota.

Sem estímulo

Presidente da Câmara de Umirim, o vereador Toim Abençoado (PP) disse que está desestimulado e acredita que não tentará disputar mais um mandato. Vai voltar a trabalhar na Prefeitura, onde é funcionário concursado. "Estamos no terceiro mandato como presidente, e, nesses últimos anos, a Câmara sempre terminou o ano sem dez centavos em caixa. A gente não tem como colocar nem material de expediente no dia a dia", lamentou Abençoado.

O duodécimo da Câmara Municipal de Umirim gira em torno de R$ 140 mil, segundo disse o vereador. "Eu, particularmente, estou desestimulado para continuar. A vida pessoal vai embora, a dificuldade de gerir é muito grande, e a gente fica de mãos atadas", disse o parlamentar.

Queixa única

Todos os vereadores ouvidos foram uníssonos na máxima de que as primeiras cobranças da população são feitas a eles, uma vez que é o político mais próximo das pessoas. "A gente tem que aprender a viver psicologicamente, emocionalmente e até espiritualmente. Às vezes, qualquer coisa que vai para as redes sociais já denigre a imagem da gente para sempre", lamentou o vereador Abençoado.

Adauto Araújo (PSC), de Juazeiro do Norte, afirmou que já vive a tensão de ano pré-eleitoral. Único representante de seu partido na Casa, ele afirmou que, para se manter na Câmara, terá que migrar para outro partido.

Eranildo Fontenele (PDT), presidente da Câmara Municipal de Viçosa do Ceará, relatou outro entrave que alguns vereadores enfrentam: a de ser oposição à gestão municipal. "As nossas dificuldades são ainda maiores. Mal temos acesso aos secretários, e aí fica mais difícil de trabalhar". Lá o duodécimo está avaliado em pouco mais de R$ 265 mil.

Mulheres

Para além das limitações da função, as vereadoras sofrem mais que seus colegas de Parlamento. Pelo menos foi o que relatou a vereadora de Limoeiro do Norte Livia Maia (DEM), presidente do UVC Mulher, principal entidade que representa as 344 mulheres nas câmaras municipais do Ceará. "Os problemas que as mulheres enfrentam são inúmeros. O primeiro é o preconceito que encontramos". Lindalva (MDB), de Tabuleiro do Norte, em seu sexto mandato, afirmou que, mesmo com todas as intempéries da função, as mulheres não devem desistir do Parlamento.

Até em Fortaleza, com mais recursos, há reclamações. A vereadora Priscila Costa (PRTB) afirmou que a competência do parlamentar municipal é limitada, o que prejudica suas funções no dia a dia. "Somos os mais cobrados, os que estão na ponta, mais perto da dor. O vereador faz algo relevante todo dia, mas é pouco divulgado para a população".

Exceções à regra

Apesar de a maioria dos parlamentares do interior sofrer com dificuldades financeiras e de estrutura, algumas câmaras conseguem se manter sem problemas, como as de Juazeiro do Norte, na Região do Cariri, e Caucaia e São Gonçalo do Amarante, na RMF

Dificuldades na capital

O duodécimo da Câmara Municipal de Fortaleza gira em torno de R$ 14,8 milhões, mas ainda assim, o presidente da Casa, Antônio Henrique (PDT), afirmou que também há dificuldades na condução dos trabalhos. "A dificuldade no trabalho do vereador ocorre exatamente quando ele tenta resolver os problemas da população, o que não é o papel dele".