Trocas na bancada federal cearense expõem contrastes ideológicos
O Ceará inicia o ano legislativo com mudanças de representantes que podem ter impacto direto na atividade parlamentar. Trocas com posicionamentos distintos em Brasília, porém, devem ser reduzidas a partir das próximas legislaturas, com o fim das coligações proporcionais válido desde 2020
A dança das cadeiras entre titulares e suplentes é prática comum no Parlamento. Por vezes, acomoda interesses e ideologias dentro de um mesmo grupo político, mas não é sempre que isso acontece. Nos próximos dois anos, porém, com o fim das coligações proporcionais, será possível observar um fenômeno que tende a diminuir após as atuais legislaturas na Câmara dos Deputados e nas assembleias estaduais: a troca de deputados com histórico e posicionamentos distintos. Até lá, a bancada cearense no Legislativo federal retomará os trabalhos, em fevereiro, com ao menos três mudanças em sua composição.
A mais nova troca ocorrerá nesta semana: Aníbal Gomes (DEM), suplente de uma coligação de seis partidos, assume a vaga de Mauro Filho (PDT), que se licencia para assumir a Secretaria do Planejamento e Gestão do Estado (Seplag). Além desta, desde o último dia 10 de dezembro, Danilo Forte (PSDB) substitui, em definitivo, Roberto Pessoa (PSDB), empossado prefeito de Maracanaú. No dia 21 também do mês passado, Gorete Pereira (PL), suplente de uma coligação com seis legendas, assumiu, interinamente, a vaga de Luizianne Lins (PT), licenciada por 120 dias para cuidar da tese de doutorado.
O risco das mudanças entre nomes divergentes politicamente, porém, deve ser menor na próxima legislatura com o fim das coligações para eleições proporcionais, válido a partir do pleito de 2020 para vereador. A regra impedirá que partidos diferentes, e possivelmente com acentuadas diferenças, somem, juntos, votos para eleger candidatos das legendas coligadas.
Contradições
Especialistas apontam, na atuação dos suplentes, diferenças perceptíveis ao eleitor, que pode ter, na prática, distorcida a vontade política do voto. “Luizianne e Gorete são de partidos, de ideologias e de trajetórias completamente diferentes. Mauro Filho e Aníbal também”, exemplifica cientista político e professor universitário Cleyton Monte. “Talvez um pouco mais próximos sejam o Danilo e o Roberto Pessoa”, analisa ele, que considera que as trocas “bagunçam o processo democrático”.
“Esses 120 dias podem ser decisivos, porque vai ter, por exemplo, a eleição da Mesa Diretora, e a Gorete provavelmente pode ter um posicionamento diferente do da Luizianne”, observa o pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC).
Também pesquisador do Lepem, o cientista político Emanuel Freitas avalia que, com as mudanças, o candidato apoiado por Jair Bolsonaro (sem partido) na disputa pela Presidência da Câmara, Arthur Lira (PP), deve sair ganhando. “O Danilo Forte sempre foi mais ligado à pauta da direita e à atuação do Centrão, então não diferirá muito o voto que ele provavelmente dará e o que o Roberto Pessoa daria. E a Gorete também, que apesar de ter feito parte da base de apoio do Lula e da Dilma, sempre foi uma deputada cuja atuação tendeu mais para esse espectro do Centrão, o que faz com que a bancada cearense deva garantir mais votos ao candidato do Bolsonaro, em vez do candidato do Rodrigo Maia (Baleia Rossi, do MDB-SP)”, projeta.
Atuação
Depois de já ter assumido interinamente por 120 dias, entre junho e outubro, enquanto Roberto Pessoa cuidava da campanha, Danilo Forte agora tem metade de um mandato em definitivo, o que, para ele, muda o perfil de atuação.
“Agora você pode fazer um trabalho de longo prazo, você vira um membro definitivo das comissões temáticas, você pode ter uma longevidade para relatar uma matéria mais profunda. Você passa a ser reconhecido de forma diferenciada, e o próprio sistema funcional da Casa permite ao efetivo certas regalias que o suplente não tem”, explica o parlamentar, que coloca como “prioridade zero” recuperar o auxílio emergencial e agilizar a vacina contra a Covid-19.
Já Gorete Pereira não terá tanto tempo para colocar em prática suas prioridades, mas tem nas mãos uma oportunidade pela qual vinha brigando desde o ano passado, quando tentava, sem sucesso, articular sua saída da suplência junto ao governador Camilo Santana (PT), que, sem entendimento na bancada, acabou nomeando a aliada como assessora de Relações Institucionais da Casa Civil. Agora, Gorete, que é de centro-direita, ocupa a vaga de Luizianne, deputada de esquerda.
“Vou lutar principalmente para que a Câmara vote as medidas necessárias, como são as reformas, que é incrível não terem sido votadas, principalmente a reforma tributária”, afirma. Ela também cita como prioridades a articulação da instalação de um porto seco no Ceará e a aprovação da Medida Provisória 1.016/2020, que permite a renegociação de dívidas de empresas com bancos de fundos constitucionais, como o Banco do Nordeste.
Outras mudanças
Já no início desta semana, Mauro Filho também se licencia da Câmara. Aníbal Gomes, que embora em junho do ano passado tenha sido condenado a 13 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, assume pela segunda oportunidade a cadeira do pedetista, pois ainda cabe recurso.
A substituição deve ensejar uma mudança no perfil da Casa, que perde a atuação técnica de Mauro Filho na área econômica. Ele afirma que se licencia com sensação de “dever cumprido”, após relatar proposta de ajuste fiscal para estados e municípios (com redefinições para gastos com pessoal, despesas correntes, prioridades de investimentos, entre outros pontos) para 2021 e conseguir aprovar e enviar ao Senado projeto de sua autoria que libera R$ 168 bilhões de fundos federais para o caixa direto do Governo.
“Com essa medida, o Governo vai diminuir a velocidade de crescimento da dívida pública brasileira, que é o fator de maior desconfiança para os investidores”, frisa.
Eleições
Outras trocas entre titulares e suplentes, motivadas pelas eleições municipais, também marcaram o último ano legislativo na bancada cearense. Em julho de 2020, Vaidon Oliveira (Pros) se licenciou por 120 dias para dar lugar a Deuzinho Filho, que hoje está no Republicanos, mas se candidatou em 2018 pelo Pros. A ideia era fortalecer a chapa encabeçada por Vitor Valim (Pros), que foi eleita para a Prefeitura de Caucaia, com Deuzinho como vice-prefeito.
Por ser apenas o terceiro suplente da coligação, ele teve que contar com articulação que fez Agripino Magalhães e Julierme Sena, primeiro e segundo suplentes, declinarem de assumir. Dr. Agripino assumiria no mês seguinte, mas a cadeira de Capitão Wagner (Pros), que se licenciou para cuidar da campanha na Capital. Também em agosto, Domingos Neto (PSD) se licenciou por 120 dias para dar lugar a Ronaldo Martins (Republicanos), como parte de acordo que envolvia o apoio à reeleição de Ednaldo Lavor (PSD) no município de Iguatu.
Rotatividade na Assembleia
Na Assembleia Legislativa do Estado, cinco prefeitos eleitos deram lugar a suplentes, que tiveram efetivadas vagas anteriormente ocupadas de forma apenas provisória, durante licenças dos titulares. Com a saída de Sarto Nogueira (PDT) para a Prefeitura de Fortaleza, Manoel Duca (PDT) ocupa cadeira em definitivo. Segundo suplente da coligação, Duquinha vinha sendo constantemente beneficiado por licenças de colegas, como Fernando Hugo (PP), Bruno Pedrosa (PP), Leonardo Pinheiro (PP) e Tin Gomes (PDT).
Com a eleição de Nezinho Farias (PDT), o primeiro suplente Lucílvio Girão (PP), que já vinha ocupando cadeira de Zezinho Albuquerque (PDT), nomeado secretário das Cidades, passa a ser titular. Tony Brito (Pros), anteriormente contemplado por licença de Soldado Noélio (Pros), também assumiu em definitivo, com a eleição de Vitor Valim (Pros) em Caucaia. Já Bruno Gonçalves (PL) mais uma vez deu lugar a Gordim Araújo (Patriota), só que agora em definitivo, pois foi eleito prefeito de Aquiraz. E Davi de Raimundão (MDB), que já ocupou cadeiras de Danniel Oliveira (MDB) e Leonardo Araújo (MDB), agora ocupa a vaga de Patrícia Aguiar (PSD), empossada em Tauá.
Fato é que os próximos dois anos devem ser os últimos com tanta rotatividade nos parlamentos federal e estaduais. Segundo Cleyton Monte, os acordos para garantir mandatos de suplentes devem ser menos frequentes nas próximas legislaturas. “É quase que uma tradição no Legislativo brasileiro, mas, com o fim das coligações proporcionais, isso deve ser reduzido significativamente”, afirma o cientista político. Já Emanuel Freitas observa que o fim das coligações tende a fortalecer grupos políticos dentro dos partidos. “Esses grupos podem ser fisiológicos, familiares, regionais e também ideológicos, mas não necessariamente a ideologia em si sairá fortalecida com o fim das coligações”, pondera.