O que dizem deputados federais do Ceará sobre a troca de comando nas Forças Armadas e em ministérios
Deputados cearenses contrários ao presidente afirmam que reformas são sinal de enfraquecimento. Já aliados de Jair Bolsonaro apontam mudanças como naturais
A troca de nove comandos ministeriais e militares feita em menos de 24 horas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acendeu um alerta na política nacional. Na bancada federal cearense, parlamentares da oposição avaliam as mudanças como um enfraquecimento do chefe do Executivo nacional e um mergulho mais profundo em uma crise institucional. Já entre deputados do Ceará mais alinhados ao presidente, as demissões e nomeações são vistas como naturais.
A saída do ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, foi a ação que efetivamente deflagrou a crise militar. Nos bastidores, deputados afirmam que a demissão ocorreu porque o oficial resistiu em fazer demonstrações contundentes de apoio das Forças Armadas ao Governo Bolsonaro. “Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, sinalizou o general em nota oficial.
Mudanças nos comandos
A demissão de Azevedo, na segunda-feira (29), foi seguida da troca de comando na Casa Civil, agora sob responsabilidade do general Luiz Eduardo Ramos. A Defesa será chefiada pelo general Braga Netto.
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Bolsonaro anunciou ainda a nomeação como chanceler de Carlos Alberto Franco França e da deputada Flávia Arruda (PL), como secretária de Governo. André Mendonça retornou à Advocacia-Geral da União (AGU). Em seu lugar, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi nomeado Anderson Gustavo Torres.
“Tanto faz trocar dez, cem ou mil membros do governo, nada vai mudar. A crise tem cara, endereço, DNA e nome: Jair Messias Bolsonaro”, disse o deputado federal José Guimarães (PT). Para ele, os movimentos mais “perigosos” feitos pelo presidente ocorreram nesta terça-feira (30).
Em meio à crise instaurada pela troca de comando do Ministério da Defesa, Edson Leal Pujol, Ilques Barbosa e Antônio Carlos Bermudez, comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, respectivamente, deixaram os cargos.
“A tentativa de transformar a morte de um policial (na Bahia) em um motim, incentivado pela (deputada federal) Bia Kicis, as ameaças aos governadores e essas intervenções são manifestações a uma base que entende como única linguagem a violência e o golpismo”, acrescentou Guimarães.
Para ele, "há uma ameaça explícita de golpe". "Está em curso, dentro do bolsonarismo, uma tentativa de golpe, de romper pactos constitucionais do Brasil. Pelas várias manifestações que vimos nos últimos dias, não é nem velada, é uma ameaça transparente", concluiu.
Tensionando ainda mais o cenário político, o recém-empossado ministro da Defesa, Braga Netto, em seu primeiro ato público, divulgou um texto em que defende o golpe militar de 31 de março de 1964, o que chamou de "movimento". "As Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País", disse.
Mudanças naturais
Com uma avaliação mais cautelosa do cenário nacional, o deputado federal Danilo Forte (PSDB) afirmou que as mudanças ministeriais são “naturais”. “No Brasil, virou tradição essas mudanças na segunda metade do mandato. A expectativa é de que seja para melhorar a gestão neste momento tão difícil”.
Para o tucano, o risco de ruptura apontado pela oposição não existe. “A democracia no Brasil está muito bem consolidada e o papel das Forças Armadas também está muito claro na Constituição. Quem ousar quebrar a hierarquia das Forças Armadas pode se arrepender, porque terá muitos problemas. Alguns tentaram e não conseguiram. O Brasil não é uma republiqueta”, ponderou.
A percepção das mudanças como naturais é compartilhada pelo deputado federal Dr. Jaziel (PL). “São pessoas que estão em funções passageiras. Alguns ficam muito tempo, mas depende do momento. Às vezes, até podem estar trabalhando bem, mas se desgastam e precisam ser mudados”, sustentou.
Para o deputado, os riscos de uma ruptura democrática são baixos no Brasil. “Temos governos tranquilos, não temos precedente de violência, então acredito que isso continue”, disse.
Dr. Jaziel, contudo, fez ponderações diante dos alertas apontados por deputados da oposição. “Não podemos ter nenhuma forma de opressão, seja das Forças Armadas, seja do Judiciário, dos governadores ou do presidente. Não quero totalitarismo para lado nenhum, não adianta querer botar em um envelope e dizer que é por conta da pandemia, seja de que lado for, não podemos aceitar”, disse.
Mobilização nacional
Ainda nesta terça-feira, deputados frustraram uma tentativa de aliados do presidente de aumentar os poderes de Bolsonaro. A ideia do líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo, era colocar em votação no plenário um projeto de lei que daria ao chefe do Executivo nacional a possibilidade de acionar um dispositivo chamado “mobilização nacional”.
Na prática, o mecanismo permitiria ao presidente interferir na produção, comercialização e distribuição nacional de bens e serviços, além de convocar civis e militares para ações determinadas pelo Governo Federal. Atualmente, a medida só é permitida em caso de agressão estrangeira.
O deputado André Figueiredo (PDT) foi um dos que rechaçaram a proposta. “A ideia deles era entregar todo esse poder a esse presidente. Felizmente, todos os líderes demonstraram repulsa”, disse. Na avaliação do pedetista, o Governo Federal está "perdido".
“Todas essas mudanças ministeriais e nas Forças Armadas refletem o desgoverno que estamos enfrentando. Não temos um presidente com capacidade de aglutinar em torno dele pessoas que cumpram missões, porque nem ele sabe as missões que quer dar. As mudanças nas Forças Armadas são um risco, temos que ficar observando, não vemos espaço para atentados à liberdade democrática. As Forças Armadas servem ao Estado, não ao governante de plantão”, disse.
Conjuntura nacional
De acordo com o cientista político Josênio Parente, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), as trocas ministeriais e as demissões nos comandos das Forças Armadas indicam uma mudança de rumo do Governo Federal.
Segundo ele, a saída do ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, representou uma derrota do núcleo ideológico e mais fiel de aliados do presidente. “Ele aproveitou e fez outras mudanças em áreas onde já havia desgaste, como é o caso da Defesa, que tinha uma postura mais moderada”, disse.
“Sem dúvida, as reformas e as palavras usadas para anunciá-las mostram um interesse por uma possibilidade de um golpe, mas ele não tem condições. Golpe não é só questão de querer. Depende de conjunturas nacionais e internacionais, além de apoios, que ele (Bolsonaro) não tem. Qualquer tentativa de golpe nessas condições resultará numa queda imediata do presidente”, apontou.