MPCE investiga suspeitas de propaganda antecipada na pandemia

Em meio à pré-campanha, promotores já instauraram 89 procedimentos para apurar possíveis casos de ilicitudes. Destes, pelo menos 12 estão relacionados a ações assistenciais de gestores municipais diante da crise sanitária no Ceará

Escrito por Flávio Rovere ,
Legenda: Na pandemia, o MPCE tem recebido denúncias relativas a eleições pela internet
Foto: Thiago Gadelha

No dia 27 de setembro, tem início a propaganda eleitoral, com os 45 dias decisivos que antecedem o pleito, normalmente marcados por comícios, caminhadas, carreatas e debates, atos que, neste ano, até o dia da eleição, ainda devem ser alvo de muitas discussões, políticas e jurídicas, no contexto da pandemia e das normas sanitárias exigidas por ela. A disputa pela preferência do eleitor, porém, já está a pleno vapor durante o período de pré-campanha, o que tem acendido o sinal de alerta dos órgãos de fiscalização. O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) já instaurou, até o momento, 89 investigações de possíveis casos de irregularidades eleitorais - pelo menos 12 relacionados a ações voltadas à pandemia.

O número foi informado pelo promotor de Justiça Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel). Com o acirramento entre grupos políticos, tem sido frequente a circulação, nas redes sociais, de vídeos denunciando atos supostamente ilegais em período de pré-campanha, principalmente no interior do Estado. Entre os registros, a caminhada de um prefeito, que lideraria apoiadores aglomerados atrás de um carro de som; em outro município, a distribuição de um "kit merenda escolar" é denunciada por supostamente tentar promover a imagem do gestor municipal; outro vídeo, com direito a música promocional, mostra pré-candidato cumprimentando pessoas de porta em porta, enquanto distribui agrados.

O período de pré-campanha passou a ser ainda mais valorizado desde que a Reforma Eleitoral de 2015 reduziu a campanha eleitoral pela metade e tornou menos restritivos os atos de pré-candidatos, que podem falar abertamente sobre a pretensa candidatura, promover qualidades pessoais e até falar sobre os projetos que pretendem implementar, sem que haja pedido explícito de voto. Há, entretanto, uma série de outras condutas vedadas a gestores públicos e também a pré-candidatos que não exercem mandato.

Crise

No Ministério Público Estadual, as investigações instauradas resultam da abertura dos chamados Procedimentos Preparatórios Eleitorais (PPEs). Além das condutas vedadas aos gestores, como o uso de bens e serviços para promoção pessoal (punível com cassação de registro ou diploma), e atos proibidos a qualquer candidato também durante a campanha, como "showmícios", distribuição de brindes e uso de outdoor (ou qualquer propaganda gráfica superior a 4m², que configure o chamado "efeito outdoor"), o período de pré-campanha impõe outros limites. A multa para propaganda antecipada pode ir de R$ 5 mil a R$ 25 mil.

A limitação mais clara trazida pelo artigo 36-A da Lei de Eleições é o chamado "pedido explícito de voto", com o uso da expressão "vote em" ou equivalentes. Segundo Emmanuel Girão, qualquer ato que gere custos também pode ser considerado ilegal.

"O candidato só pode arrecadar dinheiro e fazer gastos depois que ele solicitar o registro, que agora vai ser no dia 26 de setembro, tirar um CNPJ e abrir uma conta bancária. Enquanto ele não fizer isso, não pode arrecadar nem gastar, porque não vai ter como prestar contas. Admitir gasto com a pré-campanha seria uma oficialização do caixa 2".

Diante dessa interpretação, o promotor explica que o Ministério Público tem estado atento a estratégias pré-eleitorais usadas na internet, como os "alôs" em "lives" de cantores famosos, que seriam equivalentes aos "showmícios", explicitamente proibidos.

'Lives'

"Se você conseguir provar que o candidato pagou, patrocinou a 'live', não poderia. Às vezes o artista diz 'não, eu fiz de graça, porque ele é meu amigo', só que isso é o que a Justiça Eleitoral chama de doação estimável. Se o cara é um cantor famoso e cobra 15 mil para fazer um show em uma casa, e ele é meu amigo e vai na minha casa de graça, se eu sou candidato, tenho que colocar que ele doou para mim o cachê dele", explica Emmanuel Girão, que afirma que as investigações também miram frequência e espontaneidade dos "alôs".

Outra questão que envolve a propaganda na internet é o chamado impulsionamento de conteúdo, quando se paga a uma rede social para que uma postagem chegue a determinado número de pessoas sem que elas busquem espontaneamente a informação. O artigo 36-A permite manifestações de pré-candidatos em entrevistas de rádio e TV, e pela internet, mas o entendimento do Ministério Público é de que o impulsionamento também não é permitido. "A gente entende que o impulsionamento não pode porque é gasto", diz Emmanuel Girão.

No que diz respeito diretamente a ações relacionadas à pandemia, o MPCE investiga propaganda eleitoral antecipada e uso de publicidade institucional para promoção pessoal de gestores públicos em 20 municípios: Acopiara, Aracati, Banabuiú, Beberibe, Catarina, Cedro, Choró, Forquilha, Fortim, Ibaretama, Icapuí, Icó, Ipu, Milagres, Orós, Pires Ferreira, Quixadá, Quixelô, Sobral e Umari.

Segundo o promotor de Justiça Élder Ximenes, que coordena o Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP), a prestação de serviços essenciais tem sido usada, por vezes, de forma personalista, para fortalecer a imagem de pré-candidatos.

Impessoalidade

"Houve muitas políticas assistenciais, de distribuição de cestas básicas, para as pessoas conseguirem ficar em casa, de distribuição equivalente a merenda escolar, a vale-gás, para ajudar as pessoas a sobreviverem, já que todo mundo teve queda de arrecadação, de salário. Mas quando o gestor associa essa política pública à imagem dele, que está se recandidatando, ou à imagem de um futuro candidato, comete uma ilicitude eleitoral".

"A gente não briga com o que é legitimamente relacionado ao enfrentamento à pandemia. Tem que ajudar o povo, mas de uma maneira impessoal, como um serviço da Prefeitura, do município. Mas já ouvi histórias de que havia gente distribuindo itens já com a fotografia do gestor", completa Élder Ximenes.

O promotor atenta, ainda, para a criação, em ano de eleição, de serviços que não estão previstos no Orçamento Municipal. "Está chegando perto da eleição, aí o prefeito cria vários programas para distribuir coisas para a população, que só vão durar até o dia da eleição. Aí ele está burlando (a legislação). Porque se você tem orçamento e estrutura para prestar um serviço à população, você tem que prestar sempre. Você não pode inventar uma política sem mais nem menos", explica.

Divergências

O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) tem se mobilizado na internet para tirar dúvidas a respeito da legislação, mas no que diz respeito à propaganda eleitoral antecipada, ainda há divergências de interpretação entre a Justiça Eleitoral e o Ministério Público em relação à pré-campanha.

É o que diz o assessor jurídico da presidência do Tribunal, Caio Guimarães. "O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nos últimos julgamentos, definiu como possível o gasto em pré-campanha, porque nas próprias palavras do TSE é impossível fazer pré-campanha sem gastar algum dinheiro", afirma.

Segundo Caio Guimarães, o TSE tem admitido o que chamou de "gasto moderado" durante a pré-campanha. "Gasto, por exemplo, com pequenos adesivos, gastos com a locação de uma caixa de som, ou para mandar fazer um pequeno site de pré-campanha, esses gastos podem ser considerados moderado. Distribuição de adesivos, em pequena e média quantidade, consideram gasto moderado". O assessor jurídico traz uma interpretação abrangente do artigo que trata da pré-campanha. "Os pré-candidatos podem fazer atos de pré-campanha tais como carreatas, caminhadas e carros de som, contanto que respeitem as condições sanitárias do município e que não usem pedido explicito de voto", explica.

Embora afirme que, na pré-campanha, seja possível fazer tudo que é permitido na campanha, apenas com a observância de não pedir votos explicitamente e de respeitar o "gasto moderado", o assessor jurídico admite diferentes interpretações para o termo, a serem avaliadas caso a caso pela Justiça Eleitoral. "Como o termo gasto moderado é um termo vago, há uma grande possibilidade de os pré-candidatos incorrerem primeiro em abuso de poder econômico, que é grave, gravíssimo, que é você fazer com que o gasto influencie no resultado daquela eleição, e também no uso de caixa 2", conclui.

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