Eleição direta para comando de tribunais divide magistrados no CE

Durante visita do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, a Fortaleza, juízes cearenses buscaram articular apoio a uma PEC em tramitação no Congresso Nacional que amplia a participação de magistrados nos processos de escolha

Escrito por Letícia Lima ,
Legenda: A tradição é que apenas os membros mais antigos das Cortes estaduais escolham o presidente, o vice e o corregedor a cada troca de mandato
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Durante visita do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, a Fortaleza, nesta semana, juízes cearenses abordaram o magistrado para articular apoio a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), em tramitação na Câmara Federal, que estabelece eleição direta nos tribunais estaduais. Em meio a resistências no Poder Judiciário, eles tiveram uma negativa do presidente da Suprema Corte, mas a pauta tem sido levantada entre operadores do Direito.

É tradição em quase todos os tribunais de Justiça do País que apenas os membros mais antigos da Corte escolham o presidente, o vice e o corregedor. A ideia, que voltou a ser discutida por magistrados, é que as eleições sejam diretas, ou seja, que todos os juízes com ao menos dois anos de carreira participem da escolha da direção dos tribunais, exceto da corregedoria.

A mudança na escolha da presidência dos tribunais de Justiça está na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 187, de 2012, em tramitação na Câmara Federal, de autoria do deputado Wellington Fagundes (PL). A proposta, chamada de "PEC de Democratização do Judiciário", foi aprovada nas comissões ainda em 2015 e, desde então, aguarda ser levada a plenário.

Segundo o texto, os cargos de presidente e vice dos tribunais estaduais passariam a ser eleitos por maioria absoluta de todos os magistrados vitalícios com, no mínimo, dois anos de atividade, e não só os desembargadores. As eleições diretas não seriam aplicadas ao STF, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais Regionais Eleitorais.

A PEC não mexe com a regra de que somente membros mais antigos da Corte podem concorrer aos órgãos de direção. O autor da proposta argumenta que a "rigidez" nas regras de eleições dos tribunais "faz com que não haja qualquer debate ou compromisso sobre os rumos administrativos do Poder Judiciário". Segundo o parlamentar, a participação dos juízes de primeiro grau é importante, porque eles têm contato com as "partes e seus patronos", o que poderia ampliar a "eficiência" do Poder Judiciário.

Resistências

A proposta de eleições diretas, no entanto, enfrenta resistências internas. Na última quinta-feira (25), o assunto foi levado por juízes cearenses ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, durante visita dele ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Toffoli não se posicionou a favor nem contra a proposta, disse apenas que ela deve ser "amadurecida".

O presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), juiz Ricardo Alexandre Costa, avalia que a resistência à proposta na cúpula dos tribunais se deve à concentração maior de recursos e de estrutura nas cortes de segundo grau.

"Na prática, os tribunais de segundo grau são bem equipados e os de primeiro grau sempre relegados a segundo e terceiro planos. Queremos votar, para que possamos ter o compromisso dos eleitos de buscar uma atenção maior para o primeiro grau. No momento em que há uma concorrência por apoio de um candidato, a gente pode pedir estrutura de trabalho", citou.

Ricardo Costa é um dos coordenadores da comissão de estudo sobre a eleição direta, na Associação Brasileira de Magistrados (AMB). Os integrantes da comissão fazem o corpo a corpo com deputados para desemperrar a PEC.

Até o momento, apenas o Tribunal de Justiça de Roraima realiza eleições diretas - a primeira aconteceu em 2016. Segundo o presidente da Associação dos Magistrados do estado, juiz Renato Albuquerque, que também integra a comissão na AMB, o pleno da Corte de Roraima aprovou a mudança por unanimidade.

"A resolução trouxe parâmetros sobre quem poderia ser candidato (a presidente e vice), quem poderia votar, como poderia ser a forma da eleição. A partir da primeira eleição direta, houve uma democratização da gestão. O que se percebeu foram vários juízes, participando de forma mais ativa da gestão, coordenando mais grupos de trabalho. Houve ampliação da participação dos juízes na gestão do Tribunal", avaliou.

Questionamentos

No Ceará, segundo o juiz Ricardo Costa, o Tribunal de Justiça do Estado iniciou uma discussão para replicar o modelo de Roraima, durante a aprovação do Regimento Interno, mas não avançou. A assessoria de comunicação da atual gestão do TJCE foi procurada, mas a Corte não se posicionou sobre o assunto.

Para o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará (UFC), Felipe Braga, possível mudança na eleição da presidência de tribunais estaduais deve partir do Poder Judiciário, e não do Legislativo. Isso porque, frisa ele, a restrição na escolha dos órgãos de direção é um dispositivo da Lei Orgânica da Magistratura. Ele alerta que a proposta pode ser alvo de questionamentos jurídicos.

"O artigo 93 da Constituição diz que compete ao Supremo Tribunal Federal dispor sobre o Estatuto da Magistratura. Para mim, teria que ser uma lei complementar da iniciativa do STF. O Poder Legislativo questionando a democratização de diversos outros órgãos poderia levantar a questão: por que não o Judiciário? Mas é que a constitucionalidade disso (da proposta) pode ser questionada, por ser uma matéria de organização interna do Judiciário".

Maior participação de magistrados?

Na PEC apresentada à Câmara dos Deputados, Wellington Fagundes sustenta que apenas cerca de 15% da magistratura, seja estadual, trabalhista ou federal, possuem o direito de eleger os presidentes dos seus respectivos tribunais.

Neste contexto, ele defende que o atual modelo de escolha dos dirigentes tem como consequências um “déficit de legitimidade dos dirigentes perante os demais membros do Poder, no caso os juízes de primeiro e segundo graus”; na “ausência de qualquer projeto de Governo do Judiciário que dê unidade de ação em todas as instâncias”; na “carência de compromissos institucionais, a medida que não há necessidade de elaboração de programas de governo nem de prestação de contas sobre o que se pretende fazer na administração do Judiciário”; e, por fim, na “ausência de participação dos membros do Poder no planejamento estratégico, na elaboração dos orçamentos e na definição e execução dos planos de ação”.

Ainda na justificativa da proposta, o parlamentar menciona pesquisa realizada a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que, em 2006, identificou que 77,5% dos juízes seriam favoráveis à realização de eleições diretas para os órgãos diretivos dos Tribunais. Atualmente, porém, divergências ainda permeiam as discussões.

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