Dois dos maiores nordestinos da história do Brasil se encontram em um livro exemplar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pernambucano de Caetés (ainda distrito de Garanhuns em 1945); o escritor Graciliano Ramos, alagoano de Quebrangulo, de 1892. Ambos, por coincidência, nascidos em 27 de outubro.
A editora Record juntou as ilustres criaturas no livro “O prefeito escritor: Dois retratos de uma administração”. É uma novíssima edição dos “Relatórios” de prestação de contas de Graciliano Ramos na sua experiência no comando da prefeitura de Palmeiras dos Índios, nos anos de 1929-30.
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Lula assina o prefácio da obra, anotando o que seria uma semelhança entre os seus três mandatos no governo federal e o estilo do político do agreste de Alagoas: “(...) a obra-prima do prefeito Graciliano Ramos foi colocar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda.”
Em um ano de eleições municipais, o livro ganha ainda mais relevância. Com a tinta da ironia, o escritor-prefeito relata a sua forma de administrar, sem esquecer de fazer críticas aos gestores que o antecederam.
“A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá”, conta o velho Graça.
Os relatórios do prefeito foram escritos apenas para cumprir as obrigações burocráticas do município. O governador Álvaro Paes, no entanto, recebeu os documentos e ficou admirado com a qualidade literária do remetente. Estava descoberto assim um novo autor, aquele que daria ao país livraços como “São Bernardo” (1934), “Angústia” (1936) e “Vidas secas” (1938).
Repare no zelo do alagoano com a linguagem e com os recursos públicos, ao relatar sobre o cemitério da cidade: “Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam.”
É ou não é um belo exemplo para os candidatos às prefeituras nas eleições de outubro?
Os “Relatórios” de Graciliano foram publicados inicialmente em 1994, uma coedição da Fundação de Cultura do Recife e a editora Record, com organização do jornalista, poeta e historiador Mário Hélio.
Mais uma pérola do chefe do Executivo de Palmeiras dos Índios, para finalizar a resenha: “Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado, restam poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Devo muito a eles.”
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.