Bolsonaro aguarda decisão do STF se vídeo de reunião será liberado

Em semana turbulenta em Brasília, presidente da República se vê pressionado por andamento de inquérito sobre suposta interferência na Polícia Federal, enquanto se aproxima dos partidos do Centrão para evitar afastamento

Escrito por Redação , politica@svm.com.br
Legenda: Bolsonaro e Michelle lançaram, ontem, campanha contra violência doméstica durante a pandemia
Foto: Foto: PR

A situação política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode tomar novos rumos, a partir da próxima semana, caso Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), decida divulgar o vídeo da reunião ministerial citada por Sérgio Moro como prova da interferência na Polícia Federal, alvo de um inquérito.

Ontem, Celso de Mello informou, por meio de sua assessoria, que vai assistir ao vídeo da reunião na próxima segunda-feira. Somente depois de conhecer o conteúdo vai decidir se divulga ou não o material.

O STF não informou se o ministro vai aguardar a conclusão na perícia no vídeo, em processo de conclusão pela Polícia Federal, antes de tomar a decisão.

Segundo a nota divulgada pela assessoria de imprensa do STF, Celso de Mello "irá examinar pessoalmente os registros audiovisuais da reunião ocorrida no Palácio do Planalto em 22/04/2020. Sem o conhecimento do conteúdo do vídeo, o ministro não terá condições de avaliar os argumentos apresentados pelo advogado-geral da União, pelo procurador-geral da República e pelos advogados do ex-ministro Sérgio Moro".

Ainda segundo o texto, Celso de Mello "já tem uma visão geral do teor da reunião", a partir do relato feito pelo juiz auxiliar que atua em seu gabinete. "O relator deverá assistir ao vídeo na segunda-feira (18) e somente então terá condições de elaborar sua decisão sobre o levantamento, total ou parcial, do sigilo por ele temporariamente imposto".

A reunião ministerial ocorrida no Palácio do Planalto em 22 de abril foi mencionada por Moro em depoimento, como prova de que Bolsonaro tentou interferir indevidamente nas atividades da Polícia Federal. O depoimento e o vídeo integram o inquérito aberto no Supremo para investigar as acusações de Moro.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao STF pedido para que sejam divulgados apenas trechos do vídeo da reunião. O advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Junior, opinou pela divulgação das falas de Bolsonaro, retirando do material trechos que o presidente trata de política internacional e falas de outros participantes. Já Moro defendeu a divulgação da íntegra do vídeo.

Na manifestação enviada ao Supremo, a AGU transcreveu trechos das falas de Bolsonaro na reunião. Na ocasião, o presidente reclamou da falta de informação obtida por meio da PF. Em seguida, anunciou que iria interferir, sem dizer como faria isso.

Um dia depois de a AGU enviar ao Supremo a transcrição de trechos da reunião, o presidente admitiu, ontem, que citou a corporação durante sua fala ao conselho de Governo. Ao longo da semana, Bolsonaro negou que tenha mencionado o órgão federal na reunião ministerial.

Reclamação

Ao chegar à portaria do Palácio da Alvorada, o presidente reclamou das manchetes dos jornais sobre o conteúdo das transcrições do vídeo da reunião ministerial apresentado pela AGU ao STF.

Bolsonaro disse que a imprensa apresentou frases "completamente soltas", que "nada têm a ver com a verdade". Ao ser indagado sobre o significado da frase "vou interferir e ponto final", ele disse esperar que a gravação se torne pública e que a interferência seria no contexto da segurança da sua família, de responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional.

Bolsonaro afirmou querer que quem estava assistindo a sua fala guardasse as reproduções porque espera a liberação da "parte da fita" onde ele falou sobre tudo, exceto "duas questões que têm a ver com política externa e segurança nacional, para mostrar que é uma mentira". Bolsonaro disse ainda que será criticado por ter falado palavrão.

500 dias

Ontem, Bolsonaro completou 500 dias no poder, em meio ao inferno astral deflagrado por Moro e à pandemia do coronavírus, que resultou, ontem, em uma segunda troca de ministro da Saúde.

Em seu 1º ano no poder, o estranhamento do Congresso e do Judiciário com as práticas de Bolsonaro, de negação do diálogo, eram vistas com certa tolerância. O Parlamento, notadamente a Câmara sob Rodrigo Maia (DEM-RJ), lograra aprovar a reforma da Previdência e encaminhar pautas econômicas. Na vida real, contudo, os problemas se acumulavam. O desemprego manteve-se em nível alto.

Congresso

Mas o principal problema para Bolsonaro sempre foi político. A sua dinâmica de tensão permanente e de tomada errática de decisões começou a isolar o presidente. No Congresso, em 2019, Maia controlava os 2/3 da Casa que apoiavam a pauta econômica nominalmente de Guedes.

No começo deste ano, o isolamento crescente de Bolsonaro levou à maior ocupação do Planalto por generais, com o simbolismo de Walter Braga Netto à frente da Casa Civil.

Em conflito aberto com o Congresso pelo manejo do Orçamento, o presidente passou a prestigiar movimentos que pediam o fechamento do Legislativo e do Judiciário.

E o Sars-CoV-2 chegou ao País, com o alto preço humano e econômico -a expectativa é de que o crescimento do PIB fique 5% negativo neste ano.

O incômodo na relação com os governadores tornou-se uma guerra aberta. O presidente passou a ser alvo de panelaços nas capitais.

A investigação que se segue já causou abalos, com o suspense em torno do vídeo da reunião ministerial que comprometeria ou não Bolsonaro, e o depoimento de três ministros generais.

A confluência de crises ainda não configura a famosa tempestade perfeita porque o caso garantiu ao Centrão uma volta por cima.

Antes um apoiador anódino de pautas econômicas no Congresso, o grupo agora é central na operação para manter qualquer risco de impeachment longe. E ganha nacos do Governo em troca.

Como o episódio da saída de Moro e outros mostraram, os militares não exercem o controle que desejariam sobre Bolsonaro, e sim tentam contê-lo pontualmente.

Ainda assim, formam o ponto de apoio de um presidente que declara uma guerra por dia para manter sua base coesa, mas cuja sapiência da tática é questionada por todos salvo seus aliados ideológicos.

Com o passivo de crises para administrar, que começam em apurações sobre sua família e chegam à pandemia, Bolsonaro terá várias oportunidades para colocar o questionamento à prova.

Novo ritual terá conversa individual

Tratada agora como sigilosa pelo governo de Jair Bolsonaro, a reunião ministerial do 22 de abril, a última com a participação com o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, foi presenciada por ao menos 40 pessoas. Os "segredos de Estado", conforme alega o Governo, foram conversados na presença de todo o primeiro escalão, presidentes de bancos públicos, assessores especiais, ajudantes de ordens, cinegrafista e fotógrafo. A quantidade de pessoas pode ser conferida nas imagens divulgadas pelo Palácio do Planalto.

O caso está forçando uma mudança nos procedimentos dessas reuniões. O presidente afirmou que agora privilegiará as conversas individuais com os ministros e passará adotar um café da manhã mensal para "confraternização". A tendência agora é que as reuniões com ministros deixem de ser filmadas.

Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, argumentou que divulgar o vídeo na íntegra da reunião, que agora é alvo de inquérito, é "quase um atentado à segurança nacional".

"Pleitear que seja divulgado, inteiramente, o vídeo de uma reunião ministerial, com assuntos confidenciais e até secretos, para atender interesses políticos, é uma ato impatriótico, quase um atento à segurança nacional", tuitou .

Até o inquérito envolvendo o ex-ministro da Justiça, a preocupação com segurança das conversas sigilosas não era tamanha. Durante os conselhos de ministros, garçons da Presidência também entram na sala para servir água e café no início e, eventualmente, retornam à sala para repor as bebidas. Nesses encontros, técnicos de som, responsáveis pela operação dos microfones, também costumam ter acesso ao local.

O cuidado mais evidente ficava por conta dos celulares. Nestas ocasiões, para evitar vazamentos, todos os participantes são obrigados a deixar o celular do lado de fora da sala. O único que costuma ser exceção é o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. Já o telefone do presidente costuma ficar nas mãos de um ajudante de ordens. Os encontros eram gravados na íntegra e armazenados pela Secretaria de Comunicação com conhecimento do presidente.

Novo depoimento

O diretor executivo da PF e ex-superintendente da corporação no Rio, Carlos Henrique Oliveira, pediu para prestar um novo depoimento no inquérito que investiga suposta interferência política de Bolsonaro na PF. Ele deve ser ouvido novamente na quarta.

Delegados

Na quarta, além de Oliveira, vão depor os delegados Cairo Costa Duarte e Rodrigo de Morais, que investiga o atentado contra Bolsonaro em 2018. Ambos estão lotados na PF de Minas Gerais.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.