Defensora do tratamento precoce contra o novo coronavírus, a médica Nise Yamaguchi foi ouvida pelos senadores da CPI da Covid-19 durante mais de sete horas, nesta terça-feira (1º), em um interrogatório conturbado. Em um dos momentos, o senador Otto Alencar (PSD-BA) partiu para o embate com a médica.
Na sessão, Nise negou que faça parte de um "gabinete paralelo" ao Ministério da Saúde e de aconselhamento ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Mas relatou várias reuniões com integrantes do Governo e com Bolsonaro para discutir o uso da cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada para a Covid-19.
Médico, Otto Alencar fez uma série de perguntas a respeito da origem do coronavírus e detalhes sobre a Covid. Na ausência de respostas, o senador baiano passou a criticar o conhecimento da oncologista sobre infectologia.
O parlamentar, que é ortopedista, questionou Nise, inicialmente, sobre a diferença entre um vírus e um protozoário, afirmou que a médica respondeu errado à pergunta e disse que "uma medicação para protozoário nunca vai servir para um vírus".
"A senhora não sabe nada de infectologia! Nem estudou, doutora! (...) De médico audiovisual este plenário está cansado! (...) A senhora não podia de jeito nenhum estar debatendo um assunto que não é do seu domínio!".
Além de ter se reunido com funcionários do Governo Federal para discutir o tratamento precoce, Nise relatou à CPI encontros em que estavam presentes o empresário Carlos Wizard e o ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub. Os dois também são considerados pela cúpula da comissão como responsáveis por alimentar uma rede de aconselhamento paralelo ao presidente em ações de combate à pandemia.
"A senhora não conhece, não estava preparada para participar do gabinete paralelo como outros que participaram, sobretudo curiosos, advogados, o empresário Wizard, em uma arca de Noé tratando da ciência no Brasil, só que não tinha Noé para conduzir a arca", afirmou Otto Alencar
Assessora de médica é expulsa
Uma assessora de Nise questionou Otto Alencar depois de ele confrontar a oncologista e acabou expulsa da sala onde ocorria a sessão da comissão.
Após uma discussão, a sessão foi suspensa. Logo no início do intervalo, a assessora de Nise falou individualmente com o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), para dizer que ela não estava mentindo no depoimento. Aziz respondeu dizendo que ela estava "mentindo descaradamente".
Em resposta, a assessora levantou-se e falou em voz alta que estava assustada, como mulher, com a "grosseria dos senadores", afirmou que era um "absurdo" e que eles não deixavam Nise falar. Aziz, então, disse que ela ficaria "assustada" do lado de fora da sala e pediu à Polícia Legislativa que a conduzisse para outro local.
O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) classificou como um "absurdo" o episódio de expulsão da assessora.
"Ela não está certa", diz Aziz
Durante o depoimento, a médica afirmou que vacinação e tratamento precoce são estratégias diferentes, mas igualmente importantes, na pandemia. A fala provocou uma reação dura do presidente da comissão, senador Omar Aziz, que pediu para quem estava escutando para 'desconsiderar o que ela está dizendo'.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) reproduziu um vídeo no qual a médica afirma que há evidências "robustas" de que o tratamento precoce salva vidas e que a vacinação aleatória e obrigatória não seria obrigatória.
Questionada pelo relator, a médica buscou explicar que se referia a duas questões separadas, uma vez que a vacina é relacionada com a prevenção e o tratamento precoce seria usado para pessoas já infectadas. Mas reafirmou que as duas coisas são igualmente importantes.
"Eu considero que sim, são situações semelhantes, uma é a prevenção e o tratamento é tratamento. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", afirmou.
Aziz reagiu com rigor e afirmou que ela será novamente convocada - ela compareceu à comissão nesta terça na condição de convidada, em que sua presença não era obrigatória.
"Quem está nos vendo nesse momento, eu peço que desconsidere essas questões que ela disse aqui em relação à vacina. Desconsidere o que está dizendo em relação a vacinas. Ela não está certa", afirmou Aziz
"Quem está nos vendo não acredite nela. Tem que vacinar. A vacina salva. Tratamento precoce não salva", completou.
Gabinete paralelo
Nise apresentou outra versão sobre a reunião no Palácio do Planalto na qual se discutiu as indicações para o uso da cloroquina, no ano passado.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, afirmaram à CPI que, no encontro, foi debatido um decreto de alteração da bula do remédio, para que o documento indicasse a cloroquina para pacientes com Covid-19. Nise, por sua vez, alegou que a proposta não tratava de tal modificação.
A médica relatou que conversou com integrantes da reunião sobre uma Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa que trata dos medicamentos para Covid-19. O documento define os critérios e os procedimentos extraordinários e temporários para tratamento de petições de registro de medicamentos, produtos biológicos e produtos para diagnóstico in vitro e mudança pós-registro de medicamentos e produtos biológicos em virtude da emergência de saúde pública internacional decorrente do novo coronavírus.
Nise também falou aos senadores que partiu do presidente Jair Bolsonaro a discussão sobre o uso do tratamento precoce como estratégia para combater ao novo coronavírus. A médica disse que já conhecia previamente o debate, mas que durante uma reunião que contou com a presença do presidente, ela recebeu dele a informação de um tratamento contra Covid-19 com o uso de cloroquina em discussão na França.
Apontada por membros da CPI como integrante do "gabinete paralelo" de aconselhamento do Governo Federal na pandemia, Nise se esquivou de opinar sobre a conduta de Bolsonaro frente a vacinas.
"Não estou aqui para deixar de apoiar ou apoiar conduta de nenhuma pessoa, isso é do foro individual", disse.
Dúvidas sobre base de estudos
Durante a sessão, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) questionou a base científica dos estudos apresentados pela médica em defesa da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. Vieira questionou em quais revistas científicas conceituadas os estudos em defesa da cloroquina foram publicados. A médica não soube responder, mas então citou um estudo realizado pela Fundação Henry Ford.
"A informação que eu tive é que foi publicado, tem um lastro científico e que tem ajudado os pacientes", disse a médica.
Em seguida, no entanto, o senador afirmou que esse estudo havia sido "descontinuado" por falta de evidências científicas, em dezembro do ano passado.
"É inaceitável um profissional de alta qualidade rejeitar estudos qualificados e tentar valorizar estudos que foram encerrados", afirmou o parlamentar.