Sobre as dificuldades de ler, hoje

Escrito por Cleber Araújo Cabral ,

Muitos já abordaram as relações e impactos das tecnologias digitais na cultura do impresso e em como escrevemos e lemos. Fato é, nossa leitura, hoje, é mais acelerada e fragmentária do que era há 10 anos.

Disso decorre um problema: essa aceleração da criação de conteúdos modificou as formas como atribuímos sentidos para o que lemos e, por extensão, aos modos que relacionamos essas informações a nós mesmos e à realidade ao nosso redor. Que tipo de leitor e de leituras essa aceleração produziu?

O escritor Alberto Manguel, propõe três tipos de leitor: o viajante, a torre, a traça. O primeiro, percorre as páginas para descobrir o mundo. O segundo, se isola da realidade. O último, tem fome de livros, mas muitas vezes se alimenta sem digerir. Cada um deles encontra nos textos um ponto de partida para explorar o universo. Como essas metáforas se relacionam com o contexto atual?

A traça se transforma em grilo, que pula de página em página, sem se demorar naquilo que lê/vê. O viajante, agora transita pelo oceano digital, a observar terras em constante atualização. A torre deu lugar à casa, refúgio no qual, a partir de telescópios, consegue ver o mundo, mas sem os riscos do contato. Todos são leitores que experimentam pouco daquilo que leem.

Só conseguimos ler ao percebermos as conexões entre textos e pessoas. E isso demanda não só envolvimento, mas disponibilidade. Dedicar tempo para ler é escolher compreender a si mesmo e as realidades nas quais se vive.

Nesse ponto, a leitura é um convite ao reencontro com o mais próximo e distante de nós, no tempo e no espaço, seja o mundo fora de casa, seja a palma de nossas mãos.

Se não conseguirmos ler, isso diz de nossa dificuldade de conexão com o que está ao nosso redor, apesar de hiperconectados.

Cleber Araújo Cabral

Doutor em Estudos Literários