Risco de retrocesso na energia
Escrito por
Lucas Melo
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Legenda:
Lucas Melo é presidente da Frente Cearense de Geração Distribuída (FCEGD)
O Brasil consolidou uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, com cerca de 90% de geração renovável. A geração distribuída (GD), especialmente a solar, foi essencial nesse avanço: descentralizou o acesso à energia, criou mais de 1,5 milhão de empregos e atraiu R$ 250 bilhões em investimentos desde a Lei 14.300/2022. Agora, porém, a Medida Provisória (MP) 1.304/2025, em debate no Congresso, reacende a insegurança jurídica e ameaça interromper esse ciclo virtuoso.
Embora busque eficiência, a MP inclui dispositivos que podem enfraquecer a GD, como o Encargo de Complemento de Recursos (ECR) e a possível reintrodução de tarifas multipartes. Essas medidas poderiam reduzir em até 80% a economia do consumidor e inviabilizar investimentos feitos sob as regras estáveis da Lei 14.300. O ponto central é a quebra da previsibilidade: a lei, fruto de amplo diálogo, estabeleceu uma transição até 2029 para o pagamento gradual do uso da rede. Alterar esse modelo de forma unilateral viola a segurança jurídica, afasta investidores e ameaça um pilar da descarbonização brasileira.
O setor, mobilizado pela Coalizão Solar, defende que ajustes regulatórios sejam transparentes, mas que respeitem contratos e direitos adquiridos. “Não podemos aceitar um retrocesso que tire o direito de quem acreditou no setor e investiu sob a proteção da Lei 14.300”, reforça a articulação. A GD democratizou o acesso à energia limpa e deu protagonismo ao cidadão na transição energética.
Às vésperas da COP30, criar novos encargos sobre a autogeração contraria a lógica global de estímulo à descentralização e à descarbonização. Países como Alemanha, Chile e Estados Unidos ampliam incentivos justamente para empoderar o consumidor e aliviar as redes. Caminhar na direção oposta seria um contrassenso.
O futuro energético do Brasil exige uma política de Estado que una inclusão, competitividade e sustentabilidade. É preciso fortalecer a infraestrutura, investir em armazenamento e digitalização e criar regras estáveis e transparentes. Retroceder na geração distribuída é abrir mão de um dos maiores instrumentos de democratização energética do país.
Lucas Melo é presidente da Frente Cearense de Geração Distribuída (FCEGD)