Mães que não voltam

No cenário global, o Brasil não está isolado. A mesma racionalidade excludente atravessa os campos de refugiados em Mianmar, ou nos hospitais destruídos no Iêmen

Escrito por
Álvaro Madeira Neto producaodiario@svm.com.br
Médico Sanitarista
Legenda: Médico Sanitarista

O Brasil assiste à persistência de um fenômeno que deveria ter sido sepultado com a Constituição de 1988: a morte materna evitável. Em 2024 foram 1.184 mulheres que perderam a vida no ciclo gravídico-puerperal. Mais de três mulheres por dia. Cada uma dessas mortes não é apenas uma perda individual, mas sim coletiva. A mortalidade materna não é um evento biomédico isolado: é um marcador da falência do pacto civilizatório.

Embora tenhamos reduzido os índices em 29% desde 2000, como apontam os dados do Ministério da Saúde, não podemos permitir que o progresso estatístico apague a injustiça estrutural. A maioria dessas mortes decorre de causas conhecidas e controláveis. Isso demonstra que o problema não é terapêutico, mas sistêmico.
 No Brasil, ela expressa as desigualdades entre raça, território e renda. Mulheres negras, ribeirinhas e periféricas são as que mais morrem. Onde faltam profissionais, leitos obstétricos e acompanhamento pré-natal qualificado, impera uma lógica de abandono que condena gerações antes mesmo do primeiro choro.

No cenário global, o Brasil não está isolado. A mesma racionalidade excludente atravessa os campos de refugiados em Mianmar, ou nos hospitais destruídos no Iêmen. Um estudo publicado em maio de 2025 na Lancet Global Health analisou o impacto das sanções internacionais de ajuda ao desenvolvimento sobre a mortalidade materna entre 1990 e 2019. Os achados são perturbadores: países alvo dessas sanções registraram aumento médio de 10,9 mortes maternas a cada 100 mil nascimentos. A lógica é perversa: punições diplomáticas, mesmo que motivadas por violações políticas, afetam diretamente os fluxos de assistência internacional à saúde e à infraestrutura básica. Quem paga a conta são as mulheres , quase sempre pobres, quase sempre invisíveis.

Políticas como o corte de verbas da USAID ou o declínio das transferências multilaterais da OCDE, somadas a bloqueios econômicos, destroem pontes frágeis de cuidado. Segundo o mesmo estudo, sanções de cinco anos podem anular até 60% dos avanços obtidos em mortalidade materna em países de baixa renda no mesmo período. A retórica geopolítica, quando descolada da compaixão, mata silenciosamente, não nas manchetes, mas nas estatísticas que poucos leem.

No Brasil, que possui um sistema universal de saúde constitucionalmente garantido. Programas de fortalecimento da atenção básica, cuidado pré-natal qualificado, redes regionais de urgência e emergência obstétrica e educação permanente de equipes precisam ser prioridade. 
Chegamos a um ponto em que a morte de uma gestante não é mais uma fatalidade, mas uma escolha coletiva, ainda que inconsciente. Cada mulher que morre parindo leva consigo uma nação que falhou.

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