Lazer saudável como alternativa às bets
O lazer sempre ocupou um espaço central na vida humana, atuando como uma válvula de escape e como uma maneira de expressar nossas identidades culturais. Na visão de Pierre Bourdieu, o gosto por determinadas formas de entretenimento reflete não só preferências individuais, mas também posicionamentos sociais e culturais, influenciados pelas estruturas de poder e classe. Essa análise é relevante quando observamos o crescimento alarmante das apostas online no Brasil.
O interesse cada vez maior da população por jogos de azar, como as bets, não é apenas uma questão de entretenimento. Trata-se de um reflexo de um cenário social e econômico que empurra milhões de pessoas para uma busca desesperada por soluções rápidas para seus problemas financeiros. A promessa de ganhos fáceis pode parecer atraente, mas a realidade é que esse comportamento, ao longo do tempo, gera ciclos de endividamento, agravando ainda mais a situação de vulnerabilidade. E, vamos lembrar que há mais ou menos um ano atrás estávamos aqui discutindo sobre as “Lives NPC” e agora o que vemos nos jornais é o nível de endividamento por conta dos jogos de azar. Coincidência? Diria que não.
Mas, tem algum jeito de revertermos isso? Antropologicamente, o lazer saudável deveria contribuir para a coesão social, promovendo bem-estar e fortalecendo os laços comunitários. O filósofo e sociólogo Roger Caillois reforça a ideia de que o jogo, quando em sua forma mais pura, deve ser uma experiência lúdica, onde o prazer e o desenvolvimento cognitivo e social estão no centro. No entanto, o lazer transformado em uma busca incessante por lucro, como vemos no caso das bets, desvirtua esse propósito, levando ao isolamento e à angústia.
O impacto desse fenômeno de curto prazo já é evidente nos números crescentes de endividamento, mas, a médio e longo prazo, as consequências se espalham por diversos setores da sociedade: desde a redução do consumo em áreas essenciais até o aumento da pressão sobre os sistemas de saúde mental e de assistência social. De acordo com informações divulgadas pelo BC (Banco Central) sobre o mercado de jogos de azar e apostas online no Brasil, aproximadamente 24 milhões de pessoas físicas participam de jogos de azar e apostas no país, e 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões às casas de apostas virtuais somente no mês de agosto. Dados como esse mostram que a espiral de dívidas não afeta apenas o indivíduo, mas compromete também o futuro das famílias e do próprio tecido social.
Promover um lazer saudável, que privilegie a cultura, o esporte e atividades que gerem valor a longo prazo, é fundamental para mudar essa trajetória. Em vez de buscar saídas rápidas e arriscadas, precisamos refletir sobre como nossos padrões culturais de consumo de entretenimento podem ser repensados para fomentar uma sociedade mais equilibrada e menos suscetível a armadilhas financeiras. O entretenimento tem o poder de libertar ou destruir, dependendo de como escolhemos vivê-lo.
Mariana Cerone é head de Marketing e Produtos da Up Brasil