RMF tem prédios históricos, mas proteção enfrenta dificuldades

Cidades da Região Metropolitana, que eram vilas no século XVIII, abrigam muitas riquezas patrimoniais. Mas os processos de tombamentos são poucos. O desenvolvimento urbano acelerado interfere na garantia da preservação

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: A Igreja Matriz São José de Ribamar é um dos bens tombados pelo Governo do Estado na cidade de Aquiraz, a primeira vila do Ceará criada no ano de 1699
Foto: Foto: Fabiane de Paula

Casarões antigos, cadeias públicas, igrejas, estações de trens e sobrados. Edificações, muitas delas, inclusive de séculos passados, ainda resistem nas cidades da Região Metropolitana de Fortaleza. Embora a Capital, inúmeras vezes, seja o centro dos olhares quando se fala em preservação, alguns dos municípios que se desenvolveram vizinhos à Capital guardam memórias significativas para a história do Estado e do País. Foram vilas ainda no século XVIII, e abrigam riquezas culturais. Mas, as dificuldades de preservação desse patrimônio são notórias. Enquanto isso, o tempo atua sobre as estruturas das edificações.

Fortaleza, Caucaia, Maranguape, Pacatuba e Aquiraz são alguns dos municípios da RMF cuja data de oficialização como cidades são as mais antigas. Nesses locais, ao todo, há 167 bens tombados nas três esferas de governo - municipal, estadual e federal. Mas, essa proteção formal ainda se concentra na Capital. O único Município, dentre esses, que se diferencia na garantia de preservação local é Maranguape.

Fortaleza, cujo destaque de tombamentos é presumível, detém 65 bens tombados definitivamente, sendo 33 pelo Município, 25 pelo Estado e 7 pela União. Outros 54 bens estão protegidos provisoriamente e aguardam avaliação do município. Mas, a condição que deveria ser temporária acaba se demorando. Dentre os que aguardam, o Bar Avião, que teve a abertura do trâmite de tombamento em 2006, é o processo mais antigo.

A situação de Maranguape, que inclusive chega a ter mais bens protegidos definitivamente do que Fortaleza no âmbito municipal, não se repete nas demais localidades mencionadas da RMF.

Em Caucaia, há apenas um bem tombado e ainda na esfera federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Biblioteca Pública. Já em Aquiraz - primeira vila do Ceará criada ainda em 1699 -, segundo a Prefeitura, há somente quatro edificações tombadas. Nenhuma delas pelo Município. Três são protegidas pelo Governo do Estado e uma pelo Governo Federal. Na cidade, é tombado pelo Iphan o Mercado da Carne, enquanto o Museu Sacro São José de Ribamar, a Casa do Capitão-Mor e a Igreja Matriz São José de Ribamar são protegidos pelo Estado.

Legenda: A Biblioteca Pública de Caucaia funciona no prédio que foi a Casa de Câmara e Cadeia, inaugurada em 1750. O bem é tombado pelo Iphan
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Em Pacatuba, não há nenhum bem tombado e, segundo a Prefeitura, "o Código Diretor do Município não prevê o tombamento de prédios na esfera municipal". Mas, informa, a cidade abriga prédios históricos, como o Sobrado da Abolição, Igreja Matriz - com mais de 150 anos -, a Casa Amarela - onde funciona o gabinete do prefeito -, o Santuário Nossa Senhora do Carmo, o Cartório Alexandre Alencar Furtado, a Câmara Municipal e o Sobrado dos Escravos, entre outros. A Prefeitura informou que está em análise pelo Iphan o tombamento do Sobrado da Abolição e do Museu Célio Rodrigues.

O Diário do Nordeste também entrou em contato com as prefeituras de Maracanaú e Cascavel. Porém, passada mais de uma semana da solicitação sobre a quantidade de bens tombados pelos municípios, nenhuma resposta foi enviada. As duas cidades não têm bens tombados pelo Estado, nem pelo Iphan.

Na avaliação do arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), Romeu Duarte, a dificuldade do tombamento deriva de um gargalo anterior nesses locais, que é a falta de "guarida do patrimônio na esfera administrativa dos municípios".

Em muitos deles (municípios), a cultura faz parte da Pasta da Educação, sendo sempre desprezada. Não há inventários, não há lei de tombamento ou registro, não há promoção, não há quadros técnicos, não há obras de restauro. É um desmazelo total.

Romeu enfatiza que há lacunas de garantia de preservação de patrimônio nessas cidades, pois, segundo ele, "fora a ação do Estado, ainda muito fraca, ou do Iphan, os municípios teriam o seu acervo patrimonial dilapidado. O interessante é que a Constituição Federal de 1988 deu plenos poderes aos municípios para atuarem no patrimônio, e eles continuam omissos", destaca.

Além disso, ele ressalta que o desenvolvimento urbano acelerado na RMF interfere nos processos de garantia de preservação, pois "o patrimônio não faz parte dos processos de planejamento urbano e regional, tampouco dos projetos urbanísticos e dos planos diretores". As edificações desse tipo, quando abordadas, são vistas "sempre como empecilho, algo que atrapalha". O professor reforça ainda que "o mais triste é que alguns municípios ganhariam muito, inclusive recursos financeiros, se o patrimônio deles fosse adequadamente tratado".

Atuação

Questionado sobre as possíveis dificuldades de preservação, o Iphan respondeu, em nota, avaliar que há um significativo número de monumentos preservados nas cidades mencionadas. Isto, devido aos esforços do próprio Iphan, da Secretaria de Cultura do Estado (Secult) e das prefeituras. O órgão destaca a atuação da Secult em Aquiraz e do poder municipal de Maranguape.

O órgão ressalta que preservar esse patrimônio é "possibilitar que vestígios do passado se tornem acessíveis à sociedade e às suas diferentes gerações". O patrimônio cultural de uma cidade, diz em nota, "deve ser percebido como um documento capaz de nos remeter aos discursos e práticas que fundamentaram a formação e o desenvolvimento da sociedade em algum lugar do passado. Assim, o patrimônio torna-se um instrumento didático e educativo".

O Iphan avalia ainda que o impacto do acelerado desenvolvimento urbano na garantia de preservação nessas cidades pode ser contornado se tal aspecto for considerado pelos órgãos de proteção na produção das políticas públicas, bem como na legislação urbana dos municípios

As respostas do Iphan também destacam que o órgão realizou relevantes ações de restauro, como a intervenção na década de 1980, que devolveu à população de Aquiraz o Mercado da Carne, que estava em ruínas e, no ano de 2012, a restauração dos painéis sacros que ornamentam o forro do altar-mor da Igreja Matriz do Município.