O fortalezense e sua fortaleza

Escrito por Alexandre Mota , alexandre.mota@svm.com.br

A inquietude fala, o silêncio também. No charme da mocidade, a Terra do Sol se resguarda: é Fortaleza. E nunca há de pensar em algo tão necessário como o próprio nome. Dos que vivem do mar ou da terra, do ambulante ao pescador, a dádiva é resiliência. Fibra do Forte, daquele mesmo de schoonenborch. O capítulo da origem mais que revela, explica o presente. O alencarino não padece.

Nasce na calada da noite com o resistir, o calejar sem maldizer, o calor do povo, da palma no chão. O porquê vem da gente, ser fortaleza é ser gente. Sim, no sentido mais diminuto possível da união. Talvez por isso a angústia é sem limite.

Nos últimos dias falta fôlego. Por maior (ou menor) que seja, não teve morada que coubesse a saudade de sair. De ir na feira, no Mercado dos Peixes, no Dragão do Mar, na Igreja Matriz. É o abrir da janela e respirar arredio. Lembrar do que tem lá fora, da grande paixão e até do trabalho solitário.

O pior é que faz parte, como nunca. Pois a maior sacanagem do tempo é que ele não volta, a principal vantagem é essa também. E como sempre, tudo passa. É olhar para si, para o mundo, e esperar - melhor ainda se for no conforto do lar. Hoje, ninguém está imune. A angústia, a solidão e a tristeza vão chegar. Vão machucar mesmo, eu até chorei: atinge diretamente o nosso DNA. É lógico, fortalezense é bicho solto, não preso. E a gente lota tudo também: faculdade, ônibus, posto de saúde, shopping, farmácia, supermercado… É tanto povo que a fila faz parte.

O paradoxo então está posto: na 3ª capital brasileira com mais mortos pelo novo coronavírus, ficar em casa é difícil. Não tem jeito, alguém vai na lotérica, no calçadão da Beira-Mar, no banco, no vizinho, no trabalho, na praia. Mas no leito, ninguém quer ir.

Aos enfermeiros, médicos e motoristas do Samu falta visitas. Minto, chegam aos montes, mesmo que a contragosto. O contato é pela falta de ar, dor na garganta, febre alta e paladar sem sabor.

Da visita inesperada, uns saem. Outros partem para mais longe sem sequer se despedir. O início do colapso é tamanho que, se pudesse falar, Fortaleza choraria por não poder nos abraçar.

Por isso o exemplo precisa ser meu, seu e de todos. Na contramão da existência, o isolamento social é a melhor maneira de seguir existindo, de viver, de sonhar. De imaginar que muito em breve as portas vão abrir, os amigos vão chegar e o fortalezense vai sair… O ar então entrará em abundância.

Apenas mais um capítulo na selva de pedra que se banhou com a água salgada, viu Iracema crescer nas letras de José Alencar e ousou encantar o mundo com a alma da gente. Nossa cidade reside esperança e o único contágio é o amor. Fique em casa.

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