O céu é o limite, afirma setor empresarial

Escrito por Redação ,
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Para o Sinduscon a cota de 72 metros na altura dos edifícios deveria ser abolida pela demanda por moradia

O tripé composto pelos itens "segurança, economia e comodidade" tem sido a justificativa para o sucesso do mercado de imóveis verticais. O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon), Roberto Sérgio Ferreira, garante que a verticalização, ao contrário do que muitos pensam, é uma exigência dos próprios compradores. O setor, afirma, é regido pelo desejo do consumidor. "Não temos saídas. O céu é o limite", pontua.

A economista Júlia Maria Santos, de 28 anos, e a dona-de-casa Maria Oneide Carneiro, de 62 anos, têm opiniões divergentes sobre a afirmação de Ferreira, principalmente pelas experiências de vida. Júlia mora em apartamentos desde que nasceu. Oneide, ao contrário, sempre em casa. Para a primeira, a opção pela moradia vertical é o caminho, mas confessa que se sente desconfortável com a falta de privacidade. O edifício onde habita desde os 16 anos, na Rua Vicente Leite, na Aldeota, é "praticamente grudado em outro". Isso a obrigou a colocar película de proteção em todas as janelas, além de cortinas. "A gente não pode nem espirrar que o vizinho ouve", ironiza.

Já Oneide nem quer ouvir falar em apartamento, mas sente que terá que ceder devido à pressão que enfrenta com o crescimento do bairro Parque Guararapes e os inúmeros prédios que circundam sua casa. "Aqui é como uma ilha cercada de cimento e concreto por todos os lados. Infelizmente não tenho forças para ir de encontro a essa realidade e terei que abrir mão".

No caso de Júlia, o presidente do Sinduscon reconhece que a distância entre um prédio e outro deveria ser maior. Para isso, defende, o Plano Diretor teria que sofrer mudanças, como a liberação da cota de 72 metros de altura ou 24 andares, no máximo. "O Plano Diretor foi discutido e aprovado por uma maioria de leigos. Os técnicos ficaram sem voz durante os debates e com voto vencido".

O presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Ceará (CREA-CE), Antônio Salvador da Rocha, avalia que o processo de verticalização em Fortaleza é irreversível e foi resultado de mais de dez anos de descontrole urbano.

Para ele, o que tem que ser garantido agora é que as novas construções respeitem a manutenção das áreas livres entre elas. "A verticalização das cidades não é um processo completamente ruim, se critérios como relação entre habitantes e espaços livres forem respeitados".

O arquiteto e ambientalista paulista, Nilo Nunes, reflete que as cidades devem trilhar o caminho do planejamento sustentável, criando políticas governamentais, cujos programas, projetos e ações tratem o meio ambiente através de uma concepção mais ampla de valores históricos, culturais, sociais, econômicos, paisagísticos e humanos, incorporando tecnologias limpas e adequadas.

A altura máxima dos prédios, aponta o especialista, deve nortear o critério de parcelamento do solo e o dimensionamento mínimo para lotes, praças, vias e logradouros públicos das cidades em questão.

Enquete
Moradia e segurança

"Eu moro em casa, não trocaria por um apartamento. Lá, tenho mais espaço, mais privacidade e me sinto melhor."

Camila Luana
21 anos
Pesquisadora

"Apesar de ser mais inseguro, gosto do conforto de minha casa. Mas, sendo imóvel próprio tanto faz casa ou apartamento."

Eudes Lima
32 anos
Professor

"Moro em um apartamento pequeno e sofro por ter filhos ainda crianças e que precisam de mais espaço para brincar."

Michele Matias
26 anos
Dona-de-casa

SOCIALIZAÇÃO
Verticalização não existe só para ricos

A doutora em planejamento urbano e economista, Cleide Bernal, destaca que tanto apartamentos de média e alta renda, quanto de baixa renda, são encontrados em todos os bairros de Fortaleza. Segundo a especialista, a verticalização produzida pela especulação imobiliária ou construída por políticas públicas está modificando a feição da cidade. "Esse fenômeno, sem retrocesso em Fortaleza, não é somente para ricos. É um processo de construir mais, em menos tempo e num menor espaço possível para viabilizar, inclusive, preço para baixa renda".

Ela concorda com a socióloga da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Adelita Carleial, quando esta afirma que o processo de verticalização em Fortaleza existe em diferentes áreas. Segundo a professora, quando se pensa sobre o assunto, a tendência é apenas imaginar o processo de construção de unidades habitacionais de médio e alto padrões, mas se esquece a ação governamental de reurbanizar favelas ou construir conjuntos habitacionais.

O mapa da verticalização na Capital, diz ela, demonstra sua existência em faixa bastante extensa que abrange do Centro aos bairros vizinhos, a Leste, tais como Praia de Iracema, Meireles e Mucuripe. "A espacialização da verticalização em Fortaleza, também, ramifica-se por corredores como o da Avenida Santos Dumont, incorporando os bairros da Aldeota, Papicu e Cocó, indo até a Praia do Futuro, além de outros pontos chaves para onde a cidade caminha como Cidade dos Funcionários, Edson Queiroz e Guararapes. Por isso, moradores como Oneide estão sem alternativas.

Ela também destaca outras áreas importantes como a Avenida Bezerra de Menezes que leva a verticalização para o Oeste até o bairro Presidente Kennedy. O corredor sudeste compreendido pela Avenida Aguanambi indo até Messejana, igualmente, verticaliza a cidade. "Isso também é verificado em bairros do sudoeste, a Avenida Osório de Paiva e Augusto dos Anjos, em Parangaba e no Montese".

LÊDA GONÇALVES
REPÓRTER

A opinião do especialista
É possível conciliar

Existe um grupo de profissionais que lidam com a cidade que questiona os altos edifícios, que cada vez mais compõem a paisagem dos grandes centros urbanos. Comenta-se que os edifícios altos podem trazer problemas de ordem psicológica como a vertigem, ou a claustrofobia, motivada pelos acessos enclausurados e agravada pelas temperaturas altas, que tendem a aumentar com as mudanças climáticas. Inúmeras são as críticas aos edifícios altos, mas talvez a principal delas seja a que afirma que eles conspiram contra o meio ambiente. Quanto mais alto for o edifício, mais caro será sua construção, operação e manutenção. Isso traz consequências para o meio ambiente, pois há uma demanda crescente por água e energia etc. Os críticos, no entanto, não se dão conta de que a concentração de pessoas e de infraestrutura é melhor para o meio ambiente do que a dispersão. Nem todas as cidades terão que ser grandes, mas as metrópoles que melhor se relacionam com o meio ambiente são as compactas, densas e diversificadas. Imagine espalhar todas as metrópoles por meio de baixos edifícios em um vasto território. Seria desastroso para meio ambiente, pois as cidades se ligariam umas às outras, destruindo praticamente toda a paisagem natural. É claro que a concentração em si não resolve os problemas das grandes cidades, mas talvez seja o único caminho para minorar os muitos problemas decorrentes da urbanização. O adensamento populacional deve ser acompanhado de baixas taxas de ocupação dos terrenos para que os edifícios fiquem mais distantes uns dos outros, garantindo a ventilação, a insolação e a viabilidade econômica, além de liberar mais áreas livres para os transeuntes. Não é preciso verticalizar todos os bairros de uma cidade, pois há as especificidades de cada um. A verticalização, no entanto, pode ser um aliado na defesa do meio ambiente. O que é preciso com urgência é que se mude os indicadores urbanos de uso e ocupação do solo e se projete edifícios mais condizentes com as latitudes.

Antônio Martins da Rocha Jr - arquiteto e professor da Unifor
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