No Dia da Amamentação, saiba quais os impactos da pandemia de Covid-19 no aleitamento materno

Circulação do coronavírus elevou preocupação sobre saúde de mães e bebês. Para especialista, amamentação continua a ser melhor reforço à proteção

Escrito por Redação ,
Legenda: Caroline teve Covid-19 durante a gravidez e foi reinfectada em março deste ano
Foto: Arquivo pessoal

A pandemia de Covid-19 provocou mudanças de diversas ordens, impactando, inclusive, no aleitamento materno. Em alguns casos, adiou ou até mesmo descontinuou o processo íntimo e vital para mães e filhos. Neste 1º de agosto, Dia Mundial da Amamentação, o Diário do Nordeste traz recomendações de especialista no assunto e histórias de quem enfrentou dificuldades nesta fase.  

Devido ao risco de contaminação pelo coronavírus, a historiadora Lígia Rodrigues Holanda, 35, foi impedida de visitar a filha no hospital e, consequentemente, de amamentar. Hoje com 1 anos e três meses, Alice ficou internada durante sete dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal em Fortaleza, após nascer prematuramente em maio de 2020, no ápice da primeira onda pandêmica no Ceará.   

“Todo contato [com a Alice] era feito pelos médicos. Eu podia ficar indo ao lactário deixar leite, mas ela não mamou logo que nasceu. Eu tinha pouquíssimo leite; passava o dia inteiro no lactário para tirar 7ml a 16 ml”, rememora, resumindo que viver tudo isso em meio à pandemia foi “muito assustador, traumático”.

Legenda: Lígia pretende continuar a amamentar Alice, até que a pequena complete três anos de vida
Foto: Arquivo pessoal

Nesse mesmo período, a mãe acabou sendo infectada pelo coronavírus. Provavelmente, suspeita ela, durante as visitas ao lactário. “Quando a Alice recebeu alta, uma semana depois, já comecei a sentir os sintomas. Foram só sintomas leves. Acho que foi nessa época que peguei [Covid] porque fiquei de máscara durante o trabalho de parto”.    

Mesmo diagnosticada com a doença, a historiadora não quis descontinuar a amamentação. Enfrentou as dificuldades dos primeiros dias, fazendo adaptações e mantendo o uso constante da máscara.   

“Comecei a procurar pesquisa e já tinha indicação de que o leite transmitia anticorpo [contra o vírus]. Para mim, já foi um processo super difícil fazer ela amamentar e, quando começou a fluir, eu tive sintomas da Covid. Eu pegava [ela] só pra amamentar, sempre utilizando duas máscaras, e evitava falar, que é um processo muito difícil com a bebê”.  

Vírus amplifica temor

Mãe de Mário, de oito meses, a programadora de software Caroline da Silva Rodrigues, 36, também foi infectada pelo coronavírus, mas ainda durante a gravidez, em novembro do ano passado. Com o diagnóstico, optou por adiar o parto cesáreo do primeiro filho.    

Em março deste ano, para sua surpresa, foi reinfectada. Aos poucos, os sintomas mais leves foram ficando para trás, e seu quadro de saúde se agravou no 10º dia, com o comprometimento de 25% do pulmão. Apesar do diagnóstico positivo, Caroline não quis suspender a alimentação exclusiva do filho. Mas o uso de um medicamento mais forte, no entanto, forçou a mudança dos planos.  

Legenda: Por estar com Covid-19, Carolina teve que adiar o parto cesáreo de Mário, seu primeiro filho
Foto: Arquivo pessoal

"Durante o período em que tomei ativamente esse antibiótico, por cinco dias, tive que parar [a amamentação]. Foi um processo complicado porque você está doente, com o corpo debilitado, e ainda tem que prover o alimento da criança. Mas ainda bem que deu tudo certo".  

Além da preocupação de ficar doente e contaminar os filhos, Lígia e Caroline temiam não poder vê-los crescer. "Essa era a coisa que eu mais pensava. Pior que os sintomas, era o medo que podia deixar a minha filha órfã. E vivenciar isso no momento do puerpério que já é delicado. Para as mães, pesa tudo isso", confidencia Lígia. 

"Você perde o chão quando recebe o diagnóstico. Com um monte de gente morrendo, pensei que talvez pudesse ser a próxima. Eu procurei trabalhar positivamente isso na minha cabeça", soma Caroline. 

Amamentação com proteção

Médica pediatra, Vanuza Chagas frisa que cada caso de aleitamento materno deve ser devidamente acompanhado por um especialista. Mas, em regra geral, recomenda não parar a amamentação, considerando que o leite materno é o alimento mais completo que o bebê pode receber desde que nasce.  

Além da importância nutricional e de proteção contra inúmeras doenças, o aleitamento materno proporciona um momento de troca de carinho e amor entre mães e filhos, afirma a médica, alertando que a interrupção, portanto, pode gerar “muito prejuízo” aos envolvidos.  

“Mães que estejam com Covid, principalmente essas mães, continuem o aleitamento materno. Com tudo o que está se desenhando, além de você passar anticorpos para várias doenças através do aleitamento materno, o colostro, que é aquele leitinho que o bebê recebe nos primeiros dias de amamentação, ele é riquíssimo em IgA [classe de anticorpos] e é considerado a primeira vacina do bebê”. 

Ainda que estudos apontem para a presença de anticorpos no leite de mães que tiveram Covid ou que foram imunizadas contra o vírus, a médica recomenda manter cuidados básicos de proteção ao amamentar a criança, como uso da máscara e higienização das mãos.  

“É promissor o fato de se ter detectado a presença dos anticorpos no leite materno, mas não se sabe exatamente a extensão dessa proteção, quanto tempo essa imunidade duraria e se ela é totalmente efetiva. Então, a recomendação é que se continue tendo todos os cuidados. Mesmo imunizado, a gente sabe que ainda há a possibilidade de contrair [a doença]”. 

Para evitar o desmame precoce, as mães podem buscar ajuda e orientações com profissionais da saúde, bem como através de uma rede de apoio. Com o isolamento social, pondera a médica, ter essa rede se tornou mais difícil, mas também se faz mais necessária. 

Legenda: As doações de leite nos bancos do Ceará tiveram uma baixa no início da pandemia
Foto: Shutterstock

Bancos de leite 

Caso o bebê esteja internado ou a mãe apresente alguma dificuldade de amamentar, a família ainda pode buscar ajuda na rede de bancos de leite, da qual Lígia também passou a fazer parte. Ela doou leite semanalmente, até Alice completar 9 meses. 

"Acho que fiquei muito tocada de ver minha filha na UTI, de saber de todos os bebês que estavam lá, que precisavam [de leite], e de pensar que houve um aumento de demanda enorme principalmente pela internação das mães. Me tocou muito essa sensação de quantos outros bebês estavam precisando desse leite porque não estavam podendo mamar naquele momento”.  

Por já ter tomado a primeira dose da vacina contra a Covid, Lígia está ainda mais obstinada a amamentar a filha, até os seus três anos de vida. Caroline também já recebeu a primeira dose do imunizante e “não tem planos” de parar de prover a alimentação exclusiva de Mário. 

"[O aleitamento materno] é bem único, é um momento nosso, cria um vínculo maior com bebê. Você vê o olhar dele, é diferente. Óbvio que tem mãe que não consegue ter esse momento, mas é um momento diferencial de ter com o filho”.

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