"Não podemos negar que não existe medo", diz Lino Alexandre, médico do Hospital Leonardo Da Vinci

Coordenador do controle de infecções relata adaptação dos profissionais à rotina de tratamento da nova doença, que exige monitoramento constante de complicações respiratórias dos pacientes e vigilância à saúde dos colaboradores

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: " Não tem como não se emocionar todo dia, quando alguém sai de alta. Quando você olha, tem vários membros da equipe chorando, vendo o familiar que recebe de volta o paciente. Já tenho 25 anos de formado, mas ainda é um momento de muita sensibilidade"

A última quinta-feira (23) marcou o primeiro mês de funcionamento da unidade de saúde de referência para atender pacientes com a Covid-19 no Ceará: o Hospital Leonardo Da Vinci, em Fortaleza, que foi reativado pelo Governo do Estado. Só no primeiro dia, 11 pacientes deram entrada, encaminhados por meio da Central de Regulação. De lá para cá, o Hospital acumula mais vitórias que baixas: 85 altas contra 51 óbitos, até este sábado (25), de acordo com a plataforma IntegraSUS, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

Coordenar uma unidade complexa num cenário novo para todo o mundo é desafio para o médico infectologista Lino Alexandre, que encabeça a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). No dia a dia, é preciso administrar a distribuição de equipamentos de proteção, a alocação de leitos conforme as necessidades dos pacientes, o quadro de saúde dos funcionários e várias outras atividades do local.

Diário do Nordeste: Em quais aspectos a rotina de um hospital voltado apenas para pacientes com o novo coronavírus é diferente do trabalho em outra unidade hospitalar?

Lino Alexandre: Desde quando a gente chega, é um dia bastante diferente. Assim que a chegamos, tem uma reunião, avaliamos como foi o dia anterior e se programa o novo dia, o que vai acontecer. A gente verifica quantos equipamentos temos para construir esse plano.

DN: Quantos profissionais da saúde trabalham na unidade? Quais são as especialidades e escalas de trabalho?

LA: As escalas são de 6 horas, 12 horas e outras que não passam de 24 horas. Temos profissionais de segurança, um time de comunicação. São uns 170 médicos. Temos cerca de 80 enfermeiras, fora auxiliares de enfermagem. Pessoal da limpeza são cerca de 80. Tem também o pessoal da nutrição, assistentes sociais, médicos que trabalham exclusivamente em UTI. É uma equipe grande, fora o pessoal da administração.

DN: Já houve afastamento de colaboradores por contaminação por coronavírus?

LA:O que a gente faz é uma vigilância dos nossos trabalhadores. No horário do almoço e jantar, é medida a temperatura do funcionário. Quando ele tem alteração, a gente afasta por oito dias. Depois, faz o teste PCR (biologia molecular). Se ele não fica muito exposto, a gente faz o teste rápido. Desses seis a oito afastados, não tivemos Covid-19 positiva nos testes rápidos.

DN: Quais são os cuidados para evitar o adoecimento da equipe, já que em outros países há um índice grande de infecção intra-hospitalar?

LA: Isso é uma coisa que estressa todo mundo. A gente tem toda a normatização da CCIH (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar) dos nossos EPIs e fazemos uma contagem quinzenal e semanal, sempre procurando estar ajustado nesse controle. A distribuição é feita de acordo com cada setor. A gente ainda pede que todos eles tomem banho antes de sair pra casa para que não tenham risco de ter alguma contaminação. Em todos os países, os profissionais de saúde adquiriram a Covid durante suas atividades, então estamos vigilantes sobre o que os nossos vão ter ou não relacionado ao trabalho.

DN: Na equipe, há algum profissional voluntário?

LA:Temos um psiquiatra, e no grupo de comunicação temos algumas pessoas.

DN: Como se lida com essa situação de medo e preocupação de médicos, enfermeiros e outros profissionais?

LA: A gente não pode negar que não exista medo por essa ser uma doença nova, mas aos poucos vemos que isso vai passando. É diferente o profissional que chegou e como ele está hoje. O time de comunicação também dá apoio psicológico se houver necessidade aos nossos funcionários. Dias de segunda, quarta e sexta, temos um momento às 18h daqueles que cantam e sabem tocar algum instrumento, de forma voluntária. Isso traz alegria e você vê a emoção no rosto das pessoas. Até quem está nos andares superiores, quando ouve, diz que é um alívio. Também reservamos o refeitório para aniversariantes que trazem suas gulodices, doces, marcam um horário e um grupo específico vai lá.

Na manhã deste sábado, o Hospital Leonardo Da Vinci tinha 71 dos 95 leitos de UTI ocupados, de acordo com o médico Lino Alexandre. O encaminhamento dos pacientes para o HLV é por meio da Central de Regulação do Estado.

DN: O Hospital tem critérios para acolher e alocar pacientes doentes em leitos de UTI?

LA: O Leonardo Da Vinci é um hospital terciário, de portas fechadas, não faz urgência e emergência. Recebemos pacientes regulados da rede SUS, quer sejam das UPAs, dos hospitais, da Região Metropolitana ou do interior do Estado. Isso é o que gera estresse na família, porque é uma doença nova em que, até para não contaminar o familiar, o paciente precisa ficar só. Os pacientes que têm direito a UTI vão para a UTI. Os de enfermaria vão para a enfermaria, a gente sempre supervisionando. Orientamos a sempre vigiar bem a parte respiratória desse paciente, tendo noção de quantos precisam de oxigênio, quantos estão bem e quantos podem desenvolver necessidade desse suporte.

DN: De uma forma geral, qual é a situação médica dos pacientes? Com está a ocupação dos leitos de UTI?

LA: Temos 95 leitos dedicados a UTIs, e 71 estão ocupados. Temos pacientes de várias condições, mais ou menos graves, e uma área para pacientes só com máscaras com reservatórios porque podem ser entubados ou não. Até agora, nosso número de altas supera o número de óbitos. É o que a gente quer, mas quando você fala em mortalidade, tem que entender que relacionada à doença, há outras condições dos pacientes: se são hipertensos, diabéticos, ou se têm neoplasias e alguma doença pulmonar cronificada. Isso tudo interfere em qualquer doença.

DN: Vocês têm recebido casos de pessoas mais jovens?

LA: Recebemos tanto idosos como pessoas de 40, 35, 33, 18 anos. Já recebemos um jovem de 16 anos. Não podemos pegar crianças porque o hospital não é definido para esse perfil, mas qualquer pessoas que precise de atendimento por Covid-19 tem acesso ao hospital. Claro, mediante a quantidade do número de vagas.

DN: Quais são as orientações dadas aos pacientes que recebem alta?

LA: Todos vão para casa e permanecem usando máscara. Não porque estejam transmitindo, até porque a gente não sabe qual é esse tempo, mas hoje é recomendado o uso entre todas as pessoas, bem como o distanciamento social, o uso de álcool na higienização das mãos e o lavar com água e sabão. Essas orientações são permanentes.

Mais de 500 pessoas se revezam nas atividades do HLV, que neste domingo chega a seu 35º dia de funcionamento. A conta da Sesa inclui não só médicos e enfermeiros, mas também profissionais de limpeza e da administração, dentre outros.

DN: Algumas famílias reclamaram da falta de notícias por parte do hospital...

LA: Às vezes, é porque é mais de um familiar que quer a informação, e a gente escolhe um pra ficar se comunicando. Às vezes, não ocorre essa comunicação entre os familiares. Cada um quer uma resposta. Na dúvida, nos procure para que a gente resolva da melhor forma.

DN: Nesse primeiro mês, qual foi o maior desafio de coordenar o hospital? Algum momento o marcou?

Acho que quando a gente teve a primeira notícia de óbito. Foi muito forte. Também não tem como não se emocionar todo dia, quando alguém sai de alta. Quando você olha, tem vários membros da equipe chorando, vendo o familiar que recebe de volta o seu paciente. Já tenho 25 anos de formado, mas ainda é um momento de muita sensibilidade.

DN:Qual é a importância de se manter o isolamento?

LA: A gente acredita que a doença seja de transmissão por contato. É muito importante o uso da máscara, estar afastado um metro e meio das outras pessoas, não fazer grandes aglomerações, higienizar as mãos com álcool e sabão, e estar vigilante sobre febre, até porque, por mais que o sistema de saúde ofereça condições ou busque soluções, o melhor é manter nossos irmãos e irmãs sadios.

 

 

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